Recém nomeado cardeal, Dom Leonardo Steiner, arcebispo de Manaus, diz que região Amazônica é prioridade do Pontificado de Francisco
Por Alex Jorge Braga, em Projeto Colabora
(Colaborou Hugo Barbosa) – Anunciado pelo Papa Francisco como um dos novos cardeais da Igreja Católica em cerimônia no Vaticano neste sábado (27 de agosto), o arcebispo de Manaus, Dom Leonardo Steiner, é o primeiro cardeal da Amazônia brasileira. Dom Leonardo Ulrich Steiner tomou posse como arcebispo de Manaus em janeiro de 2020. Ele assumiu o cargo que vinha sendo ocupado por Dom Sergio Castriani desde 2013. Até então, Steiner atuava como chefe da igreja local e como bispo auxiliar de Brasília. Além disso, Dom Leonardo já foi duas vezes secretário-geral da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
O fato de ser o primeiro bispo da região a receber o barrete vermelho revela, segundo ele próprio, a prioridade que a Amazônia tem e continuará tendo para Igreja Católica mundial. Nesta entrevista exclusiva ao #Colabora, Dom Leonardo fala sobre preservação da floresta, democracia, direitos humanos e a ordenação de mulheres.
Nascido em Forquilhinha, Santa Catarina, Dom Leonardo, de 72 anos, está muito preocupado com a situação que a Amazônia vive hoje, seja na perda de direitos da população indígena, em que o prelado se colocou frontalmente contrário ao marco temporal; seja na preservação das matas, que vêm sofrendo uma escalada nos índices de desmatamento: “nós não estamos apenas depredando a Amazônia, mas vamos acabar ajudando a destruir outras regiões do Brasil e, também, no mundo”, afirma.
#Colabora: O que representa a nomeação de um cardeal na Amazônia? A preservação e defesa da maior floresta tropical do mundo é realmente uma prioridade para a Igreja Católica?
Dom Leonardo Steiner: Para mim foi uma surpresa. Se falava do desejo do Papa de nomear um dos bispos da Amazônica, isso não significava ser brasileiro. O gesto é sinal da proximidade do Papa com a região, pois o cardeal é um bispo que foi nomeado e escolhido pelo Papa como alguém que o possa ajudar de maneira mais próxima o Ministério de Petrino (*). Eu espero dar essa colaboração, mas a partir da Amazônia.
#Colabora: Em 2019, ocorreu o Sínodo da Amazônia no Vaticano. O documento citava a ordenação de mulheres e de homens casados, mas isso não saiu do papel, por quê?
Dom Leonardo Steiner: O documento final, realmente aborda essas duas questões, mas o Papa Francisco não retoma esses elementos. Porém, em carta, ele assume o documento final, isso quer dizer que o pontífice está falando: “olha, vamos levar isso adiante”.
Sobre o diaconato feminino, nós sabemos que continua o estudo da comissão convocada pelo Papa, que está fazendo um levantamento histórico. E espero, também, que esteja fazendo uma reflexão teológica.
Quanto à ordenação de homens casados também não está dito que não, mas eu penso que é preciso caminhar dentro da Igreja e ter uma reflexão. Pois, simplesmente, voltar a um elemento antigo depois de tantos séculos, criaria uma tensão desnecessária dentro da Igreja, talvez até uma divisão, e o Papa procura evitar divisões. Ele é um homem sempre que procura agregar e unir comunhão, mas as discussões e reflexões continuam. Graças a Deus que hoje não é mais um tabu discutir isso.
#Colabora: A defesa dos Povos tradicionais é uma bandeira histórica da Igreja Católica. Como avalia o momento de perda de direitos dessa população e como a Igreja se mobiliza para defendê-los?
Dom Leonardo Steiner: Mesmo com a defesa constante da vida dessa população, nós ficamos devendo aos povos indígenas. Porque nós, por muito tempo, não levamos em consideração a cultura indígena no momento da evangelização.
Mas, atualmente, penso que a Igreja tem um cuidado muito grande de levar em consideração as culturas. Existe uma preocupação de que a Igreja não volte a fazer algumas coisas que fez no passado.
