Massacre do Abacaxis: uma operação de extermínio

Nesta quarta-feira, 17, em coletiva de imprensa na Cúria da Arquidiocese de Manaus, o Coletivo Pelos Povos do Abacaxis e outras redes de defesa dos povos da Amazônia anunciaram que receberam com “alívio e esperança” a notícia do indiciamento de integrantes da alta cúpula de segurança do Estado do Amazonas como supostos mandantes do chamado “Massacre do Abacaxis”, ocorrido em agosto de 2020, quando quatro ribeirinhos e dois indígenas Munduruku foram mortos a tiros durante uma ação policial. A CPT e o CIMI estão entre as 17 organizações que assinam a nota emitida pelo Coletivo.

CPT

No documento, movimentos e organizações sociais voltam a cobrar celeridade na identificação e responsabilização dos envolvidos no episódio.

 

Leia Nota Oficial:

MASSACRE DO ABACAXIS: UMA OPERAÇÃO DE EXTERMÍNIO

No dia 28 de abril, com alívio e esperança, recebemos a notícia de que dois ex-integrantes da alta cúpula de segurança do Estado do Amazonas: o ex-secretário de segurança pública do estado, Coronel Louismar Bonates, e o ex-comandante da Polícia Militar, Coronel Ayrton Norte, foram indiciados como supostos mandantes do massacre ocorrido em agosto de 2020, na região dos rios Abacaxis e Mari-Mari, entre Borba e Nova Olinda do Norte. Reconhecemos a relevância destes indiciamentos por entender que a mão da justiça começa a tocar as comunidades desta região, depois de tanto sofrimento presente nos corpos, na alma e na memória de quem viveu este massacre.

As duas ações da Polícia Militar do estado do Amazonas nos rios Abacaxis e Mari-Mari, em 2020, comandadas pelos indiciados, foram verdadeiras operações de extermínio. A primeira destas operações foi motivada pela tentativa de invasão da região do rio Abacaxis, área tradicional de indígenas e ribeirinhos, pelo então secretário do Fundo de Promoção Social (FPS) do governo do estado do Amazonas, Saulo Moysés Rezende Costa. A projetada retaliação resultou em uma desastrada ação armada, executada por uma milícia formada por policiais sem farda, dentre os quais dois foram mortos e outros dois feridos.

Após o fracasso desta ação ilegal, que queria impor o domínio sobre a região, a segunda operação foi montada com todas as forças de segurança disponíveis do governo estadual, com a participação de mais de cem policiais militares, entre outras forças de segurança pública. O resultado desta ação foi mais seis mortos, dois desaparecidos e dezenas de pessoas torturadas.

Após o massacre, a Polícia Federal instaurou um inquérito para investigar estas violações, que resultou no indiciamento dos supostos autores. Porém, ainda se faz necessária a identificação e responsabilização dos demais envolvidos nos crimes.

Os primeiros indiciamentos mostram que uma equipe capacitada e comprometida está acompanhando esta questão tão complexa. É importante que toda sociedade saiba que na investigação – que já dura quase três anos – houve rotatividade de seis delegados, diversos juízes e, na semana seguinte após a reportagem que anunciou o indiciamento do ex-secretário de segurança e do ex-comandante da polícia militar, houveram rumores da existência de uma manobra maliciosa para retirar o atual delegado da condução do inquérito, delegado este, que também preside o inquérito do duplo homicídio de Bruno Pereira e Dom Phillips.

Repudiamos e denunciamos as manobras que objetivam esvaziar a continuidade da investigação e privilegiar a impunidade e a injustiça. Como Coletivo que acompanha o caso desde o início, clamamos ao Ministério da Justiça e à Polícia Federal que mantenha a equipe atual nas investigações, forneçam todas as condições para que sigam com seus trabalhos, para que as investigações sejam finalizadas com o indiciamento de todos os envolvidos, sem novas interferências e com imparcialidade, até a sua conclusão.

