Regularização do território do Kalunga, o maior quilombo do Brasil, avança em Goiás

Representantes comemoram conquista e cobram governo de Goiás por mais titulações

Valmir Araújo, Brasil de Fato

As ações de regularização do Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga, no Distrito Federal (DF), foram retomadas com um ato de imissão da posse de uma área quilombola na última segunda-feira (29) pela Superintendência Regional no DF e Entorno do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Considerado o maior quilombo do Brasil, o Kalunga (situado nos municípios goianos de Cavalcante, Teresina e Monte Alegre), após conviver com avanço do agronegócio e da mineração, conquista uma importante vitória: as terras da antiga fazenda Nova Aurora, que vão abrigar entre 30 e 40 famílias.

“É um momento de muita alegria, de muita felicidade, porque é um processo de muitos anos. Foi muita gente, muita peleja dos nossos ancestrais, com muitas histórias, sofrimentos, desafios e humilhações”, afirmou o presidente da Associação Quilombo Kalunga, Carlos Pereira.

O líder comunitário lembra que o território atualmente devolvido à comunidade, situado no município de Cavalcante, já era Kalunga. “É uma reparação”, acrescentou.

De acordo com o presidente da Associação Kalunga, a regularização é o primeiro passo para a luta por direitos. Cerca de 350 famílias do quilombo aguardam pelo reconhecimento de suas terras.

“Esse passo nos fortalece como comunidade e também o meio ambiente, pois enquanto o estado de Goiás tem apenas 20% do Cerrado preservado, no Kalunga temos 80% de preservação”, informou Pereira.

O passo é importante, mas é preciso ampliar o trabalho de regularização desse território, defende a advogada Vercilene Francisco Dias, coordenadora jurídica da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq).

“Para a gente é significativo, porque é um território que vai beneficiar as famílias, mas vem depois de muitos e muitos anos, sem nem titulação ou sem transferência de título nenhuma dentro do território” lembrou a advogada, que também é Kalunga, destacando: “acho que o governo precisa se esforçar mais”.

Uma das críticas da representante da Conaq, bem como do presidente da Associação é a omissão do governo do Goiás em todo esse processo, uma vez que parte das competências seriam do Executivo estadual.

“O estado de Goiás paralisou completamente a regularização dos territórios quilombolas, ou seja, parte do território Kalunga que ainda está sem regularizar são terras devolutas do estado de Goiás, mas o estado não regulariza”, explicou Dias.

Governo de Goiás

Em nota, o governo de Goiás informou que vem seguindo os trâmites legais para avançar com a titulação de terras devolutas. “Em julho de 2018, firmou, com a Associação Quilombola Kalunga, escritura pública de cessão a título gratuito e transferência de direitos de posse de três áreas: Gleba Moleque, Gleba Vão das Almas e Fazenda Serra da Contenda”, destacou o governo.

“Foi iniciada a elaboração de anteprojeto para a alteração da Lei Complementar estadual nº 19/1996, de modo que seja realizada a devida identificação das terras”, acrescentou a nota, destacando ainda que para a “correta titulação, é necessária a realização de trabalhos de agrimensura com elaboração de peças técnicas”.

Ainda segundo o governo, este trabalho encontra-se, atualmente, na dependência da conclusão de ação articulada do Estado com a Fundação Cultural Palmares e o Incra.

Por fim, a nota do governo de Goiás informou que após ser formulada a proposta será encaminhada à Assembleia Legislativa do Estado de Goiás. No entanto, o governo de Goiás não apresentou prazos.

Incra

O diretor de Governança Fundiária do Incra, João Pedro Gonçalves, avaliou como positiva a regularização do território que foi entregue a comunidade Kalunga, mas reconheceu que é preciso avançar mais.

“O Estado brasileiro tem uma dívida ancestral com a regularização territorial dos remanescentes de quilombos. É preciso avançar na execução da política, que assegure seus direitos”, disse Gonçalves.

Já a superintendente do Incra DF e Entorno, Claudia Farinha, destacou que a presença do Incra no processo “é fundamental, pois o órgão desempenha um papel de extrema importância na regularização fundiária e no reconhecimento dos territórios quilombolas, oferecendo suporte técnico e jurídico para assegurar que essas comunidades tenham acesso pleno aos seus direitos territoriais”.

De acordo com o Incra, o reconhecimento e a garantia dos direitos territoriais dos quilombolas estão previstos na Constituição Federal, no artigo 68, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Nesse artigo fica estabelecido que: “aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.”

Edição: Márcia Silva

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