Luis Ventura, do Cimi, comenta dados do relatório sobre violações em territórios originários, divulgado nesta semana
Kaique Santos, Brasil de Fato
Os novos dados do relatório sobre violência contra os povos indígenas, divulgado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), na última segunda-feira (22), revelam que as ações do governo para proteção e assistência às comunidades foram insuficientes no ano passado.
Segundo o Cimi, foram contabilizados mais de 1,2 mil casos de violações patrimoniais cometidos no Brasil contra essa população em 2023.
“O relatório traz uma série de dados extremamente preocupantes. Quando falamos de violência contra patrimônio, estamos falando de violência contra os territórios indígenas”, explica Luis Ventura, secretário-executivo do Cimi, que conversou com o jornal Central do Brasil nesta terça-feira (23).
“O relatório registrou 276 casos de invasões possessórias, exploração ilegal de recursos. Estamos falando de desmatamento, retirada ilegal de madeira, caça e pesca ilegal, garimpo e também de grilagem, de ocupação ilegal de territórios indígenas. O relatório também traz um dado de 150 casos de conflitos por direitos territoriais”, lista Ventura.
O representante do Cimi atribui os conflitos à insegurança jurídica vivida por muitos territórios indígenas e lembra casos que terminaram de forma mais grave, incluindo mortes. Com base em dados do Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena (SIASI) e do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), o levantamento aponta que foram registrados mais de 200 assassinatos e 35 tentativas de homicídio no ano anterior. O número de óbitos é maior que o registrado em 2022: 180.
“Um dos dados fundamental no nosso entendimento é aquele que fala da paralisação ou dos poucos avanços na parte da política de demarcação e proteção dos territórios indígenas. Ou seja, nós tivemos um ano em que houve alguns avanços nas primeiras etapas do procedimento administrativo de demarcação, mas é fundamental dizer que, durante 2023, o governo federal não assinou nenhuma portaria declaratória”, lembra Luis Ventura.
“É um passo fundamental do procedimento e que compete ao ministro da Justiça. Em 2023 e até julho de 2024, não houve nenhuma demarcação de territórios, portanto, nenhuma portaria declaratória. Apenas seis decretos de homologação por parte do presidente Lula e fica um número muito aquém do esperado, muito aquém, aliás, do prometido durante a campanha”, cobra.
Marco temporal
No início de julho, em nota enviada ao veículo jornalístico InfoAmazonia, o Ministério da Justiça confirmou que o processo de demarcação de novas terras indígenas está paralisado devido à indefinição sobre o marco temporal.
A tese do marco estabelece que os povos indígenas só podem reivindicar terras onde estavam quando a Constituição foi promulgada, em 1988. O Supremo Tribunal Federal (STF), no entanto, já declarou o marco temporal como inconstitucional.
O secretário-executivo do Cimi diz que, com o impasse, a população indígena fica prejudicada também por não terem acesso a políticas públicas. “Se você não tem a demarcação do território, a posse efetiva do território por parte da comunidade indígena, políticas públicas, como a educação e saúde, vão ser extremamente comprometidas”, diz.
“Esta situação nos traz uma leitura de um cenário em 2023 – e também nos primeiros momentos de 2024 – em que não é somente o governo. Nós estamos num momento em que o setor do agronegócio, do ruralismo, como poder econômico extremamente importante e uma incidência no Congresso Nacional, aumentou e amplificou as ações de violência nos territórios”, argumenta.
Invasões
Luis Ventura cita o Movimento Invasão Zero como intensificador da violência em território indígena e faz comparação com a antiga União Democrática Ruralista (UDR).
“É uma dinâmica que se manteve, de um lado, por uma falta de determinação e de eficiência nas medidas adotadas pelo novo governo, mas também temos que frisar isto pelo fato de uma intensificação da violência nos territórios por parte de atores particulares com métodos absolutamente milicianos.”
“Isso teve seu ápice no final do ano 2023 com a criação do chamado Movimento Invasão Zero, uma réplica enfim do antigo UDR, uma organização do setor ruralista para orquestrar e articular violência dentro dos territórios”, segue.
Ele cobra o fortalecimento de órgãos de fiscalização como algumas das medidas para conter as violações. “É fundamental instâncias como a Funai [Fundação Nacional dos Povos Indígenas], como o próprio Ministério dos Povos Indígenas, sejam fortalecidas do ponto de vista da estrutura, de orçamento, mas também fortalecidos politicamente dentro do próprio governo.”
“A violência contra os povos indígenas fica sempre impune. É absolutamente fundamental a necessidade de todas as instâncias, dos Três Poderes da República, para acabar com essa impunidade, para evitar o que estamos assistindo”, conclui.
A entrevista completa, feita pela apresentadora Luana Ibelli, está disponível na edição desta terça-feira (23) do Central do Brasil, no canal do Brasil de Fato no YouTube.
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O Central do Brasil é uma produção do Brasil de Fato. O programa é exibido de segunda a sexta-feira, ao vivo, sempre às 13h, pela Rede TVT e por emissoras parceiras.
Edição: Martina Medina
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Imagem: Relatório do Cimi revelou mais de 1,2 mil casos de violações patrimoniais cometidos contra população indígena no Brasil no ano passado – Foto: Mídia Ninja