Com mudanças propostas pelas comunidades de nativos, Ilha do Mel tem nova Lei de marco regulatório

Legislação trata do desenvolvimento sustentável, planejamento territorial e saneamento básico da Ilha. Comunidades tradicionais reivindicaram a consulta prévia sobre o projeto de lei.

Terra de Direitos

A Ilha do Mel, situada na Baia de Paranaguá (PR), dispõe de um novo marco regulatório para o desenvolvimento sustentável, planejamento territorial e saneamento básico. De autoria do Executivo, o Projeto de Lei 790/2024 foi aprovado em dois turnos pela Assembleia Legislativa do Paraná e encaminhado, nesta quarta-feira (26), para sanção pelo Governo do Estado.

A nova legislação reconhece a ilha do Mel como região de especial interesse ambiental e turístico do Estado do Paraná, o que determina a adoção de um conjunto de medidas de preservação ambiental e participação das comunidades tradicionais na tomada de decisões referente a Ilha do Mel. A implementação de medidas que garantam a proteção do meio ambiente e respeito aos modos tradicionais dos nativos tem sido reivindicada há anos pelas comunidades tradicionais da Ilha, mas com a incorporação de questões apontadas pelas próprias comunidades.

Isso porque o processo de tramitação da lei anterior (Lei 20.244/2020) que regulamenta o controle ambiental, uso e ocupação do solo da ilha na Ilha do Mel não garantiu a devida consulta prévia, livre e informada às comunidades tradicionais, como determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. Aprovada em contexto de isolamento sanitário em razão da pandemia, a Lei 20.244/2020 alterou significativamente a normativa anterior, a Lei 16.037/2009. Com isso, as comunidades não puderam refletir, debater e propor questões no processo de tramitação legislativa. Ao serem informados em novembro do ano passado que o Governo do Estado iria elaborar uma nova minuta de projeto de lei sobre o mesmo objeto, as comunidades reivindicaram a realização da consulta prévia.

“Assim que soubemos que a Lei sobre o Plano de Uso e Ocupação do Solo da Ilha do Mel seria revista, a comunidade se organizou para garantir que sua voz fosse ouvida. Criamos um plano para a Consulta Prévia, Livre e Informada, debatendo internamente cada etapa antes de apresentá-lo ao Instituto de Terra e Água, que respeitou nossa decisão e seguiu o plano. Em cada reunião com o Estado e a Superintendência do Patrimônio da União, a comunidade analisava o Projeto de Lei, discutia os artigos e sugeria ajustes. Algumas demandas foram atendidas, outras negociadas, mas no final, chegamos a um consenso que beneficiou tanto a comunidade quanto a Ilha do Mel”, destaca a liderança Felipe Andrews Gonçalves.

Na avaliação da assessoria jurídica da Terra de Direitos, organização que assessora as comunidades tradicionais de Nova Brasília na Ilha do Mel, a realização de consulta aos povos tradicionais no processo de elaboração de uma lei é uma grande conquista, especialmente considerando o impacto e importância da implementação da normativa na vida das comunidades. “O processo de consulta prévia às comunidades de nativos da Ilha do Mel evidencia que a consulta pode ser aplicada para elaboração de leis. Isso faz com que a legislação se aproxime das realidades e reivindicações de povos tradicionais. Parte significativa das leis voltadas para esta população são elaboradas sem diálogo com grupos afetados pela implementação da lei”, enfatiza.

A comunidade de nativos de Nova Brasília, que inclui as comunidades Tradicionais de Brasília, Farol, Praia Grande e Fortaleza, possuem um protocolo de consulta onde apontam como as comunidades querem ser consultadas sobre medidas do Estado ou iniciativa privada que afetem seus modos de vida.

Mudanças pela nova lei

A nova lei estabelece que o IAT terá a responsabilidade de fiscalizar e administrar o território, com a colaboração do município de Paranaguá e da União. Para coordenar as ações, será criada uma Unidade de Administração da Ilha do Mel (Unadim), composta por um comitê gestor com representantes dos três níveis de governo. A proposta institucionaliza a participação social ao determinar a criação de um Conselho Comunitário Consultivo para garantir a participação da comunidade local nas decisões. A legislação anterior apenas previa que poderia ser criado o Conselho Comunitário, o que não garantia segurança na execução da ação. Com a nova lei, as comunidades tradicionais têm a garantia do acesso e participação da população tradicional à formulação, implementação e avaliação das políticas públicas.

O projeto de lei a ser sancionado ainda determina o incentivo ao Turismo de Base Comunitária a fim de garantir geração de renda e valorização da cultural local.

“Essa Lei é fundamental para assegurar os direitos das comunidades tradicionais em seu território, garantindo o título de posse registrado em cartório. Isso facilitará solicitações de reformas e construções, garantindo prazos claros e processos mais ágeis. Além disso, a Lei assegura que qualquer obra significativa, alteração de portarias ou novas regulamentações só possam ser feitas após consulta às comunidades, garantindo que os nativos tenham voz ativa em decisões que impactam seu modo de vida”, aponta Felipe. A liderança também se refere a ampliação de área destinada para moradia para a comunidade tradicional residente na Ponta Oeste e a regularização via Título de Concessão de Uso e Termo de Autorização do Uso Sustentável (TAUS) pelo Estado do Paraná, medidas que garantem segurança fundiária para as comunidades.

Entre outras medidas, a lei ainda prevê a valorização dos festejos culturais da Festa da Tainha, bem como assegura o direito coletivo à pesca tradicional, a apresentação do Plano de Contenção Marítimo pelo Instituto Água e Terra, a fim de conter a erosão e os desastres naturais passíveis de ocorrência na Ilha do Mel, a isenção de taxa de concessão de uso de terreno aos reconhecidamente nativos e o estabelecimento de prazo de sessenta dias para resposta de autorização do IAT para execução de obras na Ilha. As comunidades nativas denunciavam a demora do órgão em responder ao requerimento de autorização.

Imagem: Comunidades de nativos reivindicaram a realização da consulta prévia para avaliarem o projeto de lei. Foto: Lizely Borges

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