O presidente brasileiro dá indícios de que não deve aceitar os resultados de outubro. Mas tem força política para dar um golpe?
Por Manuella Libardi, no openDemocracy
A volatilidade de Jair Bolsonaro diante das eleições de 2 de outubro deixa o Brasil em alerta. Os brasileiros parecem oscilar entre a confiança em suas instituições democráticas, que vêm freando as ações antidemocráticas do presidente, e o medo de que tente interferir nas eleições ou de que rejeite o resultado.
A campanha eleitoral começou oficialmente neste mês, dando lugar a debates e pronunciamentos públicos que nada fizeram para amenizar a preocupação. Em sua entrevista ao Jornal Nacional, em 22 de agosto, Bolsonaro se recusou a afirmar que aceitará os resultados de outubro. “Serão respeitadas as das urnas desde que as eleições sejam limpas e transparentes”, respondeu ao ser perguntado se assume “um compromisso eloquente de que vai respeitar o resultado das urnas seja ele qual for”.
Em seguida, Bolsonaro argumentou que uma investigação do PSDB em 2014 concluiu que as urnas eletrônicas – que o presidente ataca constantemente desde que ficou claro que sua chance de superar Luiz Inácio Lula da Silva é remota – não são auditáveis. No entanto, o próprio PSDB determinou que não houve fraude naquelas eleições, quando Aécio Neves perdeu para Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT).
Ou seja, Bolsonaro promete aceitar os resultados, mas não o resultado apontado pelas urnas eletrônicas – o que equivale a afirmar que rejeitará a vontade do povo. Em seus esforços para disseminar desconfiança no sistema eleitoral brasileiro, o presidente implicou as Forças Armadas, que propuseram mudanças no sistema ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – em clara afronta à instituição encarregada de supervisionar as eleições.
Efetividade do circo midiático de Bolsonaro
Além de aludir a uma possível tentativa de golpe, Bolsonaro também usou o espaço oferecido pelo jornal para mentir abertamente sobre suas ações e atitudes durante a pandemia de Covid-19. Suas respostas muitas vezes provocaram reações incrédulas dos dois entrevistadores.
Durante a entrevista, Bolsonaro também foi um dos assuntos mais comentados nas redes sociais, o que destaca a eficácia de sua tática de mentir e espalhar fake news para chamar a atenção. Embora a maioria das menções a Bolsonaro tenham sido negativas, o interesse gerado preocupa porque transforma um dos mais importantes processos democráticos em entretenimento.
07 de setembro
As comemorações do dia 7 de setembro deste ano, que marca o bicentenário da independência do Brasil, oferecem mais uma oportunidade a Bolsonaro de mostrar sua força diante das eleições. Em 2021, sua tentativa de usar a data para exibir seu poder foi um fracasso. Com apenas 6% do público esperado em São Paulo, Bolsonaro conseguiu o contrário do que muitos temiam ser uma tentativa antecipada de autogolpe.
Este ano, Bolsonaro mais uma vez tenta mobilizar sua base violenta de apoiadores, mas através de uma abordagem mais focada. Em vez de apostar em um movimento generalizado, Bolsonaro focará no Rio de Janeiro, um de seus principais redutos eleitorais – e também onde se concentram alguns de seus apoiadores mais radicais. O Comando Militar do Leste (CML), após cancelar o tradicional desfile na Avenida Presidente Vargas, no centro da cidade, fará um ato menor no Forte de Copacabana, como havia sugerido Bolsonaro.
Isso porque bolsonaristas realizarão manifestações no bairro, que contarão com a presença do presidente. No entanto, o CML desistiu de se envolver diretamente nos atos pró-Bolsonaro, demonstrando preocupação em separar a imagem das Forças Armadas das tentativas de golpe do presidente.
Ao romper com as tradições e convenções da data, Bolsonaro mostra que sua intenção não é comemorar os 200 anos de independência do Brasil, mas usar seus apoiadores mais violentos para enviar uma mensagem hostil.
Golpe de Bolsonaro conta com fortes aliados
Embora as Forças Armadas tenham demonstrado cautela em apoio ao golpe de Bolsonaro, outros setores da sociedade têm sido menos reservados. Os pastores evangélicos, representantes da religião que mais cresce no Brasil, estão comprometidos com sua missão de reeleger o presidente. Lideranças religiosas estarão ao lado de Bolsonaro em peso durante o ato puramente político em Copacabana – e pediram aos fiéis que façam o mesmo.
As mensagens geraram uma reação imediata não só da sociedade civil, mas também das autoridades. Em 23 de agosto, a Polícia Federal (PF) lançou uma operação, autorizada pelo Supremo Tribunal Federal, contra os oito empresários como parte de uma investigação sobre milícias digitais.
A decisão também gerou polêmica, uma vez que intensifica ainda mais a tensão entre o Judiciário e o Executivo. Para muitos analistas, as ações das autoridades podem ser interpretadas como politicamente motivadas, se baseadas apenas nas mensagens privadas. Bolsonaro também questionou a extensão das medidas tomadas pela PF, sem citar o ministro Alexandre de Moraes, do STF.
Desde o início de seu mandato, Bolsonaro mantém um apoio popular ao redor de 30%. A desaprovação de seu governo sempre foi maior do que a aprovação, atualmente em 43%. O presidente não conseguiu diminuir essa diferença por meio de políticas que ele mesmo já caracterizou como populistas, como programas de transferência de dinheiro. Sua aproximação do Centrão também não surtiu o efeito desejado. De fato, essa manobra política alienou alguns de seus mais ardentes apoiadores.
Está claro que Bolsonaro não tem apoio suficiente para ganhar as eleições nas urnas. Mas ele teve tempo suficiente para se organizar com base nesse fato. O incentivo à violência funcionou em 2018, quando Bolsonaro contava com vantagens de realidades nacionais e internacionais. Agora, a violência é o que lhe resta. Bolsonaro sabe disso. “Se precisar, iremos à guerra”, disse durante evento em junho. Agora resta saber se o sólido sistema eleitoral e suas instituições são mais fortes do que as tentativas de golpe de um político decadente, mas perigoso.
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Imagem: Aroeira e Luana Moussallem