Mas a pergunta que não quer calar é: vai ter golpe? E os militares nesse jogo?
por Cleber Lourenço, em Brasil de Fato
Bolsonaro já sabe que a PEC da compra de votos não será o foguete que irá levar suas intenções de voto para o espaço e, como já era esperado, entrou em pânico, ameaçou as instituições, questionou o sistema eleitoral com mentiras e toda aquela bobajada que já estamos acostumados a assistir.
Com isso, ele voltou a usar os militares do governo, em sua maioria na reserva, como patrocinadores desta delinquência, militares que foram os maestros da vergonhosa reunião com os embaixadores. Evento que só não foi mais absurdo porque os comandantes das forças armadas recusaram o convite para participar.
E como sempre, além de patrocinadores, os militares também servem como uma espécie de porrete para que o presidente possa afrontar as instituições. Também vale deixar claro que os militares permitem que o presidente faça isso com seu silêncio e inação indecorosa.
Exagero? Durante a convenção que oficializou a candidatura do presidente, houve um momento peculiar onde Bolsonaro se voltou para Braga Netto e disse que apoiadores são “nosso exército”.
Não satisfeito, ainda completou: “É o Exército que não aceita fraude. É o Exército que quer, merece e terá respeito, formado por 210 milhões de brasileiros”.
Fala que foi acompanhada de um caloroso aplauso de Braga Netto, general da reserva envolvido diretamente no descalabro de mortes da pandemia no Brasil e vice na chapa de Jair Bolsonaro.
Mas a pergunta que não quer calar é: vai ter golpe? E os militares nesse jogo?
Em maio escrevi na coluna “Os baderneiros de farda que brincam de Dom Quixote” onde aponto algumas semelhanças dos nossos militares com o centrão, sedentos por verbas e mamatas do orçamento público.
Eu não estava sendo otimista ou atacando os militares gratuitamente, tanto é que essa semana, uma matéria da Juliana Braga na Folha de S. Paulo confirmou minhas alegações.
No texto, fontes em off (anonimamente) revelam que oficiais têm conversado com interlocutores de Lula para garantir a manutenção de reforma da Previdência e orçamento robusto.
Ou seja, assim como o centrão, os militares não estão só atrás de verba como também estão colocando um pé em cada canoa. Uma atitude muito semelhante aos partidos Progressistas, MDB e PSD que estão ao mesmo tempo com Bolsonaro e com Lula.
O silêncio indecoroso de Arthur Lira sobre as novas ameaças do presidente ao Estado Democrático de Direito e o seu empenho ao lado de Ciro Nogueira, o extremista do Planalto, ocorrem por identificação de líderes do centrão com teses extremistas, mas pelo desejo de manutenção do descalabro que é o orçamento secreto. A vacância na presidência e que viabiliza essas emendas só é possível com Jair Bolsonaro.
E assim como o centrão, os militares também se importam com as pesquisas de opinião. Na última intentona de maio os militares deram uma “folga” quando perceberam que estavam falando sozinhos e que até Bolsonaro tinha deixado eles de lado.
Também tem muito general perdendo o sono com a última pesquisa de opinião pública do Instituto Para a Democracia.
O índice de pessoas que “confiam muito” caiu de 33,9% em 2018 para 24,9% em 2022, o “não confia” cresceu de 18,7% em 2018 para 29,2% em 2022.
Foram os militares que não puniram Pazuello por subir em palanque mesmo sendo da ativa e ainda colocaram sigilo no seu processo e que permitiram que dezenas de militares na ativa pudessem participar do governo.
São eles que volta e meia assinam notas com o Ministério da Defesa (que possui um general como chefe da pasta). Sendo assim, não existe isso de que a cúpula das forças armadas e os militares no governo são coisas diferentes.
Aliás, assim como o centrão, eles também negociam cargos e pastas no governo (em menor quantidade, mas o fazem), o texto que mencionei no início dessa coluna mostra que os militares também estão negociando nomes para o Ministério da Defesa em um provável governo Lula.
