MPF recomenda consulta à comunidade quilombola antes de emissão de alvarás para construção de condomínio em Santa Luzia (MG)

Região onde construtora pretende lançar residencial abriga o “Cemitério dos Escravizados”, espaço integrante do acervo material e cultural da Comunidade Quilombola de Pinhões

Ministério Público Federal em Minas Gerais

O Ministério Público Federal (MPF) recomendou ao Município de Santa Luzia (MG) que adote as devidas medidas administrativas antes de emitir licenças, autorizações ou anuências para a construção do condomínio residencial Giardini Draphia Sahva Eco Residence. As já emitidas também devem ser revisadas. Segundo o MPF, a obra pode afetar interesses, bens e direitos de comunidades tradicionais de Santa Luzia, especialmente os da Comunidade Quilombola de Pinhões.

O empreendimento está a aproximadamente 3 km da sede da localidade, em uma região que abriga o chamado “Cemitério dos Escravizados”, considerado parte integrante do acervo material e cultural da comunidade. Em novembro de 2021, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e Habitação de Santa Luzia chegou a conceder licença urbanística à incorporadora sem ouvir as comunidades que serão diretamente afetadas pela construção.

Para o MPF, é possível que a obra, “traga reflexos diretos e irreversíveis ao patrimônio histórico, cultural, étnico e arqueológico da região, além de impactar os territórios de comunidades ali existentes, como a Comunidade Quilombola de Pinhões, afetando a maneira como vivem e se organizam”, frisa trecho da recomendação assinada pelo procurador da República Helder Magno da Silva.

O Relatório de Impacto ao Patrimônio Cultural da Secretaria Municipal de Cultura elencou os “impactos negativos” da instalação do empreendimento na região, tais como: alteração do modo de vida e formas de apropriação do uso da terra; conflitos de convivência entre a população local e imigrantes e comprometimento das condições de acessibilidade da zona rural.

Direito à consulta – Nesses casos, a comunidade a ser afetada tem direito à escuta prévia, livre e informada acerca dos impactos de qualquer medida a ser tomada que possa influenciar o seu modo de vida. O que assegura a escuta da comunidade é a Convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho. Promulgada no Brasil por meio de decreto, ela prevê a necessidade de consulta aos povos interessados, mediante procedimentos apropriados e meios adequados de livre participação, nos casos de medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente.

A mesma convenção prevê, ainda, que os governos deverão respeitar a importância especial que, para as culturas e valores espirituais dos povos e comunidades tradicionais, possui a sua relação com as terras ou territórios que eles ocupam ou utilizam de alguma maneira e, particularmente, os aspectos coletivos dessa relação. O caso do empreendimento imobiliário em Santa Luzia se enquadra nesse contexto.

Rebatendo argumentos de que a convenção não se aplica à comunidade, o MPF ressalta  que a “norma superior às normas ordinárias do Estado Brasileiro e sua natureza de direitos humanos confere-lhe conteúdo material de natureza constitucional”.

Na recomendação o MPF cita, ainda, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. O instrumento garante que, “toda pessoa terá direito a liberdade de pensamento, de consciência e de religião” e, que esse direito implicará a liberdade de ter ou adotar uma religião ou uma crença de sua escolha e a liberdade de professar sua religião ou crença, individual ou coletivamente, tanto pública como privadamente, por meio do culto, da celebração de ritos, de práticas e do ensino.

A recomendação foi encaminhada à prefeitura da cidade e à Secretaria Municipal de Cultura.

Íntegra da recomendação 

Arte: Secom/PGR

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