Com estiagem histórica, enormes bancos de areia se formaram no rio, e indígenas sofrem com diarreia e vômito por consumirem a pouca água que resta.
O trecho do rio Solimões que banha a Terra Indígena Porto Praia de Baixo, na região de Tefé, no Amazonas, virou um deserto. O curso d’água caudaloso que ditava o ritmo da comunidade deu lugar a enormes bancos de areia a perder de vista. Kokamas, Tikunas e Mayorunas cruzam esses bancos de areia de margem a margem, de ponta a ponta do território. Por isso, são unânimes em apontar esta seca como a pior que já viveram, superando a estiagem de 2010.
A Folha esteve na TI em 23 de agosto de 2022. Era o início do período de estiagem, que foi severa no ano passado, mas havia um rio no lugar. Bancos de areia só se formaram em outubro. Agora o cenário é outro. O rio secou em setembro, e os níveis de água diminuem a cada dia, sem previsão de fim. Um poço artesiano garante o líquido para consumo das pessoas.
“É tudo muito triste. Não tem como sair para pescar, ou levar nossos produtos para vender na cidade”, afirma o cacique Amilton Braz da Silva Kokama. As mais de 100 famílias da TI produzem principalmente farinha e banana. Os indígenas improvisam pequenas dragagens, tentando abrir caminho para a água e para os barcos. Funciona muito pouco. A cada dia, há menos água.
Na aldeia Nova Esperança do Arauiri, da Terra Indígena Boará/Boarazinho, o igarapé Paranã do Arauiri virou um estreito curso d’água, com água parada, aquecida, enlameada e fétida. As embarcações não alcançam mais o Solimões. Para chegar à aldeia é preciso percorrer 2 km por uma trilha improvisada.
Nova Esperança vive um crônico problema de falta d’água. Até um mês atrás, a comunidade não tinha alternativa senão usar a água barrenta do igarapé. O resultado foi uma “pandemia” – palavra usada pelo cacique Cláudio Cavalcante – de diarreia, vômito, febre e dor de estômago, especialmente entre as crianças.
A instalação de placas solares no mês passado permitiu o bombeamento de água de um lago próximo, mas a qualidade segue ruim. Segundo o cacique, não houve capacitação para que as famílias pudessem tratar e filtrar a água. Por isso, os problemas de saúde decorrentes do consumo dessa água prosseguem.
Em alguns locais, ribeirinhos cavam o chão rachado em busca de água, relata O Globo. É o que acontece no Lago do Puraquequara, na zona rural de Manaus. Agora sem acesso à água encanada, a comunidade improvisou e começou a cavar o solo rachado em busca de nascentes. O aposentado Raimundo Silva do Carmo, de 67 anos, pagou R$ 250 para um conhecido abrir seu poço. Ali lava roupa, louça, toma banho e retira a água para beber.
Além de afetar o abastecimento de água das comunidades, a seca extrema também vem matando animais. Há alguns dias, mais de 140 botos morreram num lago próximo a Tefé. Para evitar nova mortandade, cientistas tiraram os botos do local, onde a água superaqueceu e bateu quase 40°C, informa a Folha.
Uma esperança surgiu no fim de semana, quando a nascente do Solimões em Iquitos, no Peru, voltou a registrar subida no nível das águas, segundo A Crítica. O rio alcançou a cota de 76,77 metros, 11 cm a mais que no dia anterior, mostram dados da Praticagem dos Rios Ocidentais da Amazônia (PROA). Entretanto, em Tabatinga, o primeiro município amazonense banhado pelo Solimões, a água, que chegou a subir em 11 de outubro, já voltou a cair.
“O fenômeno de subida e descida do nível do rio está relacionado a chuvas pontuais naquela região, mas não necessariamente indica o encerramento da estiagem”, explicou o geógrafo e doutor em Clima e Ambiente do INPA, Rogério Marinho.
Valor, BNC Amazonas e MSN repercutiram a matéria da Folha sobre as Terras Indígenas afetadas pela seca extrema do Rio Solimões.
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Lalo de Almeida – Folhapress