Democracia na berlinda. As eleições 2022 para além da escolha presidencial. Entrevista especial com Rudá Ricci

“14 milhões de pessoas a mais estão passando fome no país em comparação com o primeiro levantamento do Inquérito Nacional realizado em 2020”, diz o cientista político

Por: Edição: Patricia Fachin, em IHU

A polarização neste ano eleitoral será inevitável e a disputa entre Jair Bolsonaro e Lula na corrida presidencial “é irreversível”. Este é o diagnóstico do cientista político Rudá Ricci, expresso em sua exposição virtual no debate sobre “As expressões das desigualdades no contexto global e local e os desafios com as eleições 2022”, juntamente com Marcelo Ribeiro, no evento promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU nesta segunda-feira, 04-07-2022.

No encontro, Ricci apresentou um quadro dos desafios econômicos e sociais brasileiros tendo em vista a recessão economia mundial. Segundo ele, que aposta na vitória do ex-presidente Lula neste pleito, os desafios já são sentidos no interior da elaboração do próprio programa de governo e seguirão em disputa ao longo do governo, caso Lula seja eleito. Isso porque, explica, os economistas articulados com o programa comungam de visões divergentes sobre como recuperar a economia e enfrentar as questões sociais. “A possibilidade é de que o cenário político em 2023 tenha setores empresariais e parte do baixo clero dentro do governo Lula, com aquele arranjo peemedebista no interior do governo e no Congresso, mas em um cenário muito diferente de 2003, quando Lula tomou posse pela primeira vez. Agora, 25 milhões de brasileiros, segundo o Datafolha, têm valores de extrema-direita fanáticos e estão na oposição, com Jair Bolsonaro. Isso significa, para fazer uma projeção angustiante, que teremos mais caos plantado pelo bolsonarismo. Sem aliança com o centrão, em 2023, a chance de chantagem do alto empresariado e do baixo clero no interior do lulismo pode ser maior. A situação econômica e política tende a se agravar”, afirma.

A seguir, publicamos a conferência de Rudá Ricci no formato de entrevista.

Rudá Ricci é graduado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp e doutor em Ciências Sociais pela mesma instituição. É diretor geral do Instituto Cultiva, professor do curso de mestrado em Direito e Desenvolvimento Sustentável da Escola Superior Dom Helder Câmara e colunista Político da Band News. É autor de Terra de Ninguém (Ed. Unicamp, 1999), Dicionário da Gestão Democrática (Ed. Autêntica, 2007), Lulismo (Fundação Astrojildo Pereira/Contraponto, 2010) e coautor de A Participação em São Paulo (Ed. Unesp, 2004), entre outros.

Confira a entrevista.

IHU – Qual é a atual situação econômica do Brasil desde o início da pandemia?

Rudá Ricci – O cenário é de uma forte recessão mundial que também atinge o Brasil. De um lado, a situação decorre desta própria recessão mundial, mas, de outro, dos erros na condução da política econômica e do Estado brasileiro. É também o cenário de uma inflação mundial recorde. Somente nos EUA, projeta-se uma inflação de 8.6 pontos percentuais, a maior dos últimos 40 anos. Os EUA vêm tendo muitas dificuldades de condução econômica por vários motivos. Um deles é a dificuldade de reposicionamento econômico mundial frente o crescimento e a disputa com a China, que tem uma economia planificada. Outro é a disputa do Texas, que está tentando trabalhar o preço do barril de petróleo na disputa do mercado internacional com a Rússia. A Rússia vem comandando com muita inteligência o bloco dos países produtores de petróleo e usando de artimanhas junto à Arábia Saudita, que vinha criando problemas com o Texas ainda antes da pandemia.

Existe uma situação de desorganização antes mesmo do começo da guerra da Ucrânia. A pandemia acelerou esse cenário e agora, com a guerra, há uma desorganização ainda maior: inflação crescente, taxa de juros crescente, atividade econômica instável, mercados voláteis e, finalmente, um cenário de tensão entre os EUA/Organização do Tratado do Atlântico Norte – OTAN, que agora basicamente formam um bloco só, e a Rússia. De outro lado, tem uma questão importante: o governo russo é um governo de direita com traços fascistas. Vou citar um ou outro caso para termos clareza disso. O ministro da cultura da Rússia fechou uma campanha contra os gays e contra o que ele chama de arte gay, e o presidente Putin disse que ele tinha toda razão porque os valores da Rússia são conservadores e tradicionais. O presidente do comitê de segurança do país vem sugerindo que este é o melhor momento para a Rússia avançar militarmente sobre o leste europeu, reconstruindo o pan-eslavismo que, por sinal, era a orientação do Alexándr Dúgin, que tinha fortes relações com o Steve Bannon, a partir dessa nova concepção teórica-religiosa chamada tradicionalismo.

