Na Abraji
A mesma família Bolsonaro que estigmatiza a imprensa nas redes sociais, já bloqueou no Twitter 12 veículos de comunicação e 157 jornalistas até esta quinta-feira (25.ago.2022). Os dados são da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), que vem monitorando desde set.2020 como autoridades e políticos barram repórteres e colunistas no Twitter.
Com o veto, repórteres, colunistas e editores não podem responder ao presidente Jair Bolsonaro (PL) e a seus filhos na plataforma, mesmo que esses mesmos profissionais sejam alvo de publicações desinformativas e estigmatizantes em 73% das vezes em que foram mencionados pela família presidencial durante o primeiro semestre de 2022. O número também é da Abraji.
O presidente é quem mais restringe acesso ao seu perfil, com 95 bloqueios contra jornalistas e colunistas. Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) é o quarto da lista, com 22, Eduardo Bolsonaro (PL-SP), o quinto (21), e Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o sétimo (19).
O colunista da revista Veja Matheus Leitão, por exemplo, afirmou em 13.ago.2022 ser citado pelo presidente duas vezes naquela semana em “narrativas mentirosas” sobre a ditadura militar. O tema era uma entrevista que Leitão fez com Bolsonaro há cinco anos.
Na conversa de 2017, o jornalista escutou ironias sobre a tortura da qual a sua mãe, a comentarista da Globo Miriam Leitão, fora vítima durante o regime. O presidente narrou o episódio para dizer que a imprensa não teria informações para comprovar o golpe de 1964, enquanto Matheus Leitão disse que em sua resposta o presidente se revelou “um amante da tortura”.
O jornalista lamentou em tweet não poder responder ao presidente por estar bloqueado.
Na lista das cinco autoridades que mais bloqueiam jornalistas estão o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub (42) e o ex-secretário especial da Cultura Mário Frias (41). Embora familiares do presidente e membros do governo apareçam entre os campeões de bloqueios, políticos de esquerda também entram no monitoramento, como o governador Flávio Dino (PSB-MA), com dois bloqueios.
Segundo o Twitter, o bloqueio pode ser usado por usuários para evitar ver postagens rudes, maldosas, inadequadas ou perturbadoras. No entanto, a maior parte dos profissionais de imprensa do Brasil afirma que os vetos estão relacionados às opiniões contrárias. A informação foi levantada pela campanha Bolos Antiblock, promovida por Abraji e Congresso em Foco e que esteve no ar até mai.2022.
Para a professora da Universidade de São Paulo, Elizabeth Saad, os políticos recorrem ao bloqueio contra profissionais de imprensa para demarcar uma posição de força para sua base aliada e eleitoral. “Os jornalistas e veículos bloqueados repercutem esse posicionamento como uma ação arbitrária”, completa.
Essa interação no Twitter pode, segundo Saad, ser usada como tática pelos políticos para desviar do assunto que o profissional de imprensa investigava a princípio. A professora chama a atenção para o fato de líderes populistas de direita habilidosos nas redes sociais como Donald Trump e Jair Bolsonaro recorrerem com frequência ao bloqueio. “Assim, eles ditam a agenda”.
“Mas é importante dizer que não chega a ser uma forma de censura. É uma ação diante de uma plataforma”, ela avalia.
Além dos profissionais de imprensa, o presidente Jair Bolsonaro já vetou 10 veículos de comunicação. Carlos, outros dois. Chefes de redação e publishers ouvidos pela Abraji dizem que o bloqueio dificulta a atividade de apuração dos jornalistas ao dificultar o acesso às informações oficiais que o líder do Executivo divulga no Twitter e dizem enfrentar dificuldades para receber esclarecimentos nos canais oficiais.
Procurado, Carlos Bolsonaro, que administra não só a própria conta, mas também a do pai, de acordo com depoimentos prestados ao Inquérito das Fake News, não respondeu à Abraji até a publicação deste texto.
A reportagem ainda questionou a Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom) sobre o comportamento do presidente nas redes sociais, mas não obteve resposta.
A Abraji conta com apoio da Open Society Foundations para monitorar bloqueios de autoridades contra jornalistas por meio de busca ativa no Twitter e coletando respostas neste formulário. Para a Abraji, a prática configura restrição de acesso a informações públicas garantido pela Constituição Federal.
Em 29.jul.2021, a Abraji acionou o Supremo Tribunal Federal (STF), via mandado de segurança coletivo, para que o presidente desbloqueie os profissionais de imprensa banidos de sua conta na rede social. O mérito, porém, ainda não foi avaliado pela ministra relatora Cármen Lúcia.
Outra ação sobre o mérito, juntada ao STF pelo jornalista William de Lucca, começou a ser votada em plenário, mas teve seu julgamento obstruído por pedido de destaque do ministro Kassio Nunes Marques em nov.2020.
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Imagem destacada: Na ordem, Eduardo Bolsonaro, Jair Bolsonaro, Flávio Bolsonaro e Carlos Bolsonaro – Flicker
Erramos: O presidente Jair Bolsonaro bloqueou, segundo monitoramento da Abraji, 95 profissionais de imprensa até a última quinta-feira (25.ago.2022), não 94, como constava em versão anterior deste texto. Além disso, a família Bolsonaro bloqueou , no total, 12 veículos de imprensa, não 11. A informação foi corrigida às 12h36 desta segunda-feira (29.ago.2022).