O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, é um dos poucos chefes de Estado do planeta a publicamente propor o abandono (phase out) da exploração e do consumo de combustíveis fósseis. A medida é elementar tanto para garantir o limite de 1,5oC de aumento da temperatura estabelecido no Acordo de Paris como para preservar a floresta amazônica, também afetada pela crise climática e pelas emissões dos fósseis, assim como pelo desmatamento.
Mas, às vésperas da Cúpula da Amazônia, o líder colombiano – que reforçou sua posição em artigo no Miami Herald – parece estar sozinho na empreitada. Em Leticia, na Colômbia, no encontro técnico-científico preparatório para a cúpula, Petro tentou conseguir a adesão de Lula. Mas, segundo a Folha, o presidente brasileiro respondeu que a prioridade é combater a pobreza e o desmatamento na região e não sinalizou apoio. A matéria foi repercutida pelo BNC Amazonas.
Petro propôs abandonar novos projetos de exploração de petróleo na Amazônia e zerar garimpos ilegais e o desmatamento na região até 2030. Segundo fontes que acompanharam o encontro, Lula disse que o assunto é tratado internamente, levando em conta a proteção da Amazônia. No discurso de encerramento da reunião técnico-científica, não mencionou a questão do petróleo.
O atual imbróglio sobre a exploração de combustíveis fósseis no Brasil envolve a perfuração de um poço pela Petrobras na foz do Amazonas. Para a professora e diretora em exercício da COPPE/UFRJ, Suzana Kahn, a discussão política sobre esse poço está encobrindo a principal discussão: o que o Brasil pretende para seu futuro energético.
“O enunciado do problema não é esse poço, é outra questão. Vamos continuar investindo na exploração de petróleo, em áreas sensíveis ou não sensíveis, ou vamos migrar para outras fontes de energia? Se é para manter a região [amazônica] como está, o meu argumento de que se deve avaliar o potencial da ME [Margem Equatorial, que abrange a foz] cai por terra. O PIB per capita da Guiana cresce a passos largos, mas sua sociedade está rica? Veja o Catar e a Arábia Saudita. Houve realmente uma melhoria na qualidade de vida daquela população? Essa é a discussão que deveria estar existindo”, disse ela, em entrevista ao PetróleoHoje.
Assim como tantos outros chefes de Estado, Lula ainda considera o petróleo como um “vetor de desenvolvimento”, capaz de acabar com a pobreza no país. Entretanto, a experiência do Brasil e de vários outros países mostra que o combustível fóssil não garante isso. Pelo contrário: a exploração pode arruinar ecossistemas e comunidades, como aponta em entrevista ao Mongabay o relator Especial da ONU sobre Substâncias Tóxicas e Direitos Humanos, Marcos Orellana.
“O passivo ambiental é responsável por uma tremenda injustiça ambiental na região [amazônica]. Com as petrolíferas, os Povos Indígenas têm sofrido graves impactos. As petrolíferas provocaram uma grave emergência planetária que põe em risco o gozo efetivo dos Direitos Humanos, o que afeta desproporcionalmente os Povos Indígenas. Isso é incompatível com a responsabilidade das empresas de respeitar os Direitos Humanos e com a responsabilidade dos Estados de garantir esses direitos.”
O prejuízo provocado pelas petroleiras não é apenas local. Em palestra no TED Countdown Summit, em Detroit, o ex-vice-presidente dos Estados Unidos e ativista climático de longa data, Al Gore, colocou a oposição dessas empresas ao uso de energia renovável como um dos principais obstáculos atuais para soluções climáticas. Ele citou petrolíferas como BP, ExxonMobil e Shell como exemplos negativos, por reverterem os compromissos feitos anteriormente de redução das emissões de gases do efeito estufa, de acordo com o Um só planeta.
Em tempo: A demanda global por petróleo atingirá um recorde histórico este ano, mas “persistentes ventos contrários macroeconômicos” mostram que não crescerá como esperado anteriormente, disse a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), em seu relatório mensal sobre o mercado de petróleo. A demanda deve aumentar 2,2 milhões de barris por dia em 2023, levando a uma média de 102,1 milhões de barris por dia. Mas a previsão é 220 mil barris por dia menor do que as expectativas anteriores – foi a primeira vez que a agência reduziu sua previsão de crescimento este ano, destaca o Guardian. A China responderá por 70% dos ganhos globais depois de reabrir sua economia no pós-pandemia. Reuters e CNBC também noticiaram a nova projeção da IEA.
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Juan Barreto / AFP