Visita do presidente a um garimpo ilegal, em terra indígena de Roraima, foi duas vezes criminosa
Na Folha
Um presidente da República em visita a um garimpo de criminosos. Sobre a pessoa e sobre o país, não é preciso dizer mais nada. Importa a visita: o objetivo sinistro de Bolsonaro continua ativo.
Sem qualquer finalidade governamental e sem explicação pública, a visita de Bolsonaro a um garimpo ilegal, em terra indígena de Roraima, foi ela mesma duas vezes criminosa.
Pela solidariedade e incentivo, como autoridade formal, à prática criminosa de garimpo clandestino e do decorrente contrabando de minerais preciosos. E criminosa ainda, da parte de Bolsonaro, por apoio a invasão de terra indígena.
Tudo o que se passou na área de Flechal corresponde, no nível urbano, à visita cordial a uma milícia. Com a diferença de que não consta o encontro no garimpo criminoso, por Bolsonaro, de amigos e velhos correligionários. Assim mesmo, não se sabe.
Certo é não se tratar de um fato para ser esquecido. O garimpo visitado já é criação de Bolsonaro.
Surgiu entre as invasões de terras indígenas, ianomâmi sobretudo, que se seguiram às promessas, repetidas no início do governo, de próxima legalização do extrativismo clandestino.
A legalização não veio, com vários projetos vagando pelo Congresso, mas Bolsonaro criou proteções para o crime: arruinou a fiscalização, proibiu a destruição de equipamentos apreendidos, devastou o Ibama, imobilizou a Funai e deixou em suspenso mais de 800 demarcações.
Garimpeiros, desmatadores, madeireiros e contrabandistas são, por definição, desordeiros. Armados. Como parte da criminalidade sem paletó, preferem a prudente abstenção ao aparecimento para votar.
Logo, Bolsonaro não foi fazer campanha eleitoral. Foi excitar, com promessas à criminalidade e acusações aos opositores delas. A mensagem e seus efeitos difundem-se depressa aos destinatários distantes.
A atenção aos encaminhamentos antidemocráticos de Bolsonaro entrou em recesso.
Mas a incitação aos violentos, para possível uso, continua sendo a alternativa para quem está sob risco sempre maior, tanto de derrota eleitoral como, nesse caso, de pagar alguma coisa por seus próprios crimes.
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Aras não é capaz de merecer confiança, nem a de Bolsonaro
Morte de Geraldo Brindeiro, consagrado como engavetador-mor da República, agrava situação do PGR
Na Folha
A morte de Geraldo Brindeiro, consagrado como engavetador-mor da República, agrava a situação de Augusto Aras.
Na condição de sucessor de Brindeiro, Aras se verá cercado por disposições muito mais hostis do que houve no governo Fernando Henrique.
Nesse sentido, o senador Omar Aziz foi de franqueza rara, na entrega do relatório da CPI ao procurador-geral da República:
“A sua responsabilidade é muito grande. O líder do governo na Câmara disse lá que em 30 dias o senhor vai arquivar esse assunto. Não é qualquer um dizendo, é o líder do governo. Veja bem, doutor Aras. Isso seria muito grave”.
Aras recitou a decoreba indefinida. Não a precaução típica, mas o vazio de quem não é capaz de merecer confiança. Nem a de Bolsonaro.
SÓ CONVENIÊNCIA
As máscaras e o distanciamento são toleráveis sem maior exigência. Não impõem mudança de hábito importante, não pedem atenção além do mínimo e trazem benefícios até impressentíveis.
Apesar disso, as populações da pandemia dividem-se entre os ansiosos por se livrarem das máscaras, como já fazem com o distanciamento, e os que a recusam de todo.
Com os primeiros, estão os chefes de governo, os governadores e os prefeitos, próximos da unanimidade, aflitos para comunicar o fim até das restrições leves. E comunicando-a.
Os casos de novas ondas de infectação, passadas algumas semanas de “volta ao normal”, continuam mundo afora.
A derrubada das máscaras pelos governantes, também.
Vá lá que as massas sejam manadas pouco racionais, mas a questão que se põe aos governantes é a das responsabilidades do cargo.
Não é a isso, porém, que seu açodamento liberatório corresponde. É a conveniências de política pessoal, ambições alheias ao interesse público.
Algumas semanas para consolidação da “volta ao normal”, ou seu oposto, não pesam sobre mais de 18 meses de pandemia.
Peso terrível é o da precipitação contra proteções e cai sobre o governante: cabe-lhe parte da responsabilidade pela onda de recrudescimento. E nela, eles esquecem, há mortes.
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Bolsonaro usa cocar durante discurso em terra indígena – Reprodução/vídeo