Processo penal está atrasado e há risco de que crimes sejam prescritos
Wallace Oliveira, Brasil de Fato
O rompimento da barragem de Fundão, pertencente à mineradora Samarco (Vale e BHP Billiton), completa seis anos. Enquanto a maioria dos jornais ainda tem dúvidas se há um crime ou uma fatalidade, não restam dúvidas sobre as vítimas: dos 19 mortos pelo rejeito, passando pelas famílias que perderam entes queridos, propriedades e comunidades, até as centenas de milhares de pessoas, em 50 cidades de Minas e Espírito Santo, que perderam o Rio Doce, fonte de sustento, convivência e lazer.
“Aqueles que perderam suas vidas não imaginavam que estavam no caminho da lama e dos rejeitos, após o rompimento de uma barragem cujos erros técnicos de implementação e manutenção foram conscientemente manipulados para reduzir custos e aumentar dividendos. Sequer foi dada a chance de defesa aos que perderam suas vidas. Não houve aviso”, afirma a Força-Tarefa Rio Doce do Ministério Público Federal (MPF), em denúncia apresentada em outubro de 2016.
Rejeição de denúncias, penas mais brandas
Após quase um ano de investigações, o MPF acusou 21 pessoas de homicídio doloso, outros três crimes previstos no Código Penal e quatro crimes previstos na legislação ambiental. Essas mesmas pessoas, ao lado das mineradoras Samarco, Vale e BHP, a consultora VOGBR e um de seus engenheiros, também foram acusadas de emissão de laudo enganoso, que atestava a segurança da barragem de Fundão. As investigações apontam que havia ciência dos riscos e danos, mas os acusados seguiram com as práticas, a fim de obterem vantagens econômicas.
Há dois anos, o juiz federal Jacques de Queiroz, de Ponte Nova, fez uma revisão das denúncias contra cinco executivos da Vale e três da BHP, todos integrantes da alta cúpula da Samarco, retirando a acusação de homicídio, com desclassificação para crime de inundação seguida de morte. “O homicídio tem uma pena máxima maior. Em termos práticos, a decisão do Tribunal implica uma redução da pena”, explica o procurador da República Thales Coelho, integrante da Força-Tarefa Rio Doce.
A decisão também fez com que o processo saísse do rito do tribunal do júri e passasse para o rito ordinário. Além disso, 13 pessoas não responderão mais por nenhum crime, pois foram excluídas da ação penal por decisões judiciais.
Thales acrescenta que, desde o início da pandemia, o processo está parado, com perspectiva de ser retomado dia 17 de novembro, com escuta das últimas testemunhas de acusação. A demora pode fazer com que, por questão de prazo legal, alguns crimes sejam prescritos, ficando sem punição. Seria o caso da destruição de floresta nativa e do crime de morte de animais.
“A demora no andamento do processo passa uma sensação de impunidade para vítimas e para as próprias empresas, que podem se sentir autorizadas a praticar condutas, sem aquele receio de que serão punidas criminalmente”, avalia o procurador.
Essa também é a avaliação do advogado popular Danilo Chamas, presidente do Instituto Cordilheira e assessor da Arquidiocese de Belo Horizonte. “Esses casos se repetem, Mariana não foi o primeiro, houve outros casos de rompimento de barragens antes, inclusive com morte. Infelizmente, a impressão é que a Justiça tão aguardada vai demorar muito ou nunca vai chegar”.
Como punir as empresas?
Pela lei, pessoas jurídicas, como a Vale, BHP e Samarco, não podem receber penas de prisão por crime de homicídio, impostas a seres humanos, mas penas pecuniárias (como indenizações), prestação de serviços à comunidade ou restrição de direitos, que podem ser definidas por meio de acordo.
Segundo Thales Coelho, existe uma tentativa de pactuar com as empresas um processo de “Justiça restaurativa”, que avance para além da reparação das perdas tangíveis, envolvendo também o restabelecimento de laços comunitários e outras perdas intangíveis. Esse processo, segundo ele, envolveria a ampla participação dos atingidos, inclusive, na definição das penas de prestação de serviços às comunidades.
“Estamos em negociação de um acordo de não persecução penal, por meio do qual haveria possibilidade maior de participação dos atingidos na definição das penas. A partir de círculos, sentariam juntos representantes das empresas e representantes escolhidos pelos atingidos. E, ali, os atingidos possam apresentar suas demandas, informar os danos causados, os danos morais, os relacionados à própria identidade das pessoas”, relata. As regras desse processo ainda não foram definidas.
O advogado Danilo Chamas, tomando como base a experiência do crime da Vale na Bacia do Paraopeba, é crítico à celebração de acordos onde as empresas tenham grande influência, com vistas a atingir resultados mais céleres. “As instituições argumentam que essa seria uma forma de antecipar a reparação, ser prático. Ouço, às vezes, falarem que melhor seria um mau acordo do que uma boa sentença. Isso, para mim, significa que as próprias instituições reconhecem que o sistema não funciona. Tenho visto que, para os atingidos, isso tem sido um motivo de frustração”, argumenta.
Fechamento de mina como possibilidade de punição
Danilo Chamas lembra que também é possível punir as mineradoras com a retirada de autorizações para operar na região onde o crime foi cometido. “Além da licença ambiental, existem alvarás de funcionamento, autorizações de pesquisa e lavra, concedidas pela União, e outras. Todas elas podem ser revogadas a qualquer tempo, se se observa que o empreendedor não está atuando de maneira a preservar direitos. Então, há justificativas para revogar as concessões dessas empresas, por conta dos crimes cometidos”, observa.
Isso, segundo ele, é comum no âmbito internacional, mas, no Brasil, esbarra no discurso que alega uma dependência inelutável dos municípios com relação às mineradoras. “Nós, que temos uma visão crítica, temos também que colocar nossa narrativa. Não dá para aceitar como fato consumado que as mortes, danos ambientais, retiradas de direitos podem ser tolerados em nome de outros interesses, majoritariamente privados”, critica.
Edição: Elis Almeida
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Foto: bhaz