Consultora de jornalismo e co-apresentadora do podcast de Mano Brown comenta como as pessoas negras são retratadas pela grande mídia: “o mundo é o mesmo, o que mudou é o ponto de vista”
Por Gil Luiz Mendes,k na Ponte
A voz de Semayat Oliveira chegou aos ouvidos de milhões de pessoas nos últimos dois anos. Consultora jornalística e co-apresentadora do podcast Mano a Mano, ao lado do rapper Mano Brown, ela ganhou destaque por suas inserções durante debates que foram da violência policial ao pagode, passando pela política brasileira, incluindo entrevistas com dois ex-presidentes da República.
Mas há muito tempo que ele vem falando sobre o povo periférico e exercendo a profissão por meio de iniciativas de jornalismo independente. Ela é uma das fundadoras do Nós, Mulheres da Periferia, plataforma de comunicação que se pauta a partir da ótica feminista contra-hegemônica para tratar de assuntos importantes para a sociedade.
Entre as mesas de debate do Festival Fala!, que ocorre em Salvador (BA) e do qual participou como mediadora, Semayat concedeu uma entrevista para Ponte onde comenta como a história do povo preto está sendo contada tanto pelos grandes veículos de comunicação quanto pelas mídias independentes e como está sendo a percepção das pessoas não negras ao trabalho que ela vem exercendo
Ponte — Que mundo é isso que a gente está contando?
Semayat Oliveira — Acho que a gente está contando um mundo que não era contado. Acho que a gente está vivendo no mesmo mundo lá da colonização, que é um mundo marcado por desigualdades, principalmente depois que o capitalismo virou o sistema econômico vigente. Acho que é o mesmo mundo desde sempre, marcado por esse processo de deslegitimação de determinados corpos. Mas nesse momento, esse mundo que a gente está contando tem outros lugares. O mundo é o mesmo, o que mudou é o ponto de vista.
Ponte — Estamos em um momento que as pessoas pretas estão contando as suas próprias histórias. Chegará o dia em que as pessoas brancas contarão essas histórias de forma justa?
Semayat Oliveira — Acho que vai demorar um pouco, porque grande parte das pessoas brancas que estavam na literatura desde muito tempo, como dramaturgos e roteiristas, se viciaram numa ideia que elas mesmas montaram do que é a população preta e do que é a periferia. Acho que muitas dessas pessoas estão se apropriando do conhecimento que nós temos propriedade e trazendo essas pessoas para suas equipes. Entendo que essas pessoas estão num processo de desmonte para se remontar.
Mas espero que demore, porque se essas pessoas tiverem em algum momento a habilidade de contar as nossas histórias do jeito que a gente acha que é respeitoso, possivelmente a gente vai perder esses lugares. Eu não sou o tipo de pessoa que acha que só preto precisa falar de preto e branco não pode ter esse lugar. Mas acho que precisa ter um equilíbrio nesse sentido e eles não estão preparados para isso. Vai demorar bastante.
Ponte — O Mano a Mano foi um dos maiores fenômenos de comunicação dos últimos anos no Brasil. Como é a percepção das pessoas brancas sobre os assuntos que são abordados no podcast?
Semayat Oliveira — Eu recebo muitos retornos em rede social de pessoas brancas dizendo do quanto elas não tinham noção do nível do preconceito delas, do nível do desconhecimento, inclusive de acessar a figura do Mano Brown, que pensa o mundo economicamente, politicamente e trazendo estratégias para o futuro. Esse é o maior espanto. A gente não fala só da dor, mas fala da necessidade de pensar soluções, da necessidade de trazer propostas.
Tenho a sensação de que isso é o que mais espanta em um podcast liderado pela maior figura do hip hop nacional, mas que fugiu do que eles imaginavam. Acho que eles não esperavam que esse podcast pautaria a cena política. É um espanto que é muito interessante. Quando as pessoas brancas entram em contato com isso, elas não só se sentem acessando o conhecimento que elas não têm, o que já é positivo, mas elas sentem a grande potência estratégica que a gente tem. Até pouco tempo eles viam o Brown como uma ameaça real.
Ponte — Até que ponto os veículos independentes precisam da grande mídia?
Semayat Oliveira — A gente aprendeu que não precisa tanto. Eu tracei a minha trajetória até agora muito pautada no Nós, Mulheres da Periferia. Eu criei laços com pessoas que estão no meio da mídia independente e me interessei pelo jeito que a gente inventou de fazer jornalismo. Eu achava que eu não era capaz de estar nas grandes redações e quando eu tentei, eu não consegui acessar esse lugar.
O curioso é que agora as grandes redações se interessam pelo nosso trabalho e se interessam por pessoas como eu, por exemplo. É muito simbólico que a gente tenha chegado nesse lugar de escolher. A gente precisa ter a noção de que a gente até pode acessar esses outros espaços, mas que a gente não deixe de construir os nossos, porque, no nosso caso, a gente tem uma liberdade maior. Montamos organizações desde sempre comprometidas com uma luta anti patriarcal, antirracista.
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Semayat Oliveira no Festival Fala! em Salvador. Foto: Gil Luiz Mendes / Ponte Jornalismo