Associação Yanomami pede investigação após denúncia de mortes de indígenas isolados

Liderança indígena da Terra Yanomami relatou à Hutukara que dois isolados Moxihatëtëma foram assassinados por garimpeiros

No ISA

A Hutukara Associação Yanomami (HAY) encaminhou nesta terça-feira (02/11) ofício à Frente de Proteção Etnoambiental Yanomami da Fundação Nacional do Índio (Funai), à Superintendência da Polícia Federal em Roraima (PF/RR), à 1ª Brigada de Infantaria da Selva do Exército (1ª BIS) e ao Ministério Público Federal em Roraima (MPF/RR) pedindo uma investigação sobre o assassinato de dois indígenas isolados Moxihatëtëma por garimpeiros.

O crime teria acontecido há cerca de dois meses e meio no interior da Terra Indígena Yanomami. Segundo a associação, na segunda-feira 01/11, uma liderança indígena, que preferiu manter o anonimato por questões de segurança, entrou em contato com representantes da HAY para informar as mortes dos indígenas do grupo, que vive em isolamento voluntário, em um ataque próximo ao garimpo conhecido como “Faixa Preta”, no município de Mucajaí.

“A intenção dos Moxihatëtëma teria sido expulsar os invasores do seu território, mas, durante o acercamento, os grupos entraram em confronto. Os isolados acertaram três garimpeiros com flechas, e os garimpeiros mataram dois Moxihatëtëma com armas de fogo”, descreve o ofício.

Análises de imagens de satélite indicam que na região mais de 100 hectares de floresta já foram destruídos pela atividade ilegal. “A HAY vem insistentemente informando os órgãos competentes sobre a elevada pressão em que se encontram os Moxihatëtëma com o avanço do garimpo nas regiões da Serra da Estrutura, Couto Magalhães, Apiaú e Alto Catrimani, com elevado risco de confrontos violentos que podem resultar no extermínio do grupo. No entanto, não temos ciência de ações recentes de repressão ao garimpo na região”, lamentou.

O documento relembra que dois indígenas da mesma comunidade isolada foram mortos em 2019 por tiros de espingarda de garimpeiros. Na ocasião, a Hutukara informou os órgãos competentes, mas não obteve respostas sobre uma eventual investigação. Com essas duas novas mortes — a serem confirmadas — e as de 2019, a organização ressaltou que os Moxihatëtëma podem ter sofrido uma perda de 5% da população por morte em conflitos com garimpeiros. As últimas fotografias aéreas disponíveis da comunidade indicam a existência de 17 seções familiares, sugerindo uma população total de aproximadamente 80 pessoas.

A associação indígena solicitou aos órgãos responsáveis que investiguem o ocorrido e realizem ações de combate ao garimpo na região: “solicita-se que sejam adotadas urgentemente ações de repressão do garimpo ilegal nas proximidades do território dos Moxihatëtëma, e sejam plenamente retomadas as atividades da BAPE Serra da Estrutura, com rotina de incursões para identificar e desmantelar núcleos garimpeiros instalados na região”.

A Terra Indígena Yanomami segue invadida por mais de 20 mil garimpeiros. Segundo os últimos estudos da Hutukara, até setembro de 2021, a área acumulada de floresta destruída pelo garimpo ilegal no território superou a marca de três mil hectares, um aumento de 44% em relação a dezembro de 2020. As regiões de Waikás, Aracaçá, e Kayanau são as mais impactadas pela destruição, que tem avançado para novas regiões, como em Xitei, onde a atividade teve um aumento de 1000% entre dezembro e setembro de 2021.

Isolados

A Terra Indígena Yanomami possui oito registros de grupos indígenas em isolamento voluntário, dos quais um foi confirmado, um está em estudo e os outros seis estão em fase de informação. O grupo confirmado, conhecido como Moxihatëtëma, vive na Serra da Estrutura, região muito próxima a focos de garimpo, localizados a poucos quilômetros de sua aldeia.

Deslocamentos recentes desse grupo, aproximando-se de inimigos tradicionais, provavelmente estão relacionados com a intensificação da atividade garimpeira e a consequente invasão de seu território tradicional. O contato forçado com garimpeiros pode resultar no genocídio do grupo isolado, como resultado de conflitos armados e disseminação de doenças infecciosas até então desconhecidas.

Para os Yanomami, a terra-floresta, que na língua materna significa “urihi”, não é um mero espaço de exploração econômica e sim uma entidade viva, inserida numa complexa dinâmica cosmológica de intercâmbios entre humanos e não-humanos — hoje ameaçada pela predação dos não-índios.

O presidente da Hutukara, Davi Kopenawa Yanomami, afirmou em “A queda do céu: palavras de um xamã yanomami” (Companhia das Letras, 2015) que “a terra-floresta só pode morrer se for destruída pelos brancos. Então, os riachos sumirão, a terra ficará friável, as árvores secarão e as pedras das montanhas racharão com o calor. Os espíritos xapiripë, que moram nas serras e ficam brincando na floresta, acabarão fugindo. Seus pais, os xamãs, não poderão mais chamá-los para nos proteger. A terra-floresta se tornará seca e vazia. Os xamãs não poderão mais deter as fumaças-epidemias e os seres maléficos que nos adoecem. Assim, todos morrerão”. 

Foto: Guilherme Gnipper Trevisan /Funai /Hutukara

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