Interesses econômicos, evidências científicas e até comunidades religiosas se unem contra o fraturamento hidráulico
Alex Mirkhan, Brasil de Fato
Considerada a técnica de exploração de gás natural e petróleo mais nociva que existe, o fraturamento hidráulico, ou fracking, felizmente ainda não é realizado no subsolo brasileiro. Enquanto a proibição não é garantida no país todo por uma legislação federal, Mato Grosso está muito perto de ser o terceiro estado a vetar oficialmente essa modalidade de exploração não convencional e outras que possam poluir o lençol freático.
Aprovada pela Assembleia Legislativa mato-grossense no dia 12 de junho, a proibição aguarda apenas sanção do governador Mauro Mendes (União Brasil). Algo semelhante ao que poderá ocorrer na Bahia, se os deputados estaduais baianos também avançaram na legislação anti-fracking apresentada por Robinson Almeida (PT) no início de junho.
Assim, ambos os estados se somariam a Paraná e Santa Catarina, que já possuem decisões sancionadas contra o método. Ambientalistas ouvidos pelo Brasil de Fato comemoram os sucessos regionais, que ocorrem graças às mobilizações puxadas pela Coalizão Não Fracking Brasil e organizações anti-combustíveis fósseis, mas também pela adesão de políticos de diferentes correntes, assim como setores da economia e entidades civis e religiosas.
“No estado do Mato Grosso, as articulações mais fortes vêm sendo feitas com o agronegócio, que tem esse interesse, principalmente pela questão da contaminação, das fontes hídricas, possível contaminação dos alimentos”, aponta Ilan Zugman, diretor para América Latina da ONG internacional 350.org. Ele reconhece o peso desse tipo de apoio, mas diz que sua entidade prefere não manter vínculos diretos com o agro, “apenas atuar com as comunidades afetadas, por ser o setor que mais contribui com as emissões de gases de efeito estufa no Brasil”.
Para Juliano Araújo, diretor do Instituto Arayara e membro da Coalizão Não Fracking Brasil, o setor produtivo e o próprio governador Mauro Mendes sabem que é necessário cumprir os requisitos básicos para manter o potencial exportador, além de tentar ganhar benefícios e créditos aos estados. “Os países europeus, vários deles, e os países asiáticos proibem importações de proteína animal e proteína vegetal em áreas onde há exploração do fraturamento hidráulico versus produção de alimentos”, afirma.
O deputado federal Jorge Solla (PT-BA) conta ao BdF, que no caso da Bahia, assim como ocorreu no Paraná, as áreas com maior potencial de exploração estão em cima de um grande aquífero. Ele menciona, em especial, o município de Alagoinhas, no agreste do estado, principal polo industrial de produção de cerveja, refrigerantes, sucos e água mineral, vista a notória qualidade do seu aquífero.
“Você permitir a exploração do gás xisto já é um risco em qualquer local. Neste local, o risco é ainda maior, porque você pode contaminar essas reservas de água de qualidade, comprometer a saúde da população, a economia, empregos, então é algo que une políticos de toda classe”, descreve o político baiano.
No nordeste, já há mobilizações para levar a pauta anti-fracking para outros estados visados, especialmente o Maranhão e o Piauí. “No Maranhão, 70 % de toda a área exploratória para fracking está em cima de territórios indígenas quilombolas e áreas extremamente sensíveis, o que inclui indígenas isolados”, aponta Araújo.
Afinal, o que é fracking?
Muito difundido nos Estados Unidos e presente em vários países da Europa, na Venezuela, México e Argentina, o fraturamento hidráulico recebe esse nome devido à técnica de provocar a ruptura das rochas subterrâneas para extrair os chamados combustíveis não convencionais. Um deles é o gás ou óleo de xisto (shale), cujas reservas geralmente se encontram a profundidades superiores às de gás natural e petróleo, ditos combustíveis convencionais.
Em reservas previamente mapeadas, o solo é perfurado e canos são instalados primeiro na vertical e, depois, na horizontal. Então, passam a despejar um volume monumental de água, misturado com mais de 600 elementos químicos e um tipo de areia super-fina, conforme descreve Zugman.
“Todos esses químicos, em alta pressão, com água, com areia, causam fraturas no subsolo, e por essas fraturas do fracking, o gás pode ser captado e puxado de volta para a superfície. Só que ao puxar o gás também voltam os químicos, também volta a água e todos esses produtos se espalham pela região. Os fluidos do fracking não são tratáveis e muitas vezes ficam armazenados em piscinas, sujeitos à evacuação e à contaminação do solo. Por isso, o fracking é considerado uma das técnicas mais devastadoras e consome tanta água”, continua.
