Luiza Gomes (Cooperação Social da Fiocruz) e Fábio Mallart (Radar Saúde Favela), na Agência Fiocruz
A Cooperação Social da Presidência da Fiocruz lança, nesta sexta-feira (4/8), por meio do projeto Radar Saúde Favela, o e-book Presenças indígenas em contextos urbanos: a pandemia de Covid-19 e outras histórias. O livro, que é fruto da rede de lideranças indígenas articulada pelo projeto, tem como objetivo ampliar a visibilidade e fomentar as discussões acerca da presença de povos indígenas nos centros urbanos. A publicação digital pode ser acessada gratuitamente.
O e-book conta com 16 artigos escritos por autores indígenas e pesquisadores oriundos do Amazonas, Brasília, Roraima, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo, além de uma entrevista realizada pelo sociólogo Fábio Araújo, organizador do livro e coordenador do projeto pela Cooperação Social da Fiocruz, com Carlos Doethyró Tukano, indígena do Alto Rio Negro, no Amazonas, e Presidente do Conselho Estadual de Direitos Indígenas do Rio de Janeiro (Cedind). De acordo com a equipe do projeto, um dos eixos temáticos transversais que orienta a publicação são as reflexões sobre o modo como a pandemia impactou as populações indígenas de forma específica.
Em seu artigo intitulado Povos indígenas no enfrentamento da Covid-19, Sofia Beatriz Machado de Mendonça, sanitarista e antropóloga coordenadora do Projeto Xingu, do Programa de Extensão da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), explora o fato de que, para os indígenas, a pandemia se somou a várias outras dificuldades já enfrentadas cotidianamente, tais como as invasões de terras, os garimpos e o desmatamento. Ao longo do texto, a autora evidencia o modo como os próprios povos indígenas protagonizaram a luta pela garantia de seus direitos e o enfrentamento da doença em nível nacional junto a seus pares.
Apesar de as análises sobre o contexto pandêmico serem um dos eixos estruturantes da obra, o livro traz reflexões sobre diferentes temas, tais como saúde e literatura indígenas, lutas pela demarcação de terras, mobilizações e organizações políticas indígenas, acesso à universidade, mulheres indígenas e suas lutas, entre outros.
José Carlos Mattos Pereira, sociólogo e pesquisador do Programa de Memória dos Movimentos Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), traz em seu texto análises sobre como os levantamentos censitários podem ser instrumentos de exercício de poder. Segundo ele, o apagamento da presença indígena na contagem da população, através dos censos, foi parte da estratégia do poder dominante que invisibilizou a importância dos povos indígenas na construção da história brasileira.
Os processos de invisibilização da identidade dos indígenas que vivem nas cidades e a suspensão de seus direitos sociais são dois outros pontos sensíveis debatidos no livro. Como enfatiza o antropólogo Gersem Baniwa, autor do artigo A presença indígena em contextos urbanos, a invisibilização por parte do Estado esteve e está ligada às ideias coloniais racistas de que o índio é “aquele que vive no mato, na floresta ou em áreas remotas, longe da ‘civilização’. “É muito comum a ideia de que o índio que fala a língua portuguesa, que usa celular, relógio, possui diploma universitário e dirige carro não é mais considerado indígena ou, pelo menos, não é mais considerado índio de ‘verdade’”, diz em um trecho.
Como forma de chamar atenção para as ameaças de extinção de muitas línguas indígenas no processo colonizatório (que perdura) mas também como homenagem ao patrimônio imaterial das culturas dos povos indígenas, o e-book traz ainda a tradução do texto de autoria de Angélica Nīnhpryg Domingos, cujo tema central é a universidade como território indígena, de português para kaingang (língua indígena brasileira ameaçada segundo a Unesco).
Radar Saúde Favela
O Radar Saúde Favela é um projeto de vigilância popular em saúde, coordenado pela Cooperação Social da Presidência da Fiocruz, que tem como um de seus principais produtos um informativo e um podcast de mesmo nome. Gestado no primeiro ano da pandemia de Covid-19 no Brasil, o projeto foi um dos produtos da Sala de Situação Covid-19 nas Favelas do Rio de Janeiro, vinculada ao Observatório Covid-19 Fiocruz. Estruturado com base no monitoramento ativo de fontes não oficiais, o antigo Radar Covid-19 Favela trouxe análises populares e científicas sobre a situação de saúde em territórios periféricos, visibilizando iniciativas populares de enfrentamento à pandemia no decorrer de suas 17 edições, publicadas entre agosto de 2020 e junho de 2022 – quando ocorre sua reformulação.
O material publicado resulta da formação de uma rede de interlocutores, valorizando a produção compartilhada de conhecimento, o acesso e a participação ativa de moradores de favelas e de seus movimentos sociais e o direito à comunicação pública. Lançado como uma revista digital, o Radar Saúde Favela está ancorado nos referenciais teórico, conceitual e metodológico de Promoção da Saúde, remete às diretrizes do Programa Institucional de Territórios Saudáveis e Sustentáveis da Fiocruz, bem como aos objetivos e metas do Projeto de Promoção de Territórios Saudáveis e Sustentáveis em Centros Urbanos da Coordenação de Cooperação Social. As opiniões refletidas nos textos assinados, no entanto, não necessariamente refletem a opinião da Fiocruz.