Eloy Terena: “STF julgará o futuro das terras indígenas do Brasil”

Na Abrasco

A fim de chamar a atenção da sociedade brasileira para o julgamento do “Caso Xokleng”, em trâmite no Supremo Tribunal Federal, Eloy Terena, advogado da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), publicou um artigo explicando o que é a ação – e porque é tão importante que os olhos se voltem para o judiciário. O texto Na pauta do Supremo, as Terras Indígenas: precisamos nos mobilizar para a defesa da vida dos povos indígenas , publicado em 12/5 pelo portal Mídia Ninja, afirma que este processo será o precedente para todas as questões relacionadas terras indígenas no Brasil. Leia, abaixo, trechos do texto de Terena:

Na pauta do Supremo, as Terras Indígenas: precisamos nos mobilizar para a defesa da vida dos povos indígenas

No dia 23 de junho, estará na pauta novamente do STF, o julgamento do futuro das terras indígenas do Brasil. O presidente da Corte incluiu na pauta de julgamento o recurso extraordinário n. 1.017.365, conhecido como caso Xokleng, e que tem repercussão geral reconhecida. Significa que o entendimento que o Supremo adotar neste caso servirá de parâmetro para todas as terras indígenas do país.

No centro do debate, duas teses estão em disputa. De um lado, a tese do indigenato ou do direito originário dos povos indígenas. E, de outro lado, a tese do marco temporal, defendida pelos ruralistas e pelo presidente Bolsonaro. Este julgamento teve início no mês de agosto de 2021, na oportunidade em que os advogados indígenas (Eloy Terena, Samara Pataxó, Cristiane Baré e Ivo Macuxi) e indigenistas apresentaram sustentação oral. Na mesma ocasião, outras organizações que atuam na defesa dos direitos indígenas reforçaram os argumentos em defesa da comunidade indígenas. O procurador geral da república apresentou parecer defendendo o direito indígena e pugnando pela manutenção e respeito da posse indígena.

No dia 09 de setembro de 2021, o ministro relator Luiz Edson Fachin proferiu voto e apresentou proposta de fixação de tese para reconhecer os direitos territoriais dos povos indígenas como direitos fundamentais e originários. Logo em seguida, o ministro Kassio Nunes Marques apresentou voto divergente do ministro Fachin, reconhecendo o marco temporal. E, no dia 15 de setembro de 2021, quando chegou a vez do ministro Alexandre de Moraes votar, este fez pedido de vista. O pedido de vista é uma faculdade que todo ministro tem e consiste num pedido de mais tempo para analisar o caso. E, no dia 11 de outubro, o ministro Alexandre de Moraes devolveu o processo para prosseguimento do julgamento, razão pela qual, o ministro presidente Luiz Fux, incluiu o processo na pauta de julgamento do dia 23 de junho de 2022.

O Caso Xokleng e seus contornos políticos e jurídicos

O futuro das terras indígenas está nas mãos do Supremo Tribunal Federal (STF). O julgamento do recurso extraordinário n. 1.017.365, com repercussão geral reconhecida, também conhecido como “caso Xokleng”, servirá de parâmetro para a demarcação de todas as terras indígenas do Brasil.

Os povos indígenas vivenciam um contexto político muito adverso na gestão do governo Bolsonaro, primeiro presidente eleito declaradamente contrário aos povos indígenas. Desde que tomou posse, assinou diversos atos que contrariam a Constituição e Tratados Internacionais que protegem os povos indígenas e seus territórios. Aliás, não é novidade que os direitos dos povos indígenas estejam em constantes disputas no campo político e judicial. Desde o período colonial, vários expedientes normativos foram emitidos tendo por objeto a posse desses territórios. Na atualidade são muitos os argumentos utilizados para impedir o reconhecimento formal de uma terra indígena. Entretanto, sem dúvida, o mais utilizado é a tese do “marco temporal”.

No início do mês maio de 2020, atendendo a um pedido incidental feito pela Comunidade Indígena Xokleng e outras organizações indígenas e indigenistas, o ministro relator do caso Luiz Edson Fachin, por meio de decisão fundamentada, suspendeu todas as ações judiciais de reintegração de posse ou anulação de processos de demarcação de terras indígenas enquanto durar a pandemia de Covid-19 ou até o julgamento final do Recurso Extraordinário n. 1.017.365, com repercussão geral reconhecida (Tema n. 1.031). Neste mesmo processo, o ministro relator também suspendeu os efeitos do Parecer n. 001 da Advocacia-Geral da União (AGU) e determinou que a Fundação Nacional do Índio (Funai) “se abstenha de rever todo e qualquer procedimento administrativo de demarcação de terra indígena, com base no Parecer n.  001/2017/GAB/CGU/AGU”.

O citado Parecer n. 001 da AGU vinha causando imensos prejuízos aos povos indígenas. Além de vincular todas as demarcações de terras ao que foi decidido no caso Raposa Serra do Sol, também pretendia fixar a data de 5 de outubro de 1988 como marco temporal para a demarcação das terras indígenas. Ou seja, as comunidades indígenas que não estivessem em suas terras em 5 de outubro de 1988, segundo essa tese, perderiam seus direitos territoriais.

E ainda, este parecer da AGU também estava sendo usado para rever processos de demarcação, fazendo com que a Procuradoria Especializada da Funai desistisse de vários processos judiciais, abrindo mão da defesa de comunidades indígenas e do próprio interesse da União– tendo em vista que Terra Indígena é bem público federal (Art. 20, inciso XI). Como consequência, comunidades indígenas estavam perdendo os processos e ficando sem defesa, o que fere o direito fundamental ao devido processo legal.

A suspensão do Parecer n. 001 da AGU e o mérito desse processo serão analisados pelo Pleno do STF no julgamento do dia 23 de junho. Esse julgamento é muito importante para todos os povos indígenas do Brasil. Após séculos de violências, remoções forçadas e extermínio de povos inteiros, a Suprema Corte terá a oportunidade de fazer valer o artigo 231 da Constituição, que determina que as terras indígenas, utilizadas para as atividades produtivas e para a preservação dos recursos ambientais necessários ao bem-estar dos povos indígenas, bem como aquelas que são necessárias para a reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições, devem ser demarcadas e protegidas. Esse é um direito fundamental, inalienável, indisponível e imprescritível. Foi essa a escritura pública que o Estado brasileiro assinou para os povos indígenas do Brasil.

O caso em questão, do povo Xokleng, é o mais emblemático no momento, tendo em vista que teve repercussão geral reconhecida. Trata-se do Recurso Extraordinário n. 1.017.365, interposto pela Funai, onde se busca manter reconhecido o território tradicional do povo Xokleng, em Santa Catarina. O processo se originou em uma ação de reintegração de posse requerida pela Fundação de Amparo Tecnológico ao Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina (FATMA), no ano de 2009. Na petição, a FATMA pretendia reaver área administrativamente declarada pelo Ministro de Estado da Justiça como de tradicional ocupação dos indígenas Xokleng, Kaingang e Guarani. Tanto em primeira instância, quanto na segunda, as decisões foram contrárias aos interesses dos indígenas, razão pela qual, o processo chegou ao Supremo por via do extraordinário. O recurso foi distribuído ao ministro Edson Fachin e teve reconhecida a repercussão geral. O processo é tido pelo movimento indígena como emblemático, tanto que muitas organizações requereram ingresso no feito na qualidade de amicus curiae. São elas: Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Conselho do Povo Terena, Aty Guasu Guarani Kaiowá, Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Conselho Indigenista Missionário, dentre outros.

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Foto: Laycer Tomaz / Câmara dos Deputados

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