Mapa de Conflitos atualiza: oito anos depois, Samarco, Vale e BHP continuam postergando soluções para o crime na bacia do Rio Doce

Desde 2015, o Mapa de Conflito da Fiocruz acompanha as comunidades da Bacia do Rio Doce, de Mariana ao litoral do Espírito Santo, em busca do respeito aos seus direitos, a começar pela normalização de suas vidas. A lama da mineração cobriu tudo em seu caminho: vidas, roças, criações, casas, escolas, igrejas, culturas. Matou o rio Doce, o Watu dos Krenak, e, em alguns casos, até mesmo esperanças.

Não faltaram simulacros de soluções, a começar pela Fundação Renova, e decisões judiciais ‘inusitadas’, na rasteira das lamas. Mas a luta das comunidades, rurais e urbanas, e dos povos indígenas continua. Como afirmou em carta o Conselho Territorial de Caciques Tupinikim e Guarani das Terras Indígenas Tupinikim e Comboios, “direito não se negocia, nem se discute: se respeita e aplica!”

Abaixo, a Síntese que abre a pesquisa “Atingidos pelo desastre ambiental de Mariana lutam por reassentamento e garantia de reparação justa dos danos morais, materiais e imateriais que sofreram“. O link direito para o conflito está aqui. (Tania Pacheco).

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Síntese

“Em 05 de novembro de 2015, no município de Mariana (MG), ocorreu o rompimento da barragem de Fundão, da mineradora Samarco Mineração S.A, controlada pelas empresas Vale e BHP, despejando na bacia do rio Doce mais de 50 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro (água, areia, ferro, resíduos de alumínio, manganês, cromo e mercúrio).

De acordo com o Ministério Público Federal (MPF, 2015) e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG, 2020), nas primeiras comunidades atingidas pela tragédia, Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, tudo foi destruído pela lama: casas, equipamentos públicos, laços de parentesco e vizinhança; parentes, amigos e vizinhos foram atingidos e 19 pessoas faleceram por conta do desastre. O município de Barra Longa, situado a 60 km do empreendimento, também foi imediatamente afetado.

A lama, ao percorrer o rio Doce, chegou ao Oceano Atlântico em 21 de novembro, atingindo diversos municípios dos estados de Minas Gerais e do Espírito Santo. De acordo com diversas reportagens, como do Brasil de Fato, G1, Folha de São Paulo (2015), em Minas Gerais a tragédia impactou a Terra Indígena Krenak, em Resplendor, e afetou o abastecimento de água do município de Governador Valadares, além de ter inviabilizado o trabalho dos pescadores artesanais ao longo da bacia do rio. Já no Espírito Santo, a lama afetou municípios fundamentais para a pesca e as atividades de turismo, como Aracruz e Linhares.

Após o desastre, ocorreram diversos arranjos institucionais, empresariais e de organizações populares para assegurar os direitos dos atingidos. O Ministério Público Estadual dos dois estados (MPMG e MPES) e o Ministério Público Federal (MPF) informavam que, em relação à pesca, esta tendia a se concentrar em municípios próximos à calha do rio principal e, portanto, com maior probabilidade de haver sido impactada pelo desastre.

Os municípios com maior número de pessoas ocupadas na atividade foram Aracruz (266 pessoas), Linhares (352) e São Mateus (448). Por isso, moveram ações civis públicas (ACPs) e intermediaram termos de ajustamento de conduta (TACs). Houve atuação conjunta das defensorias públicas da União (DPU), dos estados de Minas Gerais (DPMG) e do Espírito Santo (DPES).

