A decisão da justiça estadual do Amapá determina que as 300 famílias sejam removidas no dia 5 de dezembro
Gabriela Moncau, Brasil de Fato
No dia 5 de dezembro, 300 famílias do Quilombo Lagoa dos Índios Arco da Ressaca, em Macapá (AP), podem ser despejadas. A comunidade existe ao menos desde o início do século 20 e tem o reconhecimento, como quilombo, da Fundação Cultural Palmares e de um relatório antropológico do Incra.
Quilombos são previstos pela Constituição e o reconhecimento pelo governo deveria ser o bastante para garantir que não pairasse a ameaça de despejo sobre a comunidade. Ainda assim, a 4° Vara Cível da Justiça Estadual do Amapá decidiu pela reintegração de posse e os quilombolas, agora, correm contra o tempo.
“Estamos recorrendo, porque aqui é uma área quilombola, temos documento de 1918. Tenho fé em Deus que vamos reverter esse quadro. Nós precisamos da terra. A gente precisa de plantar aqui, temos uma roça, a gente faz farinha”, conta Edinelson Vidal, vice-presidente da Associação Quilombola Arco da Ressaca Lagoa dos Índios.
Os moradores fizeram uma manifestação, no último dia 11, pelo direito de permanecer no território. “Que a justiça seja feita. Espero que venha a rever esse processo e dar a favor de nós, porque nós que moramos aqui”, reforça Vidal.
Remoção inconstitucional
Um empresário reivindica a área de 66 mil hectares com base em um título comprado no longínquo ano de 1964, há 58 anos. O advogado dos quilombolas, Lindoval Rosário, argumenta, no entanto, que a remoção das famílias é inconstitucional.
A Constituição de 1988, no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), garante que os “remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras” tenham “reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.
Além disso, depois de o Brasil passar boa parte da pandemia de covid-19 com uma proibição de despejos determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em vigor, no último 31 de outubro a Corte definiu que as remoções podem voltar a acontecer desde se cumpram uma série de requisitos. Entre as condicionantes do chamado “regime de transição”, os tribunais de justiça devem criar Comissões de Conflitos Fundiários.
A juíza da 4° Vara Cível da Justiça Estadual do Amapá que determinou o despejo, salienta Lindolvo, “não ouviu nem o Incra, nem a Fundação Palmares, nem o Ministério Público Federal. A gente também não foi ouvido em audiência de conciliação”.
Segundo Rosário, por determinação do Incra, o empresário com o título da terra deve ser indenizado pela União. “Mas não se retira comunidade quilombola de terra quilombola. É um direito constitucional deles”, afirma o advogado, que entrou com recurso.
Agora, a decisão está no âmbito do Tribunal de Justiça do Amapá. Se for desfavorável aos quilombolas, Lindoval Rosário afirma que vai recorrer ao STF.
O truncado caminho da titulação
Segundo estimativa do IBGE, existem 5.972 localidades quilombolas no país. Apesar disso, de 1995 até agora, apenas 144 foram tituladas, conforme contabiliza o Observatório Terras Quilombolas.
A comunidade de Edinelson é uma dessas tantas que não tiveram este processo concluído. A Associação de Moradores alega ter uma escritura pública de inventário que comprova que a área foi comprada por um ex-escravizado, de nome Lídio, em 1918.
O processo de titulação, no entanto, começou em 2004. Em 21 de julho de 2005, a Fundação Palmares – vinculada ao Ministério da Cultura – concedeu a Certificação da Comunidade de Lagoa dos Índios como remanescente de quilombo. Depois de mais de uma década, em junho de 2017, o Relatório Antropológico do Incra delimitou a área quilombola.
“Não há dúvida jurídica para a não comprovação do direito quilombola”, diz Rosário. Mas foi nesse interim, enquanto o título definitivo não sai, que no ano de 2012 foi ajuizada a ação de reintegração de posse que, agora, está prestes a ser cumprida.
Edição: Rodrigo Durão Coelho
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Mãos quilombolas. Foto de João Zinclar