A pedido do MPF, TRF1 estabelece prazos para a regularização de terras da Comunidade Quilombola Paraguai (MG)

Decisão determinou ainda o pagamento de indenização de R$ 500 mil por danos morais coletivos à comunidade

Procuradoria Regional da República da 1ª Região

Atendendo a recurso do Ministério Público Federal (MPF), a Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), por unanimidade, reconheceu o direito de regularização do território da Comunidade Quilombola Paraguai, no município de Felisburgo, em Minas Gerais, determinando o prazo de seis meses para elaboração de relatório preliminar de demarcação territorial pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). A decisão, do dia 9 de março, condenou Incra e União ao pagamento de R$ 500 mil reais à comunidade por danos morais coletivos. O processo de demarcação está parado há 15 anos.

A decisão reformou a sentença da primeira instância, que havia desobrigado o Incra a estabelecer um cronograma do processo demarcatório conforme prazo proposto inicialmente pelo MPF, de 60 dias. A alegação era de que o Poder Judiciário estaria, dessa maneira, invadindo a competência do Executivo, a quem caberia “total liberdade” para formular seu plano de ação de acordo com as possibilidades e prioridades administrativas.

O voto do relator, desembargador Federal Souza Prudente, no entanto, esclareceu que a atuação do Judiciário deve ter o objetivo de efetivar o cumprimento de políticas públicas fundamentais na ausência de atuação do Estado, suprimindo a omissão do poder público, sem que isso represente qualquer violação ao princípio da separação dos Poderes. “A persistir a forma de atuação do Incra, muito tempo ainda será gasto até a conclusão da regularização fundiária em referência, se um dia vir a ser concluída, o que não se admite, eis que não pode o administrado aguardar indefinidamente, e sem expectativa de prazo razoável, por um provimento da Administração Pública”, fundamenta.

O Incra, por sua vez, alegava a falta de capacidade orçamentária, financeira e operacional para conclusão do processo de demarcação, além da alta complexidade do procedimento, o que tornaria impossível, no momento, a elaboração de um cronograma para regularização da comunidade. Vale ressaltar, no entanto, que são 15 anos desde o Procedimento Administrativo nº 54170.006165/2007-47, instaurado em 2007 para orientar a demarcação das terras.

Para o MPF, não se justifica que, até o momento, não se tenha um cronograma de atuação e que não tenha sido concluído sequer o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), etapa preliminar no procedimento de reconhecimento, restando evidente violação à garantia fundamental da razoável duração do processo, no âmbito judicial e administrativo.

O direito das comunidades remanescentes de quilombo ao reconhecimento de seus territórios está regulamentado na Constituição Federal e na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), além do Decreto nº 4.887/2003, que estabelece o processo para a identificação, delimitação, demarcação, titulação e regularização dos territórios dessas comunidades, cuja relação com a terra não é de mera apropriação, mas, principalmente, de espaço necessário à reprodução física, social, econômica e cultural. Isso inclui não só a área destinada à moradia, mas também aquela reservada ao plantio, à caça, à pesca, dentre outras práticas tradicionais, sob pena de dispersão e desaparecimento do grupo étnico.

O atraso desproporcional no processo de regularização, portanto, representa um risco à própria existência da comunidade, razão pela qual o tribunal entendeu cabível o pedido do Ministério Público de uma indenização de R$ 500 mil reais como forma de reparação ao dano causado pela morosidade administrativa. O valor apurado deve ser aplicado em ações ambientais e sociais na área a ser reconhecida em favor da comunidade, conforme projetos a serem propostos pela própria comunidade. Este foi outro ponto reformado com o recurso, visto que a sentença de primeira instância havia negado o pedido de dano moral coletivo.

Com a decisão do TRF1, o Incra tem o prazo de 6 meses para apresentação do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), seguido de mais 6 meses para finalização de todos os atos do procedimento administrativo em curso, sob pena de multa diária de R$ 10 mil.

Comunidade Quilombola Paraguai – Localizada no município de Felisburgo (MG), a comunidade tem origem em um foco de resistência criado entre os anos de 1862 a 1869, por famílias fugitivas dos municípios de Serro e Diamantina. São cerca de 62 famílias, cuja certidão de autorreconhecimento foi atestada pela Fundação Palmares em 2006. Trata-se de população que adotou a autoatribuição e que está em processo de consolidação da identidade quilombola, determinada por sua origem e formação no sistema escravocrata, em movimento político reivindicatório em busca do reconhecimento de seus direitos sociais e ancestralidade.

Acesse o acórdão.

Processo nº 1002503-72.2021.4.01.3816

Arte: Secom/PGR

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