Em março de 2016 a Samarco Mineração informou ter criado uma fundação, a Renova, em 2 de março daquele ano, para identificar, mitigar e compensar os efeitos do desastre, inclusive em assuntos que envolvessem a temática da reparação. A entidade privada e sem fins lucrativos foi criada por um Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta (TTAC) assinado pela Samarco e suas controladoras, Vale e BHP Billiton, com os governos federal e dos estados de Minas Gerais e do Espírito Santo, além de uma série de autarquias, fundações e institutos, como a Agência Nacional de Águas (ANA), Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Agência Estadual de Recursos Hídricos do Espírito Santo (AGERH/ES), Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo (Idaf/ES), Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Espírito Santo (Iema/ES), Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Espírito Santo (Seama/ES), Fundação Estadual de Meio Ambiente de Minas Gerais (Feam/MG), Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais (IEF/MG), Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), e Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad/MG).

É importante destacar, entretanto, como denunciaram os atingidos por meio do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB) e a Cáritas Brasileira, que a Fundação tem um alinhamento com os princípios de atuação da Samarco, pois o Conselho Curador da instituição é composto em sua maioria por membros indicados pelas mineradoras: dos sete conselheiros, seis foram indicados por elas.

Os atingidos pelo desastre têm se organizado em várias instâncias, tanto em comissões e fóruns quanto em movimentos sociais, como o Movimento Soberania Popular na Mineração (MAM). No município de Mariana, as comissões dos atingidos, o MAB e a Cáritas Brasileira (assessoria técnica dos atingidos) têm atuado principalmente na luta pelo reassentamento e pela garantia de reparação justa dos danos morais, materiais e imateriais.

Ao longo da bacia do rio Doce no estado de Minas Gerais, a organização popular ocorre pontualmente, como na terra indígena Krenak e nos municípios de Barra Longa e Governador Valadares. Já no Espírito Santo, tanto o MAB quanto os fóruns e os pescadores estão organizados para exigir o reconhecimento das comunidades da foz Norte e Sul do rio Doce como atingidas.

A pandemia do novo Coronavírus, Sars-CoV-2, agravou a insegurança dos atingidos. A cidade de Mariana figurou dentre as mais afetadas no estado de Minas Gerais, pelo fato de situar-se na posição de cidade com alta incidência de mineração, de acordo com o relatório “Direitos Humanos e Mineração: Testemunho da Insustentabilidade [2021]”, produzido pelo MAM, Coletivo Margarida Alves e Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale.

No dia 6 de novembro de 2020, um dia após completar cinco anos do evento, atingidos e movimentos sociais publicaram carta sobre as necessidades reparatórias, que tangem a restituição, a compensação, a reabilitação, a indenização, a não repetição e a satisfação dos atingidos. Em cada um dos pontos, ficou evidente o descumprimento da Fundação Renova em muitos acordos.

Os atingidos esperavam da Fundação, segundo relatos em janeiro de 2021 para o G1, o comprometimento da entrega do “Novo Bento Rodrigues”, um reassentamento que até então tinha cinco casas construídas das 235 previstas.

Além do mais, de acordo com o MPF, os atingidos denunciam ameaças por parte de advogados, ligados à Renova, para aderirem a um sistema indenizatório (Novel) elaborado pela própria Fundação com a chancela do juízo da 12ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais. Esta, por sua vez, tem sido alvo de denúncias e questionamentos por parte do Ministério Público Federal pela conduta nos processos de reparação dos danos de modo a favorecer a Fundação e as empresas (Vale/Samarco/BHP).

Para os povos indígenas, as pressões por negociações do processo de reparação culminaram, em 17 de setembro de 2023, de acordo com Fernanda Couzemenco para o Século Diário, em uma ocupação dos trilhos da ferrovia da Vale que atravessa os territórios indígenas Tupinikim e Guarani, no Espírito Santo. Eles reafirmaram que a condição para suspensão da mobilização era a retomada dos entendimentos para revisar o acordo de reparação e compensação dos danos sofridos. No entanto, as negociações foram infrutíferas. Isto ficou claro após reunião com a Vale e Samarco, que se mantinham irredutíveis em relação ao atendimento às demandas indígenas.”

Foto de Daniela Fichino, Justiça Global

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