Governo do Paraná ignora princípios da Consulta Prévia na elaboração de Projeto de Lei na Ilha do Mel

Comunidades de Nova Brasília denunciam falhas na condução do processo de consulta prévia para novo plano de uso e ocupação do solo

Lanna Paula Ramos, Terra de Direitos

As comunidades tradicionais de nativos e nativas de Nova Brasília da Ilha do Mel, no Paraná, foram surpreendidas no início desse mês (06) com a informação de que o Governo do Estado estava conduzindo o processo de elaboração do novo Plano de Controle Ambiental, Uso e Ocupação do Solo da ilha. As preocupações surgiram após o governo implementar uma consulta prévia, livre e informada, exigida pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, sem cumprir adequadamente os processos exigidos.

No dia 06 de novembro, as comunidades receberam três documentos com informações sobre a condução da consulta: um ofício da Casa Civil ao Conselho de Povos e Comunidades Tradicionais do Paraná (CEPCT), um comunicado do CEPCT direcionado ao presidente da Associação dos Nativos da Ilha do Mel (ANIMPO) informando que o Governo do Estado do Paraná promoveria Consulta Livre Prévia e Informada e solicitando as devidas medidas para a execução, e uma cartilha informativa com 28 páginas apresentando o projeto. A expectativa era que esses passos iniciassem um processo alinhado com as normas internacionais previstas na Convenção e com o Protocolo de Consulta das comunidades.

No dia 11 de novembro, na reunião de prestação de contas da Associação dos Nativos da Ilha do Mel (ANIMPO), os documentos foram lidos aos presentes e já no dia seguinte, 12 de novembro, devido a imposição de urgência apresentada pelo governo a comunidade realizou uma reunião online para construção do Plano de Consulta, com deliberação das datas das reuniões entre as comunidades tradicionais e o Estado do Paraná.

No entanto, logo no dia seguinte, 13 de novembro, a comunidade foi surpreendida com um panfleto do estado do Paraná divulgando datas das reuniões de realização da consulta prévia, livre e informada por meio de um material impresso do governo, sem acordar com as comunidades as datas. A primeira reunião agendada pelo governo está definida para a próxima segunda-feira, dia 18 de novembro, na comunidade tradicional de Nova Brasília. Há ainda outras datas de reuniões para as comunidades tradicionais de Encantadas e Ponta Oeste.

Outra questão que configura a violação das diretrizes da Convenção 169 é a conduta da presidência do Conselho Estadual de Povos e Comunidades Tradicionais, que esteve presente na Ilha do Mel, conversando com as lideranças sobre o novo Plano de Uso e informando que o projeto de Lei deve ser votado em caráter de urgência até início do mês de dezembro, assim como questionando a autoatribuição de tradicionalidade para os nativos e nativas da Ilha do Mel. A atuação é grave já que a consulta prévia livre e informada não pode ser caracterizada de qualquer tipo de pressão a comunidade, esta deve acontecer de forma livre e de boa-fé pelas partes envolvidas.

Todos esses encaminhamentos foram dados pelo governo estadual de maneira acelerada, exigindo que as comunidades tomassem decisões apressadas.

“A consulta não está sendo conduzida de forma prévia, livre e informada. Nós tivemos acesso ao documento pouco tempo antes de uma data que o próprio governo já tinha estabelecido na agenda deles, inclusive muito próximo ao fim do ano, aos recessos e a nossa temporada aqui da Ilha. Uma série de questões que foge muito do que prevê a Convenção 169 da OIT”, afirmou Marinelli Campos, nativa da Ilha do Mel e secretária da ANIMPO.

O Plano de Consulta é um documento que deve ser elaborado pelas próprias comunidades tradicionais, que devem estabelecer o melhor e adequado tempo para realização da consulta prévia. Além disso, a autonomia de construção do plano garante que as comunidades tenham prazo hábil para a análise do projeto e aprofundamento para uma participação com qualidade na tomada de decisões.

