Medíocres. Por Julio Pompeu

No Terapia Política

É na grandiosidade da multidão que o humano demonstra da forma mais espetacular a sua baixeza de espírito. Sozinhos, somos frágeis. Não nos entregamos aos nossos próprios arroubos porque eles podem fazer voltarem-se contra nós olhares, frases e gestos agressivos. Em multidão, nos sentimos amparados mesmo para agir das formas mais selvagens. Estranha ilusão de poder que tem como condição sermos só mais um em um punhado de gente. Talvez, este seja o problema. O conforto de ser só mais um na multidão nos arrasta para a mediocridade. Será?

Levantar a cabeça e dizer “ei! Estou aqui! Sou assim! Penso assim!”, deveria nos dar aquela sensação de poder por podermos ser nós mesmos. Um ato de posse de si que deveria nos dar confiança suficiente para nos sentirmos capazes de tomarmos posse do mundo à nossa volta. Deveria…

Na prática, isso é muito caro a cada um, porque quando nos tornamos nós mesmos, chamamos a atenção. Mostramo-nos singulares e toda a responsabilidade do que fazemos torna-se nossa. Perdemos a desculpa do “mas todo mundo faz assim” porque deixamos de ser todo mundo. Agora, somos nós mesmos. Só nós mesmos. Sós.

Na singularidade de ser quem se é, há responsabilidade individual. Na mediocridade da multidão, a responsabilidade é diluída na multidão. Enquanto todos são assim, ninguém se sente responsável por ser assim. E ninguém também assume as consequências da mediocridade, porque enquanto cada um age como o todo, ninguém é o todo para ser responsabilizado por quaisquer de suas mediocridades.

É essa mediocridade, massa amorfa onde a moral se afoga, que faz do grito do racista no estádio o grito racista do estádio. Um nazista chama o jogador de macaco e como pedra jogada na água, aquele grito racista gera ondas de repetidos xingamentos a exibir toda a baixeza daquele mar de mediocridade.

E cada um que a repete, agredindo um humano sem se dar conta de que seu ato é a decadência de toda humanidade, torna-se medíocre só pelo prazer ilusório de sentir-se poderoso. Pelo tesão de agir como quem se acha melhor que outro, melhor que muitos, melhor que todos. Não por ter algum talento excepcional, ou pelo esforço constante pelo próprio aperfeiçoamento, como faz um atleta, mas pela singeleza e insignificância da cor da pele. Ou pela eventualidade de ter nascido num lugar específico, sem se dar conta de que todos nascemos em um lugar específico e que independente da especificidade do lugar, a vida pode ser boa ou terrível. As alegrias, tristezas, bonanças e pobrezas de lugar nenhum dependem do lugar, mas das pessoas do lugar. E não há pessoas mais miseráveis que aquelas de almas medíocres.

Vinícius, já completamente distraído do jogo que ali estava para assistir, foi interrompido em seus pensamentos por outro grito da torcida. Não comemorava gol marcado ou lamentava gol sofrido. Ofendia o adversário pernambucano. Bem ao seu lado, sujeito medíocre gritava que “Brasil é Sul! Vocês são lixo! Vão embora!”. Sentiu enorme mal-estar de torcer pelo Criciúma. De estar bem ao lado dos medíocres que se acham melhores que pernambucanos só por serem catarinenses.

Recolheu-se em sua moral e foi-se embora. Preocupação de vergonha por alguém poder pensar que, por ele ser catarinense, seria como aqueles catarinenses. Vergonha por alguém imaginá-lo como medíocre. Vergonha da mediocridade de onde brotam a xenofobia, o racismo, o fascismo e todas as outras perversidades de gente que acha que só pode ser feliz se entristecer alguém.

Mesmo com a vitória de seu time, saiu triste. Naquele jogo, o Sport perdeu. E a humanidade perdeu-se na versão medíocre de si mesma.

‘O Grito’, de Edvard Munch. Recorte

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