Políticas públicas bem desenhadas, mas com pouco orçamento

Falta de flexibilidade no acesso ao crédito e burocracia dificultam acesso a recursos por parte dos pequenos produtores

Juliana Passos – EPSJV/Fiocruz

Garantir o sustento e cuidar do território: foi com essas ideias em mente que integrantes da paróquia local do município de Sento Sé, na Bahia, quase na fronteira com o estado do Piauí, começaram a pensar estratégias para geração de renda entre os mais jovens, tentando evitar o êxodo dessa juventude para outras cidades. A iniciativa começa no final dos anos 1990 com a produção de mel, já que o fato de a cidade ser banhada pela margem direita do rio São Francisco favorece o plantio de flores ricas em pólen e néctar. A ideia deu certo e, em 2002, nasce a Associação dos Apicultores de Sento Sé (Aapssé), que conquistou a certificação do mel produzido três anos depois. Atualmente a associação reúne 25 produtores que comercializam vários alimentos.

A diversificação da produção foi motivada pelos períodos constantes de seca que reduziram a florada e a consequente retirada de pólen e néctar das flores pelas abelhas. Assim, já no final da primeira década dos anos 2000, a Associação passou a contar com integrantes produtores de mandioca para a venda não só in natura, mas também de biscoitos de tapioca. Houve ainda investimento na produção de frutas e hortaliças para inscrição nos programas de compras públicas do governo federal e, a partir de 2020, na feira local da cidade, uma demanda antiga dos produtores, que antes necessitavam comercializar seus produtos em municípios maiores, muitas vezes a partir de atravessadores. “A nossa principal questão diz respeito aos recursos financeiros, em especial para compra de materiais e equipamentos próprios para a Casa de Mel, seja por demandas próprias, seja pela legislação que muda a cada ano”, diz a vice-presidente da Associação, Juciara Landislau.

O histórico de sucesso da associação ilustra a importância das políticas públicas destinadas à produção agroecológica: foi com recursos vindos de diversas modalidades de financiamento e crédito que, ao longo dessas quase três décadas de existência, a iniciativa conseguiu crescer sem precisar abrir mão da agroecologia, embora ainda existam muitas dificuldades para acessar essas oportunidades.

De forma direta ou indireta, vinculadas a diferentes Pastas, o Brasil tem hoje dezenas de políticas, programas e outras iniciativas governamentais que visam fortalecer a agroecologia, embora o total de recursos disponíveis esteja ainda muito longe das necessidades – para se ter uma ideia, para 2025 a previsão orçamentária do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), responsável principal pelas políticas relacionadas a essa área, é pouco mais da metade do volume que deve ser destinado ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), que tem entre suas funções centrais o fortalecimento do agronegócio. Entre as iniciativas mais conhecidas estão o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), mas existem vários outros, como o Programa Cisternas (2003) e a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN), de 2010, e a Política Nacional de Abastecimento Alimentar (PNAAB), lançada no final de 2023, além da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Pnapo), de 2012, que tem um plano operativo e se desdobra em diferentes programas. Isso sem contar as políticas públicas de outras áreas – a exemplo da saúde – que acabam por reforçar a concepção e a prática da agroecologia.

Evolução das políticas

O começo dos anos 2000, quando a Aapssé foi criada, também marcou o início da formulação e implementação de uma série de programas e políticas destinadas à agricultura familiar, diante da preocupação com a produção de alimentos de qualidade nutricional e com o combate à fome. Um dos marcos desse período é o lançamento do programa Fome Zero, ainda no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A partir daí, lembra Paulo Petersen, membro da secretaria-executiva da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), o papel da agricultura familiar ganha força e, com o passar do tempo, o da agroecologia também. “As pautas em torno da agricultura familiar foram fundamentais para, anos depois, a criação da política de agroecologia”, diz.

