Mesmo após sete anos da condenação pelo Júri, os réus do crime seguem em liberdade
Procuradoria-Geral da República
Atendendo a pedido do Ministério Público Federal (MPF), o Supremo Tribunal Federal (STF) cassou trecho do acórdão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que impedia a execução provisória da pena dos condenados pela Chacina de Unaí, em Minas Gerais. Na decisão, o Supremo determinou que, caso resolva afastar a aplicação do artigo que autoriza a execução imediata da pena, o STJ deve julgar a questão em sua Corte Especial, e não na Quinta Turma. A decisão foi na Reclamação 59.594.
Na reclamação, a Procuradoria-Geral da República (PGR) argumentou que o STJ desconsiderou a norma prevista no artigo 492 do Código de Processo Penal (CPP), na redação dada pela Lei 13.964/2019, que determina a execução imediata de pena igual ou superior a 15 anos aplicada pelo Tribunal do Júri. Os três réus do caso foram condenados a penas que variam de 31 a 65 anos de reclusão.
Para a PGR, ao não aplicar o dispositivo do CPP, a Corte contrariou o Enunciado 10 da Súmula Vinculante do STF, que estabelece que os tribunais só podem afastar a aplicação de leis ou atos normativos vigentes, de forma integral ou parcial, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, e não por órgão fracionário, que é o caso da Quinta Turma do STJ.
De acordo com o procurador-geral da República, Augusto Aras, a chamada reserva de plenário, prevista no artigo 97 da Constituição, poderia ter sido dispensada se já houvesse pronunciamento do órgão especial do Tribunal ou do STF sobre o tema, o que não ocorreu até o momento. Os argumentos apresentados pelo PGR foram integralmente acolhidos pelo relator do caso no Supremo, ministro Alexandre de Moraes.
“A jurisprudência da Corte tem reiteradamente proclamado que a desconsideração do princípio em causa gera, como inevitável efeito consequencial, a nulidade absoluta da decisão judicial que, emanando de órgão meramente fracionário, haja declarado a inconstitucionalidade de determinado ato estatal”, afirmou o relator na decisão.
Decisão do STJ – A Quinta Turma do STJ alegou, ao afastar a execução imediata das penas impostas pelo júri popular, estar aplicando o entendimento firmado pelo STF no julgamento das ações declaratórias de constitucionalidade (ADCs) 43, 44 e 54. Na ocasião, a Corte declarou inconstitucional a prisão automática do réu após a condenação em segunda instância. Isso porque o artigo 283 do CPP exige o trânsito em julgado da condenação para o início do cumprimento da pena.
O PGR, no entanto, sustentou, na reclamação ao STF, que esse entendimento não pode ser aplicado ao caso da Chacina de Unaí, visto que há regra específica no próprio CPP dispensando o trânsito em julgado nos casos de penas superiores a 15 anos de prisão aplicadas pelo júri. Segundo Aras, a norma é alvo de questionamento em ações ainda em trâmite no STF, mas, até o momento, não há nenhuma decisão da Corte, com caráter vinculante, que considere ilegítima a execução provisória de penas decorrentes de sentenças do Tribunal do Júri.
Soberania do Júri – O MPF argumentou também que o Tribunal do Júri é a representação da vontade da sociedade, sendo instrumento de efetiva participação popular, e que o respeito à soberania das suas decisões é princípio preponderante para a eficácia da persecução penal. “A resposta dada à sociedade e pela sociedade aos crimes contra a vida há de ser efetiva, não se encerrando no mero julgamento dos acusados por seus pares. Para tanto, é necessário o efetivo cumprimento de suas decisões”, concluiu Augusto Aras, ao ressaltar que há precedentes da Primeira Turma do STF no sentido de que a norma do CPP não viola o princípio da presunção de inocência.
Entenda o caso – A Chacina de Unaí foi o assassinato dos auditores fiscais Nelson José da Silva, João Batista Lages e Erastótenes de Almeida Gonçalves, acompanhados do motorista Ailton Pereira de Oliveira, que ocorreu na manhã de 28 de janeiro de 2004. Os quatro foram emboscados e mortos a tiros em uma estrada rural do município de Unaí (MG), quando se dirigiam para fiscalizar fazendas da região.
Como resultado da denúncia apresentada pelo MPF, os réus foram condenados pelo Tribunal do Júri, em novembro de 2015, a 96, 47 e 98 anos de prisão. Em 2018, as condenações foram mantidas pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), que, no entanto, reduziu a pena imposta aos três para, respectivamente, 58, 31 e 65 anos de reclusão.
Após a manutenção da condenação pelo TRF1, foi determinado o início da execução provisória das penas. Contudo, em razão da mudança de entendimento pelo STF acerca do cumprimento da pena após condenação em segunda instância, a decisão foi revista e os réus permanecem em liberdade.
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Imagem: Arquivo/EBC