Hoje, realmente, existe um serviço aos povos indígenas. Os povos indígenas têm muito a nos ensinar e, por meio do CIMI (Conselho Indigenista Missionário) e outras organizações, a Igreja no Brasil tem aprendido muito.
Nós temos dado colaboração às causas, por exemplo, fiquei oito anos junto à presidência da CNBB, como Secretário-Geral, e quantas vezes nós tivemos reuniões, inclusive no STF expondo as dificuldades deles.
A questão do Marco Temporal, por exemplo, é um caso que ainda está no Supremo e que é decisiva para os povos indígenas. Tudo isso nós já estivemos muito envolvidos. O nosso serviço como Igreja está justamente em estar ao lado das pessoas que necessitam e que precisam. Então, nesse sentido, existe sim um esforço da nossa igreja. Porque existe uma verdadeira opressão em relação aos povos indígenas, eles não se sentem livres e não se sentem próximos da Funai, por exemplo.
#Colabora: Como você vê o momento delicado que o Bioma Amazônico atravessa com uma escalada nos índices de desmatamento?
Dom Leonardo Steiner: Nós estamos realmente em um momento muito delicado, porque há tempos vemos aumentar o garimpo. O garimpo é destruidor, que não destrói apenas as matas, mas as águas também. O nível de mercúrio, por exemplo, no Rio Tapajós é elevadíssimo. Os povos das comunidades que vivem ao longo desse rio não terão futuro se o nível de mercúrio na água continuar aumentando. Hoje, as crianças, através do leite materno, estão recebendo mercúrio, veja a gravidade da situação.
Agora, o bioma são todos os elementos e micro-organismos que estão presentes. Então, na medida em que nós vamos destruindo as matas, devastamos toda a fauna e a flora. Vamos destruindo o habitat dos povos originários.
Se nós continuarmos assim, a Amazônia não tem futuro, mas também não tem futuro o Centro-oeste, nem o Sudeste. Os rios aéreos que levam umidade e chuvas vêm da Amazônia. Se nós começarmos a diminuir esses rios aéreos, a agricultura e o abastecimento de água vão sofrer. Nós só vamos despertar no momento em que tivermos a secura ao nosso entorno, aí, talvez, vamos reconhecer que estamos errados.
Eu vou usar duas palavras que o Papa Francisco usa: ‘cuidar e cultivar’. Se nós não cuidarmos da Amazônia, e nós não cultivarmos devidamente a Amazônia, não estaremos apenas depredando a Amazônia, mas vamos acabar ajudando a destruir outras regiões do Brasil, e, também, do mundo.
A questão da morte do jornalista Dom e do Bruno, por exemplo, provém da questão do cuidado e do cultivo, pois era o que eles tinham em relação ao Vale do Javari. Os dois foram assassinados por causa disso, e porque denunciavam a pesca predatória, que na nossa região também tem aumentado muito.
#Colabora: Com o seu cardinalato, como o senhor deseja viver “Uma Igreja em Saída” que é tanto pedida pelo Papa Francisco?
Dom Leonardo Steiner: Se a nossa Igreja é em saída, é uma igreja que vai ao encontro das pessoas, não tem medo das dificuldades, das injustiças, e de abordar as questões de maior profundidade. Uma igreja em saída, é profundamente encarnada e inserida. Então é a igreja que procura ir ao encontro dos pobres, das nossas periferias, das comunidades ribeirinhas, e das comunidades indígenas. Isso é uma igreja em saída. Espero que o fato de ser agora cardeal, me permita dar uma colaboração ainda maior, pela visibilidade.
É preciso também falar que o nosso povo que é religioso, não é violento. A violência veio de fora, das armas, através da colonização, da ganância, da busca da madeira, de querer dominar as terras indígenas, de explorar as terras indígenas e da pesca predatória.
#Colabora: Manaus sofreu momentos difíceis durante a pandemia. O mais dolorido foi a falta de oxigênio e a abertura de valas coletivas para enterrar os mortos. Como você analisa a atuação dos governantes nesse momento?
