Justiça Federal atende pedido do povo guarani e suspende licenciamento da Mina Guaíba

Juíza confirmou que deveria ter ocorrido consulta prévia, livre e informada das comunidades indígenas afetadas pelo projeto de mineração

Por Marco Weissheimer, no Sul21

A juíza federal Clarides Rahmeir, da 9ª Vara Federal de Porto Alegre,  julgou procedentes os pedidos de Associação Indígena Poty Guarani, da Associação Arayara de Educação e Cultura, do Conselho de Articulação do Povo Guarani e da Comunidade da Aldeia Guarani Guajayvi e declarou a nulidade do processo de licenciamento do empreendimento Mina Guaíba, aberto na Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), a pedido da empresa Copelmi Mineração Ltda. A ação foi movida pelas entidades indígenas contra a Fepam, a Copelmi e a Fundação Nacional do Índio (Funai). A Ação Civil Pública contou com o apoio do Comitê de Combate à Megamineração no RS, entidades da sociedade civil, além de advogados defensores das causas indígenas, quilombolas, reforma agrária e ambiental.

A Copelmi pretendia instalar uma mina de carvão a céu aberto em uma área localizada a 16 quilômetros de Porto Alegre, em um projeto que impactaria direta ou diretamente a vida de 4,3 milhões de pessoas que vivem na Região Metropolitana. Originalmente, segundo o que foi anunciado pela empresa, o objetivo da Mina Guaíba era “viabilizar a política energética do Rio Grande do Sul” por meio da instalação de um Pólo Carboquímico no Estado.

O pedido de nulidade do processo de licenciamento ab initio baseou-se no fato de que  o EIA/RIMA apresentado para o projeto da Mina Guaíba ignorou completamente a existência da Aldeia Guajayvi, do povo Mbyá Guarani, localizada no município de Charqueadas, que seria impactada direta e indiretamente pelo empreendimento. Acionado pela Justiça Federal, o Ministério Público Federal apresentou parecer manifestando-se favorável ao pedido, reconhecendo que deveria ter ocorrido consulta prévia, livre e informada das comunidades indígenas que seriam afetadas pelo projeto de mineração.

Em sua decisão, a juíza Clarides Rahmeir cita decisões do Supremo Tribunal Federal, reconhecendo o direito da participação ativa das comunidades tradicionais em decisões que possam interferir em seu modo de vida, apontando que não houve qualquer contato com os indígenas por parte da Fepam e da Copelmi no sentido da realização da consulta prévia da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre direitos dos povos indígenas e tribais.

A magistrada assinala ainda que a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas “expressa especial preocupação com o fato de os povos indígenas terem sofrido injustiças históricas como resultado, entre outras coisas, da colonização e da subtração de suas terras, territórios e recursos, o que lhes tem impedido de exercer, em especial, seu direito ao desenvolvimento, em conformidade com suas próprias necessidades e interesses e reconhece a necessidade urgente de respeitar e promover os direitos intrínsecos dos povos indígenas, que derivam de suas estruturas políticas, econômicas e sociais e de suas culturas, de suas tradições espirituais, de sua história e de sua concepção da vida, especialmente os direitos às suas terras, territórios e recursos”. 

O êxodo indígena, observa ainda a decisão da Justiça Federal, é consequência de processos históricos de cunho político, social, econômico, cultural e antropológico. “As razões que impuseram ao povo vulnerável deixar suas terras se relacionam, em muitas das vezes, de relações de poder e violência estabelecidas no contato entre culturas distintas. Nem sempre a autodeterminação do povo minoritário é refletida no abandono dos lares”, assinala.

Para Roberto Liebgott, coordenador da Regional Sul do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), essa decisão é fundamental, porque “expressa, em definitivo, a necessidade de serem respeitados os direitos originários dos povos e comunidades, dado  que são amparados pela Constituição Federal de 1988 e pelos tratados e convenções internacionais, a exemplo da Convenção 169 da OIT, Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil”.Derrotas do projeto da Mina Guaíba na Justiça

A decisão da Justiça Federal é mais uma de uma série que questiona os procedimentos para a implementação do projeto da Mina Guaíba. Em outubro de 2019, o Ministério Público Estadual do RS ingressou com uma ação contra a Fepam e o Estado do RS com o objetivo de suspender a emissão de licença ambiental para qualquer empreendimento relacionado ao projeto de instalação do Pólo Carboquímico na Região Metropolitana de Porto Alegre. O MP identificou um déficit democrático grave no processo de licenciamento ambiental em curso e a ausência de uma avaliação dos impactos potenciais sinérgicos dos empreendimentos que compõem o projeto do Pólo Carboquímico.

Em outubro de 2020, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região negou recurso feito pela Copelmi para excluir as comunidades guaranis da região do processo envolvendo o licenciamento ambiental para o projeto da mina. E, em dezembro de 2021, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu, por unanimidade, considerar inconstitucionais as mudanças introduzidas no Plano Diretor do município de Eldorado do Sul, que facilitariam a instalação de um polo carboquímico e da mina de carvão na Região Metropolitana de Porto Alegre. 

Imagem: Representantes de comunidades indígenas protestaram contra o projeto da mina Guaíba. Foto: Luiza Castro/Sul21

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