Dúgin, que é um assessor importante da Rússia, esteve em missões diplomáticas na Turquia, respondendo pelo governo russo, e esteve na guerra em Ossétia do Sul para atrair a disputa de espaço territorial da Rússia, como também esteve à frente de uma guerra militar e forçou uma com a Geórgia. Ele acha que o território russo deve avançar pelo leste europeu para reconstruir o território de identidade nacional do período czarista, de antes da revolução russa. São teorias muito complicadas. Esse cenário de guerra e expansionista tanto dos EUA e da OTAN quanto da Rússia coloca mais ênfase no papel moderador da China ou de fomento a essa tensão. Então, é um cenário internacional muito volátil e crítico.

O cenário de recessão brasileiro segue o que já vinha acontecendo internacionalmente, mas tem características específicas: o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA acumulou, nos últimos 12 meses, mais de 11%, e a projeção dos bancos, como Santander e outros, é que o crescimento do PIB seja entre 0.7 e 1.2%, enquanto a projeção, em função do cenário internacional que acabei de descrever, é de -0,5 a -1, ou seja, de retração. A inflação projetada é de 9.5% com viés de alta por causa do pacote que deve ser aprovado na Câmara dos Deputados – que é um pacote com características populistas do ponto de vista fiscal e bem às vésperas das eleições. De outro lado, a taxa Selic projetada pelos bancos é de 13,5%.

IHU – Quais são as implicações sociais dessa conjuntura?

Rudá Ricci – O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos – Dieese acaba de lançar um estudo mostrando as negociações trabalhistas, o qual revela que 54,5% dos reajustes [salariais] ficaram abaixo da inflação das categorias que tiveram data base em maio. Somente 13,4% das negociações conseguiram atingir reajustes acima do índice inflacionário. O relatório mostra que muitas categorias têm buscado aumento de benefícios como o auxílio alimento ou pagamento de abono. O que nós estamos vendo, portanto, é um cenário que combina um problema conjuntural internacional e nacional com uma mudança estrutural do mercado de trabalho, que passa a se fragmentar muito aceleradamente e a substituir as plantas internacionais e as unidades de trabalho que criavam uma identidade coletiva do mundo operário do século XIX e XX para o trabalho em casa, o teletrabalho, ou o trabalho uberizado.

O fato é que estamos desmanchando categorias e, talvez, a mais emblemática seja a dos bancários, que perderam completamente a sua identidade. O gerente virou consultor e fica o dia inteiro na rua, capturando e vendendo produtos do banco como se fosse uma agência de venda de pacotes de planos de saúde ou planos de investimento. Nós fazemos tudo pelo celular e as categorias perdem a identidade coletiva. No período da pandemia, acelerou-se o teletrabalho e perdeu-se, portanto, a identidade entre trabalhadores que, teoricamente, têm a mesma condição. O sindicato deixou de ter organização no local de trabalho porque o local de trabalho passou a ser a residência.

Dessocialização

Uma pesquisa que o Instituto Cultiva vem desenvolvendo junto aos Institutos Federais – começamos com os Institutos do Mato Grosso do Sul e agora com os de Minas Gerais – mostra que mais de 50% dos professores dos Institutos têm filhos em casa e, durante a pandemia, eles disputaram computadores entre os familiares e entre os cônjuges, muitas vezes gerando aumento de conflitos entre os pais. Além disso, está tendo muitos casos de aumento de depressão, mas o mais impressionante é o processo de dessocialização – isso é muito importante de destacar porque temos poucos estudos e projetos de intervenção falando sobre essa questão. São situações em que houve queda de renda, principalmente de famílias monoparentais que têm mulheres à frente, principalmente aquelas que se definem de cor parda e que não tinham carteira de trabalho registradas. Por isso, as negociações trabalhistas têm importância nesse cenário. Essas trabalhadoras também tinham filhos em casa que não estavam indo para a escola e passaram a viver de benefícios sociais ou, quando havia, pensão e aposentadoria, aumentando o tempo de convívio familiar para mais de cinco horas por dia, porém, assistindo televisão. Mas essas pessoas cortaram os vínculos sociais e isso é gravíssimo. Se vocês forem às escolas hoje, verão muito relatos – e muitas pesquisas revelam isso – de professores sobre alunos que perderam o traquejo de convívio social, de autocontrole. Eles voltaram para a escola de uma maneira menos cuidadosa, menos civilizada. A situação nas escolas é de degradação social e de dessocialização.