Os indígenas e ribeirinhos que habitam os municípios de Borba e Nova Olinda do Norte são vítimas de um massacre perpetrado por aqueles que deveriam protegê-los e vivem ainda, até os dias atuais, sem uma ação de proteção e/ou reparação por parte do Estado. Após as operações policiais de 2020 têm se intensificado invasões de garimpeiros, intimidações, ameaças e agressões, como a queima de uma aldeia indígena, e enquanto isso, a decisão judicial de implantar uma base móvel da Polícia Federal ainda não foi cumprida.

Em comunhão com as comunidades Maraguá, Munduruku e ribeirinhas, nós, do Coletivo Pelos Povos do Abacaxis, fortalecemos nossa fé na justiça, parabenizamos os profissionais que se dedicam a obter os primeiros resultados e que oferecem ao presente caso igual empenho ao dedicado ao assassinato do Bruno Pereira, Dom Phillips e do Maxciel Pereira dos Santos.

Sabendo da força política e do poder econômico dos indiciados, para que haja justiça verdadeira e célere, desejamos fortemente que também haja o empenho e dedicação da 2ª Vara Criminal da Justiça Federal no Amazonas, competente para autorizar a realização de diligências na investigação que continua, e por processar e julgar os atuais indiciados. Também esperamos a mesma dedicação do Ministério Público Federal do 9º Ofício Criminal, responsável em denunciar os indiciados, apoiar nas diligências dentro do inquérito policial que ainda está por ser finalizado, bem como ajudar na proteção das testemunhas e dos defensores dos direitos humanos que seguem desamparados pelo Estado e cuja vida e integridade correm risco.

Sonhamos e teimamos pela justiça junto com nossas irmãs e irmãos que tiveram seus direitos fundamentais à vida, à integridade física e psicológica totalmente violados pelo próprio Estado do Amazonas, nas pessoas de seus agentes. Só haverá justiça se os atuais indiciados forem regularmente responsabilizados na forma da lei e da Constituição. Só haverá justiça se os demais violadores forem identificados, individualizados e também indiciados na investigação que continua. Para isto, é fundamental que sejam concedidas todas as medidas judiciais necessárias para permitir as investigações imparciais, contando com a colaboração da Polícia Civil do Estado do Amazonas, que realizou investigações e pode ter provas capazes de contribuir com a investigação em andamento da Polícia Federal.

Na esperança que a justiça plena chegue para aos injustiçados/as, vítimas e familiares do massacre do Abacaxis, bem como nos casos de Bruno e Dom e Maxciel, seguimos com teimosia para que seja respeitada a Constituição. Desejamos a responsabilização de todos os envolvidos no massacre, bem como a identificação e punição dos policiais envolvidos neste crime. A indenização das vítimas e a proteção das testemunhas que presenciaram os fatos.

Seguiremos acompanhando e cobrando, agora ainda mais motivadas e motivados, até que de fato se faça cumprir a Constituição Federal que garante que nenhuma lesão ou ameaça de lesão a direito pode ser negligenciada pelo sistema de justiça brasileiro (art. 5º, XXXV). E, ao final, que o Brasil todo saiba que não há cargo, não há patente ou nome que se sobreponha à justiça!

Que a justiça seja feita para os POVOS DO ABACAXIS e MARI-MARI!

17 de maio de 2023

Coletivo Pelos Povos do Abacaxis

Associação de Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro Residentes em Manaus (AMARN)
Casa da Cultura do Urubuí (CACUÍ)
Comissão Pastoral da Terra Regional Amazonas (CPT-AM)
Comissão Pastoral da Terra Nacional (CPT)
Conselho Indigenista Missionário (CIMI)
CRB Regional Amazonas e Roraima
Espaço Feminista URI HI
Fórum de Educação Escolar e Saúde Indígena do Amazonas (FOREEIA)
Fórum Permanente das Mulheres de Manaus – FPMM
Frente Amazônica de Mobilização e Defesa dos Direitos Indígenas (FAMDDI)
Grupo de pesquisa Planejamento e Gestão do Território na Amazônia – Dabukuri
Movimento de Mulheres Negras da Floresta – DANDARA
Organização de Mulheres Indígenas Mura de Autazes (OMIM)
Organização de Lideranças Mura de Careiro da Várzea (OLMCV)
Rede um Grito pela Vida
Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (SARES)
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB)

Foto: Mercy Soares- SARES

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