ES: Aldeias formalizam reivindicações para compensação dos danos

Fundação Renova voltou a propor quitação geral. “Não podemos comprometer o futuro das crianças”, refutam indígenas

Por Fernanda Couzemenco, Século Diário

As aldeias indígenas Tupinikim e Guarani reafirmaram suas demandas quanto à compensação pelos danos socioambientais decorrentes do crime da Samarco/Vale-BHP, em reunião realizada com mediação do Ministério Público Federal (MPF), a penúltima antes da audiência de conciliação com a 4ª Vara Federal, prevista para o início de maio, em Belo Horizonte, Minas Gerais.

Conforme solicitado na reunião de fevereiro, a pauta apresentada oralmente pelas lideranças foi enviada por escrito ao órgão ministerial, à Fundação Renova e às empresas criminosas e rediscutida em encontro na semana passada. Os principais pontos tratados continuam sendo o formato das indenizações e a elaboração dos Planos Básicos Ambientais Indígenas (PBAIs), além da continuidade da auditoria sobre as indenizações já pagas e a contratação da assessoria técnica independente.

O ponto de maior consenso foi a necessidade de indenizações individuais, por Cadastro de Pessoa Física (CPF), e não por núcleo familiar, como foi feito pela Renova, havendo divergências em relação a valores e prazos que devem ser contabilizados até o momento.

O único para a questão ser finalmente pacificada é mais um pedido de esclarecimento feito pela Renova. “As empresas e a fundação receberam nossa documentação, com nossa reivindicação, mas pediu informações sobre quatro pontos, disse que não entendeu. O perito do MPF pediu que ela encaminhe essas questões por escrito, mas ainda não chegou para a gente”, explica Joel Monteiro, presidente da Associação Indígena Tupinikim de Caieiras Velha (AITCV).

Uníssono também foi o repúdio à quitação geral dos danos, novamente proposta pela Renova, apesar de já ter sido declarada ilegal por mais de uma vez pelas instituições de Justiça que defendem os direitos dos atingidos – indígenas e não indígenas – pelo crime: MPF, Ministério Público Estadual (MPES) e Defensorias Públicas Estadual e da União (DPES e DPU). “Os indígenas todos disseram não para a quitação geral que a Renova pediu. Não tem como saber quando o ambiente vai ser recuperado e a gente não pode comprometer o futuro das crianças”, pondera.

A respeito da assessoria técnica a que as aldeias têm direito, conforme decidido seguidas vezes pela Justiça Federal, as comunidades defendem a contratação de uma entidade indígena local. “Requeremos a nossa própria assessoria. Temos duas associações aqui, com técnicos capazes de fazer o trabalho”, pontua Joel Monteiro, referindo-se às Associação Indígenas Tupinikim e Guarani e Tupiniquim de Comboios (AITG e AITC).

Na comunidade quilombola de Degredo, em Linhares, esse foi o formato adotado, com a contratação da Associação dos Pescadores e Extrativistas e Remanescentes de Quilombo do Degredo (ASPERQD), a primeira AT contratada no Espírito Santo.

Sobre o trabalho da auditoria, as percepções divergem mais, o que preocupa, pois o prazo para apresentação do relatório final, inicialmente estipulado para dia 30 de março, tende a ser prorrogado, o que dificulta a definição mais precisa dos valores que ainda devem ser pagos. “A percepção que a gente tem é que a Renova quer empurrar o relatório da auditoria para a última audiência, para a gente e não ter dados a tempo para a cobrança”, comenta a liderança indígena.

A próxima reunião está agendada para 12 de abril, quando os questionamentos feitos – e que precisam ser formalizados pela Renova – devem ser incorporados às propostas já apresentadas. “Dentro do que a gente está acostumado a ver, mais esse pedido de esclarecimento e a demora em formalizar, é uma manobra da Renova, que só quer empurrar as decisões para frente, porque ela não tem interesse em ter resultados na mesa de conciliação, quer ganhar tempo e fazer as decisões acontecerem na pressão”.

Ocupação dos trilhos

As reuniões preparatórias e a própria audiência de conciliação no próximo mês de maio foram conquistas do movimento de ocupação dos trilhos da Vale que atravessam a Terra Indígena Comboios, que durou 43 dias entre os meses de setembro e outubro passados, envolvendo centenas de famílias, que se revezaram sobre a ferrovia.

A ocupação só findou depois que a Fundação Renova retomou o pagamento do Auxílio de Subsistência Emergencial (ASE) – equivalente ao Auxílio Financeiro Emergencial (AFE) pago às comunidades atingidas não indígenas – e se comprometeu que as demais pautas seriam tratadas por intermédio da 4ª Vara Federal, entre elas a elaboração do PBAI e a revisão do processo indenizatório.

A mobilização refletiu também na relação das comunidades com outras empresas que ocupam o território e seus arredores, como a Imetame, que retomou a elaboração do Estudo de Componente Indígena (ECI) que, apesar de pendente, não impediu que o licenciamento ambiental da expansão de seu porto fosse aprovado e as obras iniciadas. A comunicação da empresa a respeito do estudo foi feita em novembro, quando a Suzano também se pronunciou a respeito do PBAI referente ao Canal Caboclo Bernardo, construído na década de 1990. “Quem não entregou ou não se manifestou ainda, vai ser cobrado”, afirmou, na ocasião, o cacique de Comboios.

Imagem: Dona Helena Coutinho – Reprodução.

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