Insegurança alimentar

O Segundo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, divulgado no dia 08-06-2022, indica que 33,1 milhões de brasileiros passam fome, equivalendo a 15,5% da população, mas quase 30% vivem também uma situação de insegurança para a garantia de seis alimentações durante a semana. Quer dizer, pode ser que falte uma alimentação durante a semana.

A partir das redes municipais de ensino, estamos fazendo visitas nas famílias e registrando muitos casos de famílias que só estão comendo uma refeição por dia. Então, estamos tendo quebra das orientações legais em relação ao alimento que se dá nas escolas. Muitos diretores de escolas, percebendo essa situação, começaram a doar e ofertar alimentos para as famílias, os quais seriam para a alimentação da merenda escolar. Eles estão ofertando uma cesta básica semanal para as famílias dos alunos. É algo impressionante o que está acontecendo no Brasil; é um horror social e raramente estamos vendo discussões acadêmicas e na grande imprensa sobre isso. São 14 milhões de pessoas a mais passando fome no país em comparação com o primeiro levantamento do Inquérito Nacional realizado em 2020.

IHU – O que vislumbra para o cenário eleitoral que se aproxima?

Rudá Ricci – O cenário eleitoral é de polarização e há um consenso, entre nós, cientistas políticos, que é irreversível: o próximo presidente será ou Jair Bolsonaro ou Luiz Inácio Lula da Silva. Não há nenhuma possibilidade de reversão desse quadro a não ser que um dos dois morra ou aconteça uma tragédia absolutamente imprevisível no Brasil. A tendência é que os outros candidatos desidratem, principalmente quando começar a campanha eleitoral, em agosto, e entrarmos em setembro e as pesquisas mostrarem que não há alternativa. Nesse caso, há uma tendência de o eleitor médio brasileiro, como ele é obrigado a votar, decidir votar em quem tem mais chances de ganhar para que ele “não perca o dia”. Como ele é obrigado a votar, vota para ser campeão – essa cultura é um caso muito peculiar e interessante, mas no linguajar popular se fala em “não jogar voto fora”. Isso tende a aumentar o voto útil.

Entre os dois campos bem definidos para este cenário eleitoral, o primeiro é o lulismo, que tem uma concepção específica de Estado e de condução política marcada por uma ampla coalizão e pela conciliação de interesses de classe. O segundo é o bolsonarismo, que tem um desenho fascista – é importante que utilizemos os conceitos corretamente. Portanto, não é um governo de direita; é um governo fascista, mas que, ao contrário do fascismo clássico, tem um discurso de plataforma econômica ultraliberal que foi mitigada porque foi obrigada a fazer acordo com o baixo clero no Congresso, em especial com os partidos do centrão e, especificamente, com o Partido Progressista – PP, retornando a uma concepção clientelista que estava no cerne da origem do fascismo.

Vamos lembrar a diferença entre fascismo e o nazismo – os dois são regimes totalitários de extrema direita. O nazismo é monolítico, enquanto o fascismo, desde o início, tem uma característica de absorção e diálogo com outros ideários desde que subordinados ao seu ideário central de uso da força contra qualquer sistema de concorrência política. No caso brasileiro, o centrão e o baixo clero tencionam um apoio dos empresários ultraconservadores. No início dos anos 2000, em 2004 e 2005, os empresários ultraliberais, liderados por Jorge Gerdau e Paulo de Castro, no Rio de Janeiro, passaram a atrair, financiar e a contratar o Rodrigo Constantino, que estava na Veja, e Hélio Beltrão, irmão da Maria Beltrão, da Globo News, e filho do ex-ministro da ditadura militar com mesmo nome, Hélio Beltrão. Os dois são contratados para trabalhar com jovens na época da comunidade Orkut, onde surgem as primeiras articulações neoliberais e libertarianas, que é o nome dado nos EUA para esse ultraindividualismo juvenil de apoio ao uso de armas e de apoio ao aborto. Isso confundiu um pouco a esquerda.