Segundo as lideranças de Nova Brasília, a cartilha informativa disponibilizada pelo governo é vaga, com termos genéricos e deixa de abordar detalhes essenciais do projeto, como as taxas e a porcentagem de uso do solo que será destinada às comunidades e aos empresários. Alguns temas do Plano de Controle Ambiental e Uso do Solo foram identificados, mas com inconsistências. A minuta do Projeto de Lei, com cerca de 50 páginas, foi disponibilizada apenas dia 13 de novembro, ou seja, com menos de uma semana para a realização da primeira reunião de consulta.

De acordo com Jaqueline Andrade, assessora jurídica popular da Terra de Direitos, o governo do Paraná tem a oportunidade de corrigir o processo de revisão do Plano de Uso do Solo da Lei 16.037/2009 que ocorreu em 2020, em meio a pandemia, sem consulta prévia, livre e informada às comunidades tradicionais da Ilha do Mel.

“O governo do estado do Paraná tem a oportunidade de agora em 2024 corrigir o erro de 2020 e realizar a consulta prévia, livre e informada a todas comunidades tradicionais da Ilha do Mel, consulta esta que precisa ser de boa-fé, precisa respeitar os tempos da comunidade e precisa ser conduzida com respeito, acolhendo as sugestões daqueles que são os maiores interessados no novo plano, os nativos e nativas da Ilha da Mel, sob risco de séria violações ao direitos assegurados na Convenção 169 da OIT para povos indígenas e tribais”, pontuou.

Convenção nº 169 da OIT

O direito à consulta prévia, livre e informada está previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho para povos indígenas e comunidades tradicionais. Essa convenção internacional foi aprovada pelo Brasil em 2003 e desde então o governo brasileiro deve cumprir com todos os direitos ali previstos. A Convenção estabelece que os povos indígenas e comunidades tradicionais devem ser consultados sobre qualquer medida administrativa ou legislativa que possa afetar seus modos de vida e territórios, como é o caso na Ilha do Mel.

Diferente do que sugere o panfleto de divulgação elaborado pelo governo, a Convenção 169 não prevê a realização de consultas prévias, livres e informadas para atender aos interesses de moradores, turistas ou do próprio Estado. Para esses grupos, o instrumento adequado é a audiência pública.

As comunidades tradicionais de Nova Brasília lançaram seu Protocolo de Consulta em 2021 contendo acordos coletivos estabelecidos entre os nativos e nativos, assim como regras próprias de como deve ocorrer a consulta prévia, livre e informada.

Para a elaboração do novo Plano de Controle Ambiental, Uso e Ocupação do Solo da Ilha do Mel, as comunidades tradicionais de Nova Brasília se reuniram no dia 13 de novembro e elaboraram um Plano de Consulta específico para responder a este projeto. No entanto, o processo foi atropelado e o direito à consulta violado pelo governo do Paraná.

Marinelli Campos destaca que as comunidades tradicionais não são contra o projeto, mas esperam que o seu direito à consulta enquanto comunidades tradicionais seja respeitado.

“A comunidade em nenhum momento é contra a lei, não quer barrar a lei, mas a gente entende que temos direito a participação na elaboração, seja complementando ou fazendo algumas adequações referentes a comunidade para que o projeto não venha a nos prejudicar em um futuro próximo. Importante ressaltar isso para que não pareça que a gente não quer colaborar com a aprovação da lei. Pelo contrário, a gente só quer que a nossa consulta seja respeitada, que a nossa participação seja de acordo com a forma da forma que nós nos organizamos porque nós temos nossas especificidades como comunidades tradicionais.”

Diante da imposição das datas pelo governo do Estado do Paraná e pela falta de tempo para análise do projeto de lei, as comunidades tradicionais consideram que a reunião de segunda-feira (18) será considerada apenas como apresentação do projeto de Lei, não possuindo caráter de consulta e de tomada de decisão.

Foto: Franciele Petry Schramm e Lizely Borges

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