Depois de ter sido censurado, filme que conta os últimos dias de um dos principais nomes da resistência armada no Brasil chega às salas de cinema nesta quinta (4)
Gil Luiz Mendes, em A Ponte
Na entrevista coletiva, dada logo após a exibição de Marighella para jornalistas nesta sexta-feira (29/10) em São Paulo, Wagner Moura fazia questão de repetir que seu primeiro trabalho como diretor era um filme sobre amor. O sentimento aparece na relação entre pais e filhos, maridos e esposas. Amor pela causa revolucionária, amor pela dor e pela tortura. Amor por um país, seja de que lado for da trincheira que é apresentada durante as duas horas e 40 minutos de filme.
Antes da primeira cena, os letreiros mostram que o filme tem lado. Ao descrever Carlos Marighella como poeta, torcedor do Vitória e vítima da perseguição política instaurada no país após o golpe militar de 1964, fica claro ao espectador que a história que ali será contada tem a perspectiva daqueles que pegaram em armas em busca de tirar o Brasil do comando dos militares e da influência imperialista norte-americana.
Lançado quase dois anos após a data prevista, por conta de censura por parte do governo federal, como fazem questão de frisar todos aqueles que trabalharam no filme, Marighella chega a mais de 200 salas de cinema no país nesta quinta-feira (4/11). Da mesma forma, boa parte da história do guerrilheiro Carlos Marighella foi abafada ao distorcida ao longo dos anos, desde sua morte em 1969 nas mãos do aparelho repressor do governo brasileiro.
A violência do Estado está presente em quase todos os momentos do filme, seja nas impressionantes cenas de tortura, nos tiroteios entre militantes e militares, seja nas longas e tensas cenas nas quais os personagens tentam fugir e se esconder dos policiais. A câmera tremida em longos planos sequência convidam quem está no cinema a entrar no filme como um espectador do que acontece, mas sem ter a noção do todo.
Uma das principais preocupações de Moura no filme é dar complexidade a todos os personagens da trama. Ele mesmo, que foi aclamado por interpretar figuras controversas como Capitão Nascimento e Pablo Escobar, procura de alguma forma não canonizar a imagem de guerrilheiro, mesmo sem tirar dele a aura de herói nacional – cabe destacar a atuação de Seu Jorge no papel principal.
Com duas décadas de atuação em frente às câmeras, a interpretação do personagem-títuo é o melhor momento da carreira do ator/cantor. Vale notar também o trabalho de Bruno Gagliasso como o delegado Lúcio. No embate entre os dois é impossível dissociar o que há no Brasil desde sempre: repressão armada por um poder público branco e racista contra lideranças negras que ousam se opor a quem está no poder. Isso vai de Zumbi aos malês, chegando até os movimentos sociais da atualidade.
Marighella consegue ser um filme político que leva a diversas reflexões ao mesmo tempo que pode servir apenas como um bom filme de ação, com diversas cenas de tiroteio e perseguição. Vai muito do espectador busca encontrar no filme. É um trabalho forte, que consegue prender o público durante quase três horas e que dificilmente deixará de impactar a quem assiste, independentemente da linha ideológica do espectador. Uma dica sem spoilers: espere os créditos terminarem antes de deixar a sala de cinema.
—
Foto: SEBASTIAO MOREIRA (EFE)