“Só para você ter uma noção, quando a gente pega um copo de glifosato e um copo do flowback, que é o líquido de retorno da exploração do fracking, esse mesmo copo do flowback é 124 vezes mais danoso do que a mesma quantidade de agrotóxicos”, acusa Araújo, que menciona a depreciação do valor da terra. “Você tem a redução da produtividade no campo, ou seja, você passa a gerar infertilidade na produção. E isso atinge do pequeno agricultor aos grandes”.
Ao longo de mais de 10 anos de ativismo, Araújo diz ter colhido evidências sobre os riscos à vida humana, especialmente, avalizados pela comunidade científica. “São mais de mil estudos, dentre eles a Universidade Cornell, Oxford, a Universidade Johns Hopkins, que comprovam que o nascimento, a geração de nascituros com deformidades, com mutagênese em relação à sua reprodução é um fato. E a outra perda também, por exemplo, de capacidade cognitiva e intelectual”, exemplifica.
As evidências devastadoras em locais onde o fracking é praticado, como a região de Vaca Muerta, na Argentina, demonstram como a modalidade, além de devastar, contribui para que os índices de desenvolvimento humanos sejam baixíssimos. “É o canto da sereia do setor de petróleo que vende a ideia de que todo mundo vai enriquecer e se beneficiar com o desenvolvimento. São 15 anos de exploração de fracking na Argentina e o que nós temos hoje na província de Neuquén? Uma região quebrada e falida, sem infraestrutura de hospitais, escolas, saneamento básico e renda para as populações, e os argentinos ainda tiveram que bancar essa empreitada”, aborda o ambientalista.
Falta um “basta” nacional
Enquanto estados e municípios criam barreiras legais, o Congresso Nacional ainda engatinha em uma legislação específica contra o fracking. Um projeto de lei com essa finalidade foi apresentado em 2019 e ainda aguarda parecer da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.
Se a forte bancada do agronegócio pode ser uma aliada nessa luta especificamente, o próprio governo federal também “precisa parar de ser dúbio”, conforme aponta Ilan Zugman. A despeito de todo discurso e acenos em favor da transição energética, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, já chegou a aludir à possibilidade de incentivar estudos sobre o método. Seu ministério inclusive mantém aberto um edital, lançado no fim do governo Bolsonaro, que tenta viabilizar testes de facking e duramente criticado por ativistas.
Segundo ele, o edital do Poço Transparente ainda não avançou muito, mas já demonstra o interesse pelo fracking pela Eneva, principal empresa que opera com gás natural no país, cuja maior fatia de mercado pertence ao banco BTG Pactual. “O Maranhão e o Amazonas são os estados onde a Eneva tem muitas operações e a própria empresa já falou que gostaria de testar o fracking. A consulta pública para o edital ficou aberta por algum tempo e, se olhar as contribuições, a Eneva foi uma das empresas que mais contribuiu, tentando deixar ainda mais flexível e com menos restrições de teste”, acusa.
Zugman acredita que os estudos ainda não avançaram em decorrência da “pressão da sociedade civil e também aos impactos, que já são muito claros, onde o fracking foi realizado”. Também pesa o fato de o Brasil caminhar em direção oposta em outras frentes no tema energético, buscando se colocar como um potencial líder em inovação e uma referência mundial em transição energética.
Para Araújo, o país possui reservas suficientes de gás convencional e do pré-sal, operadas com técnicas relativamente menos nocivas, antes de cogitar métodos mais extremos. E, ainda assim, já seria o momento certo para buscar eficiência em fontes alternativas de energia limpa, como o biometano, o hidrogênio verde e as energias eólica e solar.
“O Brasil não pode ser bipolar nas suas posições, tampouco o governo Lula. Não pode uma hora dizer que está protegendo a Amazônia, reduzindo o desmatamento e queimadas, mas querendo que explore petróleo e gás na bacia amazônica”, protesta. Ele relembra que o governo manteve leilão no ano que ofereceu à iniciativa privada a possibilidade de adquirir blocos em territórios indígenas, quilombolas e unidades de conservação. “Então, o país não está priorizando os seus compromissos políticos internacionais”.
Para Zugman, está na hora de fazer escolhas claras porque, no momento, o país está estimulando todas as fontes de energia, o que inclui renováveis e fósseis. “Precisamos definir se realmente vamos seguir o que foi decidido na última COP, que é iniciar a transição para deixar os combustíveis fósseis. Mas, para isso, a gente precisa de uma linha do tempo, de prazo e de um plano concreto que, hoje, o Brasil ainda não tem”, encerra.
Edição: Nathallia Fonseca