Candidatos indígenas de 45 povos podem se eleger em 24 estados

Junto com quilombolas e camponeses, indígenas destacam 56 chapas progressistas para compor uma “bancada da terra”; segunda reportagem de especial sobre eleições traz candidatos de 45 etnias em um mapa inédito com as candidaturas dos povos originários

Por Luma Prado e Nanci Pittelkow, em De Olho nos Ruralistas

Mais do que nunca, mulheres e homens originários querem aldear a política. Até o momento foram identificados 182 candidaturas de políticos autodeclarados indígenas no pleito deste ano. Entre elas, a equipe do De Olho nos Ruralistas levantou 56 chapas de partidos de centro-esquerda e progressistas (PT, PSOL, PSB, PCdoB, PSTU, Rede, PDT, UP e PV) e alinhadas ao movimento indígena. São candidaturas de pelo menos 45 povos das cinco regiões, que defendem a Amazônia, a Mata Atlântica, o Cerrado e a Caatinga, em 24 estados.

Nas eleições deste ano, 30 candidatos indígenas concorrem às Assembleias Legislativas, 21 querem um lugar na Câmara, um disputa o Senado e três pretendem ocupar os governos estaduais. O levantamento tem ainda Raquel Tremembé, militante da Teia dos Povos do Maranhão, que concorre ao cargo de vice-presidente pelo PSTU, na chapa encabeçada por Vera Lúcia.

Hoje, entre 513 deputados federais há apenas uma mulher indígena, Joênia Wapichana (Rede-RR). Antes dela, apenas Mário Juruna tinha sido eleito, há 40 anos, como o primeiro parlamentar indígena, em 1982. Esse episódio foi contado na última temporada do programa De Olho na História.

Neste ano, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) lançou pela primeira vez, de forma coordenada, uma bancada de 30 candidaturas indígenas, das quais 29 foram contabilizadas no levantamento deste observatório. “Antes disso, as candidatas e candidatos se lançavam por decisão individual”, explica Sônia Guajajara que concorre a uma vaga no Congresso pelo PSOL-SP e é coordenadora executiva da Apib. O Parlamento Indígena do Brasil (Parlaíndio) também articulou parcerias para dar suporte aos candidatos indígenas vinculados à entidade e a outras organizações.

‘NOSSA LUTA É UMA BATALHA PERMANENTE PELA VIDA’

O movimento indígena sempre atuou pelo enfrentamento direto em defesa dos seus territórios. A partir de 2017, líderes perceberam que somente a resistência não dava conta dos retrocessos, violência e assassinatos cometidos diretamente ou sem a intervenção do poder institucional. Era necessário ocupar a política institucional.

Em 2018 a Apib convocou os parentes a se candidatarem nas eleições. Ao todo, 130 indígenas concorreram. Sônia Guajajara inaugurou a presença indígena na disputa presidencial como vice na chapa do PSOL, liderada por Guilherme Boulos, hoje candidato a deputado federal por São Paulo. Ainda que não tenha sido eleita, ela cumpriu o papel de estimular a candidatura de mulheres indígenas. Joênia Wapichana, pela Rede Sustentabilidade, foi eleita deputada por Roraima, cargo para o qual concorre à reeleição.

Em 2020 a Apib fez um novo chamamento para as eleições municipais e contabilizou 237 vereadores e 10 prefeitos eleitos, incluindo 44 mulheres. Em 2022, o número de candidatos indígenas aumentou 116% em comparação com 2014, quando o Tribunal Superior Eleitoral passou a registrar dados como cor e raça.

“Se uma Joênia conseguiu mobilizar parte do parlamento para fazer a defesa dos direitos indígenas e do ambiente, imagine 2, 3, 4 mulheres lá dentro”, explica Kerexu, líder Mbya Guarani e candidata a deputada federal pelo PSOL-SC. “Ela conseguiu trabalhar da forma que uma líder indígena trabalha, no coletivo”.

“Nossas candidaturas não são uma busca do poder pelo poder, somos vozes a serem escutadas”, afirma Sônia Guajajara. “Mas nossa luta não se dá só no campo eleitoral, é uma batalha permanente pela vida”.