Dom Leonardo Steiner: Eu queria fazer duas considerações iniciais. Primeiro foi numa época em que aqui costuma ter surtos de viroses e os sintomas da Covid-19 eram parecidos. Então, inicialmente, não se levou muito a sério, porque se achava que era uma virose. E um outro elemento que eu considero muito importante é a deterioração da saúde do nosso Estado. O SUS foi sucateado. Tudo que implica maior conhecimento, maior assistência de saúde, está concentrado na cidade de Manaus. Então, muitas pessoas não puderam ser assistidas justamente por isso.
Foi um momento muito doído e muito sofrido. Ainda temos muitas pessoas sofridas porque não houve despedida. Nos dias que estive no cemitério, vi tantas famílias com apenas cinco pessoas acompanhando o momento do enterro. É um momento muito duro, muito difícil e muito sofrido. É claro que o Governo deveria ter feito muito mais do que fez, houve um descuido nesse sentido.
Eu acho que a segunda onda foi mais grave, porque era sabido dessa situação e não se fez aquilo que deveria fazer. A tragédia poderia ter sido muito mais aliviada, se tivessem tomado as decisões necessárias
Agora, houve sim uma negligência da parte do governo. Se não quisermos usar essa palavra negligência, ao menos, somos obrigados a usar a palavra descuido. Inclusive, em relação à vacina, facilitando o acesso das pessoas às vacinas.
Não houve nenhuma manifestação dos governos federal, estadual e municipal incentivando a vacinação. Não se fez aquela “campanha” que tantas vezes se fez no Brasil para diversas vacinações. Existe no Brasil uma cultura de vacina, e não houve essa preocupação. Quem tomou a vacina teve sintomas leves, não são sintomas tão difíceis. É claro, uma ou outra pessoa sentiu mais, mas também porque às vezes tem algum outro problema de saúde.
#Colabora: O senhor é primo de Dom Evaristo Arns, grande defensor da democracia e dos direitos humanos. Como você avalia a atuação da Igreja Católica no Brasil na promoção dos valores democráticos?
Dom Leonardo Steiner: A Igreja tem dado uma grande colaboração, e que quase não aparece nos meios de comunicação. Por ocasião das eleições, as assembleias elaboram textos muito bons, e a CNBB tem uma escola de Fé e Política. O que, talvez, falte na nossa Igreja do Brasil é levarmos adiante as instruções em torno da democracia, pela sua constante construção. A democracia é dinâmica. As gerações passam, muitos já não sabem mais dos sofrimentos e mortes que aconteceram na ditadura. É preciso sempre fazer com que as pessoas escutem e reflitam sobre a Democracia, que não se trata de um conceito, mas de um movimento.
Isso precisa sempre ser refletido, discutido e debatido. Eu creio que o momento que nós estamos vivendo é devido ao relaxamento das reflexões e dos debates em torno da Democracia. Nós achamos que por vivermos agora em um regime democrático, tudo está resolvido. Há sempre a necessidade de voltarmos a discutir com todos os elementos da sociedade.
Particularmente, ainda acho uma discussão um pouquinho elitista, porque no passado o debate chegava mais na periferia. Naquela época, essas discussões fizeram com que as pessoas acordassem e se movimentassem. As manifestações que aconteceram pela redemocratização tinham todos os elementos da sociedade.
Hoje, é preciso envolver também as igrejas. Nós temos hoje uma dificuldade em relação à compreensão da Democracia em relação a algumas denominações. Esses dias li uma entrevista bastante crítica de um pastor dizendo que as Igrejas deveriam se preocupar menos com o poder e mais com a democracia. Eu acho que ele tem razão. Nós estamos, por exemplo, discutindo muito quem vai ser o presidente, e pouco quem vai ser o senador, o deputado, ou deputada federal e estadual. É por ali que passam muitos elementos, como, por exemplo: o apoio ou a destituição de um presidente. Por ali passam leis que não combinam com o meio ambiente e que atacam os povos indígenas. Nós não discutimos isso, mas está relacionado diretamente com a Democracia. A Igreja tem uma responsabilidade muito grande nesse sentido.
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Foto: Alberto PIZZOLI/AFP