Mas, todo caso, o bolsonarismo tem, de um lado, uma articulação política muito estruturada nacionalmente, baseada no empresariado gaúcho e paulista, basicamente; no exército, em especial daqueles que estiveram em missão de paz no Haiti, que estão todos no governo Bolsonaro; no alto clero evangélico, que não tem alinhamento imediato com a base evangélica, a não ser quando falam da pauta de costumes, e o centrão, além de uma base social muito dispersa e fanática porque não é organizada. Uma das diferenças que todos os estudos apontam em relação ao bolsonarismo fascista em comparação aos outros tipos de fascismo é que ele não conseguiu organizar um partido de massa que consiga dar estrutura para a base de massa dispersa. Contudo, o professor Sérgio Amadeu sustenta que o partido de massa do bolsonarismo é as redes sociais. Essa é uma tese polêmica e instigante.

No campo lulista, os fatores mitigantes dessa ampla coalizão são os acordos partidários, de um lado, com as cúpulas partidárias e as tensões com os movimentos sociais, em especial com o sindical e as centrais sindicais. Essa tensão foi muito mal conduzida pelo governo da presidente Dilma, mas, na lógica do presidente Lula, os ministérios eram divididos salomonicamente: o Ministério da Agricultura para o agronegócio, o de Desenvolvimento para as forças mais à esquerda, agroecológicas, e a área econômica, o Banco Central e o Ministério da Economia tinham uma visão ultraliberal e empresarial, e os setores sociais estavam em mãos um pouco mais progressivas. Esse é o acordo dentro de uma dinâmica complexa que ele criou. Os acordos do lulismo são entre cúpulas institucionalizadas e é daí que vem a pressão dos movimentos sociais sindicais, porque o lulismo não cria e não amplia as formas de participação sobre a gestão. Ao contrário, ele as diminui.

Um exemplo é o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, que não tinha nenhum tipo de participação de base ou vínculos ou redes. Ele era formado por cúpulas das elites das ONGs, movimentos sindicais, movimentos sociais, igrejas e empresários. Mas os acordos com os partidos paradoxalmente acabam criando uma lógica de demanda capilarizada. A capilaridade das demandas entra no lulismo não a partir dos movimentos sociais ou das organizações, mas através dos prefeitos e partidos. Aliás, esse foi um dos motivos da saída do Frei Betto do governo Lula, porque ele dizia que o ex-presidente tinha entregado o controle do Programa Fome Zero – que era um comitê descentralizado em redes e dos próprios beneficiários – para os prefeitos, destruindo a política de condução das políticas públicas no Brasil.

IHU – Quais os impasses diante dessas duas possibilidades políticas?

Rudá Ricci – Gostaria de reforçar a recuperação do conceito de peemedebismo, utilizado por Marcos Nobre, presidente do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento – Cebrap, que, segundo ele, cria um imobilismo em movimento. Isso porque cria um impasse interno, de um lado, entre forças muito fragmentadas e o clientelismo e, de outro, forças políticas muito centralizadas e que produzem leis de autocontrole do sistema de cúpula – muito próximo do que acontece com Bolsonaro e aconteceu com Lula.

Bolsonarismo e lulismo e a produção do peemedebismo

A tese do Marcos Nobre é que ambos os governos traduzem o peemedebismo, que tem cinco características principais. A primeira delas é o governismo, isto é, se forma rapidamente uma maioria governamental de partidos que não concordam ideologicamente com a força eleita, mas esse governismo acaba levando a disputa que era externa para dentro do governo e o governo fica imobilizado pelas diversas negociações e chantagens que os partidos fazem, usando inclusive o legislativo, no caso do Congresso Nacional.

A segunda característica é a produção de supermaiorias legislativas, ou seja, maiorias além do necessário. Há uma tendência dos governos, tanto FHC quanto lulistas, de procurar uma maioria que quase sufoca a oposição.

A terceira característica é o sistema de vetos, ou seja, o tempo inteiro não tem produção de grandes políticas, mas, sim, uma série de acordos de convivência entre as amplas maiorias.

A quarta característica é impedir a entrada de novos membros no poder. Segundo Marcos Nobre, foi por essa razão que surgiram as manifestações de 2013, que não foram incorporadas nem pelas direitas nem pelas esquerdas e, justamente por isso, culminaram no bolsonarismo. Ele não diz que 2013 gerou o bolsonarismo. Ele diz que o bolsonarismo foi gerado porque o sistema peemedebista não quis ouvir nem negociar com os jovens de junho de 2013. Ou seja, o sistema político simplesmente negou a entrada de novos atores na política, mesmo de movimentos sociais ou mobilizações de base.