Confira abaixo o episódio do De Olho na Resistência sobre as candidaturas indígenas, disponível no YouTube:

DEFESA DO TERRITÓRIO É A PAUTA PRINCIPAL

Eleito presidente em 2018, Bolsonaro cumpriu, nos últimos três anos e meio, uma de suas principais promessas de campanha: a de não demarcar nem um centímetro quadrado de terra indígena. “Hoje comprovadamente a demarcação dos territórios indígenas significa a solução número um para barrar as crises climáticas”, diz Célia Xakriabá, candidata a deputada federal pelo PSOL-MG. “Contra a bancada ruralista somente a bancada da terra, a bancada do cocar”.

A proposta das candidaturas indígenas é de se alinhar com outros movimentos como o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a Confederação Nacional da Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), entre outros, para criar uma bancada em defesa do ambiente e da terra para quem vive dela. “Hoje temos um retrato fiel do Brasil que não deu certo com o agronegócio e a mineração”, afirma Sônia Guajajara. “São 33 milhões de pessoas passando fome, além de destruição ambiental, contaminação por agrotóxicos e violência”.

O recado do movimento indígena é para os eleitores estarem atentos às propostas e credenciais dos candidatos. “Não devemos cair na falácia de que basta a pessoa ser indígena pra defender os interesses indígenas”, alerta Daniel Munduruku, candidato a deputado federal pelo PDT-SP. “Dependendo do lugar em que ele está, do partido em que ele se encontra, ele vai ter que defender uma linha partidária contrária à nossa”, conclui.

Não indígenas são convidados a participar dessa luta. “Que os aliados, os parceiros, os amigos venham somar com a gente”, conclamou Val Eloy, mulher Terena e candidata a deputada estadual pelo PSOL-MS. “Vamos também eleger a bancada do cocar nos estados”.

Em defesa da terra, conheça as propostas dos quilombolas, que já estão no ar em nosso canal no YouTube e em mapa interativo com as candidaturas. No próximo episódio serão abordadas as candidaturas camponesas.

ACADÊMICOS APOIAM CANDIDATURAS INDÍGENAS

Em 22 de agosto Chirley Pankará, candidata a deputada estadual pelo PSOL-SP, e Sônia Guajajara participaram do evento “Aldear a política para cuidar da terra – Candidaturas de mulheres indígenas”, uma roda de conversa com cientistas, estudantes, ambientalistas e artistas no Teatro de Contêiner Mungunzá, no centro de São Paulo (SP). O evento refletiu a movimentação nas aldeias e nos centros urbanos na defesa de novas representações políticas.

Chirley Pankará saiu de uma chapa coletiva para concorrer individualmente. “Chega de tutela, nós queremos apresentar nossas pautas e propostas e falar por nós mesmos, em plenário”, afirma. As candidaturas vêm ao encontro de uma estratégia de fortalecimento do poder popular. “O Lula não vai resolver tudo, mas elegê-lo é o primeiro passo para continuar a luta por um futuro melhor”, diz Chirley.

Entre os acadêmicos presentes, o antropólogo Emerson Guarani, da USP, enfatizou a pauta da educação. “Apoiamos a luta pela criação de um vestibular indígena dentro da USP, que ainda é uma instituição racista e excludente”, conta, ressaltando o apagamento que os parentes sofrem na maior metrópole do Brasil. “São Paulo é uma cidade de presença indígena, não da passagem, mas da permanência”.

O cientista político Jean Tible, da USP, ressaltou a concretude da ação e das candidaturas indígenas em complemento às trocas acadêmicas. “Os direitos indígenas incidem sobre os direitos de todos”, complementa Joana Cabral de Oliveira, antropóloga da Unicamp. “Quando os indígenas têm seus direitos garantidos, protegem a todos nós”.

O ambientalista Adriano Sampaio, do Existe Água em SP, ressalta o conhecimento indígena face a sua ancestralidade. “O que os cientistas estão dizendo hoje em relação ao ambiente, os indígenas já dizem há muito tempo”, opina. “Por isso a academia e os conhecimentos dos ancestrais devem caminhar juntos”.

Foto principal (Thiago Yawanawa/Divulgação): Acampamento Terra Livre confirmou necessidade de “aldear” a política

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