Ministro do Desenvolvimento Social vê diversas razões, entre elas, a exclusão da maioria dos Yanomami do antigo Auxílio Brasil e as negativas aos pedidos de socorro
Por RBA
O ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, disse nessa terça-feira (24) estar desconfiado de que só pode ter sido intencional a falta de assistência e saúde aos Yanomami. Motivos para pensar assim não faltam. Entre eles, pelo menos 21 comunicados oficiais enviados a diversas áreas do governo de Jair Bolsonaro (PL) pedindo providências. Todos eles foram ignorados.
Além disso, dos mais de 30 mil indígenas na reserva Yanomami, com centenas e centenas aptas ao benefício, apenas 177 recebiam o antigo Auxílio Brasil.
Para o ministro, o governo Bolsonaro “sabia o que poderia acontecer” caso não desse a assistência necessária à região. “Se isso chegava ao governo, e se o governo não tomava providência, o que estava em jogo? Eu acho que a investigação vai chegar a algo muito mais sério”, afirmou em entrevista ao Uol.
“Eu sou de um estado onde o extermínio dos povos das origens foi planejado a ponto de um governador reconhecer em lei que não havia mais indígenas no Piauí. Ali [com os yanomamis], a intenção era de colocar de forma sufocada, sem atendimento, sem atenção a essa população. É isso que estamos encontrando lá em cada visita, cada comunidade”, disse.
Ainda não há balanço oficial sobre a emergência Yanomami
Embora Bolsonaro tenha tentado minimizar a gravidade da situação, chamando de “farsa da esquerda” em comunicado em grupos no Telegram, o número de vítimas pode ser bem maior. Isso porque ainda não há um balanço final. “Não foi de agora, não é do mês de janeiro uma criança de 9 anos pesando 7 quilos. Não temos dimensão de quantas pessoas morreram ali, mas o número pode ser bem pior”, disse o ministro, que falou entre 570 e 580 crianças mortas devido a desnutrição.
Desde o último sábado, com a visita do presidente Lula e ministros ao local, tiveram início ações emergenciais de assistência à saúde e combate à insegurança alimentar. As equipes distribuíram cinco mil cestas de alimentos. E helicópteros da Força Aérea, quando chegam com os alimentos, na volta transportam crianças, mulheres e idosos que precisam de atendimento mais emergencial.
O governo federal criou o Comitê de Coordenação Nacional para Enfrentamento à Desassistência Sanitária das Populações em Território Yanomami. Oficializado na última sexta-feira, o grupo envolve, além do MDS, as pastas da Saúde, dos Povos Indígenas, da Defesa, da Justiça e Segurança Pública e de Gestão e Inovação em Serviços Públicos. Participam também lideranças indígenas.
Ação emergencial articulada com governo e lideranças indígenas
A prioridade é garantir assistência médica emergencial, cuidar de graves quadros de desidratação e desnutrição, levar cestas de alimentos adaptadas à realidade regional e retomar, aos poucos, a rede de proteção ao Povo Yanomami. Quando superada a situação de emergência, haverá vertentes ainda para ajudar os povos locais a retomarem lavouras de mandioca, milho e a criação de aves, além de permitir que pontos de pagamento do Bolsa Família e das políticas de assistência social cheguem mais próximos das comunidades.
Trata-se de uma ação articulada que envolve MDS, Funai, Forças Armadas e ministérios da Saúde, dos Povos Indígenas, da Justiça e Segurança Pública e dos Direitos Humanos.
Segundo o ministro, os números ainda não foram consolidados, mas a estimativa é de que mais de 540 indígenas, entre eles muitas crianças e idosos, tenham morrido de causas evitáveis, como pneumonia, gripes e diarreia na Terra Indígena Yanomami. Há na região em torno de 78.500 indígenas em 719 comunidades, conforme o Governo de Roraima.
Um contexto, destacou, que envolve a contaminação de rios da região por altas taxas de mercúrio usado na extração de ouro pelos garimpeiros e a extração ilegal de madeiras. Muitos dos povos indígenas da região são isolados, e por isso mais suscetíveis a doenças comuns decorrentes do contato com outros povos.
Desafios adicionais a serem superados
“Ali houve uma retirada de serviços que se prestava há muito tempo, além da entrada de pessoas estranhas. Imagine um Parque Nacional e a chegada de pessoas para garimpo, sem autorização, madeireiros sem autorização, produtores, criadores. E isso é muito pior num território que tem particularidades, de povos que não tiveram contato com o ambiente externo. Uma simples gripe que para nós não é problema, para eles é fatal”, ressaltou.
Segundo o ministro, ainda há desafios adicionais a serem superados. Entre eles, a extensão do território Yanomami, de mais de 17 mil quilômetros quadrados, a falta de estradas e o fato de que muitos deles não falam o português.
“Muitas comunidades são verdadeiramente isoladas. Não há estrada. Muitas não são próximas de rios, não dá para ir de embarcação. Há uma certa complexidade. A maior parte não fala português. São seis idiomas segundo as lideranças indígenas. Vamos ter de trabalhar na perspectiva de um esforço integral”, explicou o ministro.
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Imagem: Ministro do Desenvolvimento Social Wellington Dias e lideranças em visita a terra indígena Yanomami – Ricardo Stuckert