A quinta característica é a ideia típica da nova República, que consiste em evitar o conflito aberto a qualquer custo. Ou seja, o conflito é interno e de chantagens, de tal maneira que deseducamos a população brasileira a entender a leitura política da disputa. Ou seja, não se percebe – e vemos como as redes sociais são infantilizadas – um jogo, um drible político.

IHU – Nesta disputa, qual candidato tem mais chances e quais os impasses internos dentro de cada proposta de governo?

Rudá Ricci – Vou destacar qual é o debate que está acontecendo em torno do programa de quem parece ser o mais provável novo presidente da República, o Lula. Há uma disputa típica do peemedebismo entre as duas correntes de política econômica que estão disputando o programa do lulismo e vão continuar disputando o programa de governo depois da eleição.

Tem uma linha de economistas dentro da composição da campanha do Lula que é ligada à Teoria Monetária Moderna e, surpreendentemente, alguns economistas muito importantes do PSOL estão tendo um papel muito importante na discussão das diretrizes do programa do Lula. Eles defendem que o governo vai ter que emitir moeda e o cálculo para que isso não gere inflação é o limite da ociosidade produtiva no Brasil. Ou seja, se são emitidos pacotes e moedas que exigem produção e que são financiados pelos bancos, estatais e pelo BNDES, não se gera inflação, segundo eles. A mesma coisa ocorre em relação ao consumo reprimido: quanto mais se emitir moedas e fazer investimentos, se há um consumo reprimido e ele é acelerado, e se conseguir modelar tanto a produção quanto o consumo, não gerará inflação. Então, eles estão falando sobre a emissão de muita moeda no início do governo Lula. O case ao qual eles se referem é a China.

Eles também propõem a reestatização ou criação de novas estatais, e há, nesse mesmo bloco, uma discussão sobre se é para recriar as estatais privatizadas, ou se é para criar novas estatais, como sugerem alguns economistas importantes da Unicamp. Eles também têm um foco nas tecnologias e políticas sociais e defendem que o investimento em políticas sociais gera recursos para o aumento do consumo. Então, para eles, as políticas sociais fazem parte da engenharia de reindustrialização e da retomada do desenvolvimento nacional. As políticas sociais não estão apartadas da política econômica; eles acham que elas são um componente econômico – essa é uma leitura quase keynesiana. Também propõem um fomento à nova economia e política ambiental e isso é uma novidade no quadro lulista porque rompe com o Programa de Aceleração do Crescimento – PAC. E, finalmente, defendem a gestão participativa, em especial do Plano Plurianual – PPA do ciclo orçamentário.

A outra linha de economistas é da concepção liberal, que no governo Lula foi muito forte com [Antonio] Palocci e o grupo que assinou o documento “Agenda perdida”, que orientou o governo no início de 2003. Essa linha é praticamente o inverso da outra. Os economistas defendem um controle fiscal associado à política cambial, ou seja, a ideia de frear a liquidez do mercado o tempo inteiro, como se faz há alguns anos no país. Defendem uma política social focalizada, ou seja, não é uma política universal, mas uma política restrita aos setores mais desassistidos, que teriam direito a políticas específicas. Propõem igualmente a associação com setores produtivos já consolidados e estruturados, como o agronegócio, e a melhoria da balança comercial, ou seja, continuar com um perfil exportador da economia brasileira. Também dão ênfase a políticas microeconômicas e incentivo à poupança privada – algo que os liberais falam há muito tempo, mas nunca conseguiram porque o empresariado brasileiro não tem o perfil de cidadão cívico.

Considerando essas questões, a possibilidade é de que o cenário político em 2023 tenha setores empresariais e parte do baixo clero dentro do governo Lula, com aquele arranjo peemedebista no interior do governo e no Congresso, mas em um cenário muito diferente de 2003, quando Lula tomou posse pela primeira vez. Agora, 25 milhões de brasileiros, segundo o Datafolha, têm valores de extrema-direita fanáticos e estão na oposição, com Jair Bolsonaro. Isso significa, para fazer uma projeção angustiante, que teremos mais caos plantado pelo bolsonarismo. Sem aliança com o centrão, em 2023, a chance de chantagem do alto empresariado e do baixo clero no interior do lulismo pode ser maior. A situação econômica e política tende a se agravar.

Foto: Arquivo/Agência Brasil

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