“Massacre do Abacaxis”: caso completa três anos e sociedade mobiliza debate em torno da falta de providências após indiciamento de acusados

Sob o tema “Haverá Justiça e Reparação? ”, evento reúne autoridades e representações da sociedade civil organizada, em busca de respostas para andamento do caso

POR STEFFANIE SCHMIDT, COLABORADORA DA ASCOM – CIMI REGIONAL NORTE I

A mobilização da sociedade civil pela apuração do caso que ficou conhecido como Massacre do Rio Abacaxis, trouxe para o debate público a cobrança sobre andamento do procedimento de denúncia dos envolvidos, ante à constatação do inquérito da Policia Federal (PF) da existência de provas e indícios do envolvimento de agentes públicos de segurança no crime.

O evento organizado pelo laboratório Dabukuri – Planejamento e Gestão do Território na Amazônia – espaço vinculado ao Departamento de Geografia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), iniciou nesta quarta-feira, 02.08, no auditório Rio Solimões, do Instituto de Filosofia, Ciências Humanas e Sociais (IFCHS), com a memória do caso e atualização sobre o andamento dos procedimentos investigatórios.

“A sucessão de acontecimentos que levou à execução de seis pessoas e deixou duas desaparecidas nas comunidades que vivem ao longo do rio Abacaxis e Mari-Mari”

A sucessão de acontecimentos que levou à execução de seis pessoas e deixou duas desaparecidas nas comunidades que vivem ao longo do rio Abacaxis e Mari-Mari, nos municípios de Nova Olinda do Norte e Borba (distante 135 km de Manaus), em agosto de 2020,  deixa clara a violação de direitos humanos cometida por agentes a serviço do Estado.

No último dia 28 de abril, o ex-secretário de Segurança Pública do Amazonas, coronel Louismar Bonates, e o coronel da Polícia Militar Airton Norte, foram indiciados pela Policia Federal. Ao todo, cerca de 130 policiais, entre civis e militares, suspeitos de participar das ações, são investigados. Até o momento, ninguém foi denunciado.

“A PF fez o indiciamento de duas pessoas, ou seja, existem provas e indícios para acusar. O MPF se encontra em demora para apresentar a acusação e houve troca de procurador do caso. Que se possa levar isso adiante”, afirmou Paulo Barausse, padre jesuíta e membro do coletivo que participou das escutas junto à comunidade, na época do massacre.

“A Policia Federal fez o indiciamento de duas pessoas, ou seja, existem provas e indícios para acusar”

Depois de três anos, o caso encontra-se na 2ª vara criminal da Justiça Federal à espera de denúncia. Na Procuradoria do 9ª ofício, responsável pela parte Criminal, Controle Externo da Atividade Policial, além de Custos Legis Tributário e Custos Legis Previdenciário, o caso está sem procurador responsável.

A falta de identificação e responsabilização dos envolvidos nos crimes tem sido um fator de influência na saúde coletiva vivenciada pelas comunidades.

O secretário nacional do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), Dione Torquato, membro do coletivo, lembrou que conflitos já aconteciam na região desde 2014 e que a situação era de conhecimento do Governo do Estado. Já havia, inclusive, denúncia no âmbito do MPF.

“Essas populações sempre estiveram em situação de vulnerabilidade pelo abandono”

“Essas populações sempre estiveram em situação de vulnerabilidade pelo abandono. Isso se torna ainda mais grave quando o violador é o Estado. Porque já tem os violadores naturais, as organizações criminosas, entre outros, mas, agora, o próprio Estado, que deveria proteger e assegurar os direitos, além da negligência, oprime”, afirmou.  Diante da situação, ele cobrou ainda a reivindicação feita pela coletivo de instalação de um polo base de segurança da PF na região, uma vez que a população teme as forças de segurança do Estado, pelo histórico do caso.

Uma série de torturas, ameaças e violações aos direitos humanos foram cometidas por policiais militares entre os meses de agosto e setembro de 2020, sob o pretexto de combate ao tráfico de drogas e à quadrilha que supostamente aterrorizava a comunidade.  No entanto, conforme relato da população e parentes das vítimas, a ação policial incluiu prisões ilegais, tortura, humilhações, ameaças, entre outras práticas que denotam a intenção de vingança pela proibição feita pelos comunitários ao o ex-secretário executivo do Fundo de Promoção Social do Governo do Amazonas, Saulo Moysés Rezende Costa de adentrar a Terra Indígena (TI) Kwatá Laranjal para a prática de pesca esportiva.

“Uma série de torturas, ameaças e violações aos direitos humanos foram cometidas por policiais militares entre os meses de agosto e setembro de 2020”

Ele esteve no local no dia 24 de julho de 2020, a bordo da embarcação Arafat e alega ter sido atingido por um disparo, fato que nunca foi comprovado. Dois dias depois, quatro policiais militares à paisana,  à bordo do mesmo, adentram o local, o que provocou confronto e dois policiais morreram, desencadeando a operação por parte do Governo do Amazonas.

“Utilizar a estrutura pública para atender interesses pessoais é uma prática que percebemos na Amazônia em geral, seja na omissão ou em ações efetivas. Aliado a esse contexto, temos órgãos públicos federais sucateados e sem estrutura para cumprir sua missão. O caso da morte de Bruno e Dom, no Vale do Javari, demonstrou isso. A Comissão Pastoral da Terra lançou o relatório que apontou o aumento de conflitos no campo e, tudo isso, em um contexto de Amazônia que tem  a maioria dos deputados a favor do garimpo. É um grande desafio somar forças para seguir denunciando”, afirmou o ex-deputado José Ricardo, que também participou da mesa de abertura. Na ocasião do mandato, integrou o trabalho de apuração do caso, no âmbito do coletivo.

“Utilizar a estrutura pública para atender interesses pessoais é uma prática que percebemos na Amazônia em geral, seja na omissão ou em ações efetivas”

Ciclo de debates

O ciclo de debates tem programação ampliada de mobilização e discussão entre a sociedade civil e representantes dos poderes executivo e judiciário em busca de justiça para o massacre ocorrido contra os povos que habitam os rios Abacaxis e Mari-Mari, nos municípios de Nova Olinda do Norte e Borba (distante 135 km de Manaus) em agosto de 2020.

O evento acontece na manhã dos dias 02, 03 e 04 de agosto no auditório Rio Solimões, da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), e marca os três anos de luta pela punição dos responsáveis pelo extermínio de seis pessoas, sendo dois indígenas do povo Munduruku e quatro ribeirinhos, além de dois desaparecidos e dezenas de pessoas torturadas durante operação policial deflagrada pela Secretaria de Segurança Pública do Amazonas em retaliação à morte de dois policiais militares.

“O ciclo de debates tem programação ampliada de mobilização e discussão entre a sociedade civil e representantes dos poderes executivo e judiciário”

A programação ocorrerá todos os dias das 9h às 12h, horário de Manaus. No dia 03.08, haverá o relato de representantes da comunidade sobre a luta empenhada nos últimos três anos. Está prevista, ainda, a participação da representante do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), a perita Ana Valeska Duarte.

O MNPCT faz parte do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, aprovado pela lei 12.847, em 2 de agosto de 2013, ligado ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MDH).

No encerramento, dia 04.08, a manhã será dedicada a representações do poder público e da Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH). O presidente da CNDH, André Carneiro Leão, confirmou presença. São esperadas ainda a presença de representantes da Fundação Nacional dos Povo Indígenas (Funai), do Ministério Público Federal e da Polícia Federal. 

Foto: Steffanie Schmidt, colaboradora da Ascom – Cimi Regional Norte I

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