Se o centrão tem o escândalo de corrupção da Codevasf, nossos militares não foram muito longe. A área técnica do TCU confirmou que os MILITARES SUPERFATURARAM uma compra de VIAGRA feita em 2021. Além disso, o gabinete do general Braga Netto intercedeu por pastor envolvido no escândalo de corrupção do MEC.
Não tem ninguém se lambuzando mais em verba pública do que os nossos fardados e o centrão.
O centrão também não quer um golpe, isso colocaria em risco seus negócios. Eles também não iriam chancelar uma escaramuça do Bolsonaro para contestar as eleições. A regra número um do autoritarismo é controlar todos os esquemas, ou seja, não sobraria esquemas para o centrão.
Comandar um país continental como o Brasil dá muito trabalho e muito problema. Nossos militares não querem isso. Por isso Bolsonaro é tão querido, todos os ônus ficam na conta da sua estridente incompetência.
Também temos o show de trapalhadas, sendo as mais recentes protagonizadas pelo Ministro da Defesa e sua contestação abilolada do sistema eleitoral, um exemplo estridente de que eles também não são capazes de realizar uma boa gestão (preciso lembrar mais uma vez do Pazuello?).
Não faltam indícios de que os militares estão atravessando a rua para fazer de tudo, menos trabalhar. Basta ver a Amazônia, que era de responsabilidade deles, jogada às traças e tomada pelo crime organizado.
Agora, se os fardados querem tanto cornetar as eleições, sugiro que façam uma troca com as instituições, assim equilibram o jogo e diminuem atenção!
Será que os militares criariam um comitê convidando STF, TSE e outros poderes/instituições para auditarem seus gastos? Ou melhor! Até mesmo para dar pitacos nas suas ações?
Acredito que não! Então por qual motivo estão atravessando a rua para cornetar as eleições?
Dar um golpe não é fácil, não depende só de o Bolsonaro acordar e dizer “quero dar um golpe”. É necessário congregar muitos interesses, instituições e organizações ao seu lado, algo que ele falhou de forma fragosa.
Vide a repercussão da reunião com os embaixadores: uma saraivada de repúdios de diversas instituições, organizações da sociedade civil e entidades de classe. Foram mais de 70 manifestações contrárias de diversos grupos e mais algumas ainda estão por vir!
É previsto que em breve saia até mesmo um manifesto de entidades empresariais repudiando a delinquência do presidente.
O governo americano já se posicionou duas vezes de maneira taxativa em defesa da democracia brasileira, assim como outros países e nem mesmo a imprensa, que foi fundamental no golpe de 1964, está ao lado dessa intentona.
Bolsonaro sempre foi um péssimo articulador político, quem viabilizou o arco com o centrão e deu uma sobrevida ao seu governo foram justamente os militares que queriam seguir com suas mamatas.
Até para dar um golpe é necessário muita política e negociação. Bolsonaro só tem o desejo e um sonho. Não adianta gritar “É GOLPE!”.
Isso não significa que a sociedade civil e as instituições devam relaxar, o Brasil paga até hoje um preço caríssimo pela anistia dada aos agentes do Estado que cometeram crimes na ditadura militar, também é inadmissível que os militares usem sua força para intimidar a República em troca de mamatas como fazem agora.
Embora os militares sejam iguais ao centrão, é preciso lembrar que, durante uma discussão, os políticos colocam a caneta em cima da mesa, já os militares colocam o fuzil. Quem tem arma e blindado não negocia, faz ameaça!
Pazuello e outros tantos precisam servir de exemplo, até para que se possa tirar a tropa dos gabinetes e devolvê-la aos quartéis.
Enquanto isso Bolsonaro surfa no tumulto, afinal de contas, para ele é muito melhor que as pessoas perguntem se vai ter golpe do que lembrar que estão pagando quase dois litros de gasolina ao comprarem um litro de leite.
*Cleber Lourenço é observador e defensor da política, do Estado Democrático de Direito e da Constituição. Com passagens pela Revista Fórum e Congresso em Foco. Twitter e Instagram: @ocolunista_
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Vivian Virissimo
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Jair Bolsonaro e Braga Netto no dia da oficialização da chapa que vai disputar o Palácio do Planalto – Mauro Pimentel / AFP