A Seca na Amazônia: ação humana, devastação, fenômenos naturais e crise climática

Por Carlos Alberto Cardoso, assessor da CPT Roraima e professor de sociologia da UFRR

A Amazônia, reconhecida por sua biodiversidade e seu papel crucial no equilíbrio climático global, enfrenta atualmente um dos desafios mais prementes de sua história: a seca. Esse fenômeno, agravado pelos efeitos da crise climática que já vivenciamos, tem repercussões sérias para a região, afetando ecossistemas, a sociedade local, em especial moradores das periferias das grandes cidades, ribeirinhos, agricultores familiares e comunidades indígenas, além da geração de energia nas nas controversas Usinas Hidrelétricas (UHEs).

É verdade que o cenário de seca não é novidade para a região, pois em 2005 e 2010 a Amazônia já enfrentou secas severas, com redução dos leitos de rios importantes, lagos e igarapés, resultando na mortandade de peixes e botos devido ao aquecimento das águas e à redução de oxigênio. Além disso, houve desabastecimento de água em várias comunidades. No entanto, este ano, essas manifestações têm sido mais intensas, alertando para a necessidade de atenção diante da gigantesca interferência humana na região, incluindo desmatamento, queimadas, construção de rodovias, mineração, agronegócio e hidronegócio, juntamente com fenômenos naturais como o El Niño. Esses elementos demandam uma resposta mais efetiva da sociedade, das prefeituras, dos estados e da União, especialmente quando existem alertas prévios para esses eventos climáticos extremos.

A seca na Amazônia é resultado de uma interação complexa de fatores, com a crise climática desempenhando um papel central. O aumento global da temperatura contribui para a diminuição das chuvas e o aumento da evaporação, impactando diretamente a disponibilidade hídrica na região. Adicionalmente, o desmatamento ilegal e as queimadas criminosas agravam a situação, comprometendo ainda mais todo o sistema.

Os impactos da seca abrangem uma gama ampla e diversificada de ecossistemas, tanto aquáticos quanto terrestres. A redução dos rios, lagos e igarapés coloca em perigo a sobrevivência de várias espécies animais e vegetais. As comunidades locais, que dependem diretamente desses recursos hídricos, enfrentam escassez de água para consumo, dificuldade para produção agrícola e pesca, impactando diretamente em sua segurança alimentar e nutricional e na qualidade de vida. Em um local reconhecido mundialmente como o paraíso das águas, nos deparamos hoje com um cenário de escassez de água, barcos encalhados em rios outrora caudalosos, mesmo em períodos mais secos, fauna e flora sofrendo, e comunidades lidando com a falta de água.

No caso específico do Brasil, ao menos nos últimos 60 anos, ocorreu uma ocupação mais intensa desse vasto território, com processos migratórios e políticas estatais de deslocamento humano para a região, essas ações foram seguidas por um conjunto de obras de infraestrutura, investimentos e apoio para mineração, rodovias, agronegócio e hidrelétricas, sem considerar quais os reais impactos sociais e ambientais que esses grandes projetos proporcionariam para a Amazônia.

No caso específico das usinas hidrelétricas, que são uma das principais fontes de energia do Brasil e da Amazônia, representando uma parcela significativa da matriz energética do país, a implementação desses projetos na região é extremamente controvertida, especialmente por seus impactos ambientais e sociais associados.

As UHEs modificam drasticamente os ecossistemas fluviais, inundando vastas áreas de floresta e resultando na perda de habitats naturais e biodiversidade. Além disso, a variação do fluxo dos rios afeta a dispersão de nutrientes e sedimentos, interferindo nos ciclos naturais dos ecossistemas.

A construção das UHEs frequentemente leva à remoção forçada de comunidades locais, resultando em deslocamento, perda de terras e desestruturação social e familiar. Essas comunidades muitas vezes dependem dos recursos naturais que são impactados pelas barragens, agravando sua vulnerabilidade e levando a conflitos e desigualdades socioeconômicas.

A seca acentuada na Amazônia agrava os desafios relacionados às Usinas Hidrelétricas. A diminuição do volume de água nos rios reduz a capacidade de produção de energia, comprometendo o fornecimento e aumentando os custos de operação. Usinas que foram construídas recentemente e tiveram seus projetos altamente questionados, como Belo Monte, Jirau e Santo Antônio, estão com níveis muito baixos de geração de energia ou tiveram suspensão temporária de suas atividades, no caso desta última, conforme noticiou o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).

Apesar da complexidade da situação, os investimentos e estudos para a implementação de novas hidrelétricas persistem. Em Roraima, que também enfrenta uma das piores secas de sua história, com o auge previsto para os meses de dezembro e janeiro, estão em fase de conclusão os estudos de impacto ambiental (EIA/RIMA) e o Estudo de Componente Indígena (ECI) para a construção da Usina Hidrelétrica do Bem Querer. É importante destacar que, embora seja uma usina planejada no sistema fio d’água, ainda resultará na inundação de uma vasta área de aproximadamente 500 km². Este projeto levanta preocupações quanto à transparência e desconsidera diversos impactos sociais e ambientais para o estado e seu principal curso hídrico, o rio Branco, além das implicações para o Parque Nacional de Anavilhanas no Amazonas.

A seca na Amazônia é agravada por uma interseção de fatores, incluindo o fenômeno climático El Niño, que desloca padrões atmosféricos e oceânicos, intensificando a estiagem na região. Além disso, desmatamento e queimadas desempenham um papel crucial, liberando dióxido de carbono na atmosfera e destruindo vastas áreas de floresta, comprometendo o ciclo hidrológico e a umidade do ar. O avanço do agronegócio, muitas vezes associado ao desmatamento, também contribui para a seca, reduzindo a cobertura vegetal e aumentando a impermeabilização do solo.

O avanço de setores do agronegócio na  Amazônia, frequentemente desencadeando  desmatamento, representa um desafio significativo. Práticas inadequadas de manejo de recursos hídricos e irrigação exacerbam a escassez de água. Além disso, o descaso com o meio ambiente na região, seja pela falta de fiscalização eficaz ou pela flexibilização das leis ambientais, amplia os problemas relacionados à seca.

A seca na Amazônia brasileira é uma crise complexa, influenciada por uma série de fatores interligados. Enfrentar essa crise requer ações abrangentes que envolvam políticas ecológicas, educação ambiental, fiscalização rigorosa e esforços globais para combater a crise climática que já vivenciamos. A vida na Amazônia está intrinsecamente ligada ao futuro não apenas do Brasil, mas do planeta como um todo. É crucial encontrar soluções equilibradas que considerem a necessidade de energia, a preservação ambiental e o bem-estar das comunidades locais, pois não é possível debater a preservação da Amazônia sem discutir a justiça social.

Verifica-se que diante dessa mega seca e de toda a problemática ambiental e social, o Estado brasileiro ainda não deu a devida importância para os impactos dos grandes projetos infraestruturais para a Amazônia. Cientistas, ambientalistas, movimentos sociais e as organizações indígenas vêm alertando para os problemas, no entanto, ainda são vozes desconsideradas diante da voracidade do capital.

Urgente se torna a implementação de uma nova dinâmica que promova uma perspectiva de gestão mais abrangente, incorporando valores sociais, culturais e ecológicos. É crucial que questionemos de maneira efetiva o discurso do desenvolvimento sustentável, muitas vezes disfarçado como estratégia de marketing das grandes corporações, especialmente aquelas que mais impactam negativamente o meio ambiente na Amazônia.

Foto: Daniel Beltrá/Greenpeace

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