Em 2003, a ampliação do crédito para os pequenos produtores foi uma das primeiras medidas do governo recém-empossado, e, no mesmo ano, foi lançado o primeiro Plano Safra para a Agricultura Familiar. Mais do que a garantia de crédito, já existente desde 1996 por meio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), a proposta do novo Plano incluía oferecer maior estrutura para os pequenos produtores e englobava outras ações, como o financiamento da Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER), responsável por melhorar a qualidade e a quantidade da produção desses agricultores.

Também em 2003, como parte do Plano Safra, foi criado o Programa de Aquisição de Alimentos, com a proposta de realizar compras públicas de agricultores familiares por parte de estados e municípios a partir do repasse de recursos federais. A ideia é que a iniciativa garanta o sustento desses produtores e destine alimentos de qualidade para as populações em vulnerabilidade social. O PAA não é exclusivo para a produção agroecológica, embora preveja um incentivo a essa prática, garantindo a compra desses produtos mesmo com um sobrepreço de até 30%. Alguns anos depois, em 2009, surgiu o Programa Nacional de Alimentação Escolar, com funcionamento similar ao PAA, mas com outros destinatários da produção: estudantes de escolas públicas no ensino fundamental e médio.

Saúde e agroecologia

Também na formulação e na luta por políticas públicas tem cada vez mais se refletido a importância da relação entre agroecologia e saúde que você leu na reportagem de capa desta edição. Assim, várias iniciativas desenvolvidas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) – como a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde, o programa Farmácia Viva, que é parte da Política Nacional de Assistência Farmacêutica do SUS, a Programa Nacional de Saneamento Rural e a Política Nacional de Alimentação e Nutrição – expressam a relevância das práticas agroecológicas na promoção da saúde da população. Ao focarem o controle e a prevenção de doenças e agravos que podem ser associados ao modelo hegemônico de produção de alimentos – por exemplo, em função do consumo ou exposição a agrotóxicos –, outras iniciativas também reforçam esse lugar da agroecologia. Nesse caso, pode-se citar, por exemplo, um conjunto de estratégias de Vigilância em Saúde das Populações Expostas a Agrotóxicos (VSPEA) que são coordenadas pelo Ministério da Saúde e subsidiam a ação das secretarias estaduais e municipais, a Política Nacional para a Prevenção e Controle do Câncer e a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora.

No âmbito do SUS, a mais antiga iniciativa governamental nacional que dialoga com a agroecologia e ainda está em vigor é a Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN), criada em 1999, com o objetivo de promover uma alimentação adequada e saudável para a população brasileira, especialmente no contexto de combate à desnutrição, e uma melhor qualidade nutricional, incentivando a preferência por alimentos agroecológicos. Um dos marcos dessa política foi a publicação de dois guias: um para a população brasileira em geral (2014) e outro sobre crianças menores de dois anos (2019). “Esse talvez seja o principal documento do Ministério da Saúde que defende sistemas alimentares agroecológicos como caminho para a promoção da saúde”, opina o coordenador da Agenda de Saúde e Agroecologia da Vice-presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS) da Fiocruz), André Burigo. Esses materiais devem ser a principal referência para orientar os profissionais da Atenção Primária à Saúde (APS) no acompanhamento da nutrição da população, ensinando a privilegiar alimentos in natura e evitar ultraprocessados. São os profissionais da Atenção Primária também os responsáveis por preencher os dados do Sisvan, o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan), que informa a condição alimentar e nutricional brasileira. Entre os principais acompanhamentos feitos pelo sistema estão o baixo peso, obesidade e as deficiências nutricionais. “A PNAN trouxe o componente alimentar para dentro da saúde associado aos programas de transferência de renda e, como consequência, temos o crescimento do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional, que não era até então tão valorizado. A outra perspectiva que a política traz é na relação do cuidado nutricional em vários ciclos de vida. Por exemplo, a PNAN vai apoiar a promoção do aleitamento materno, o acompanhamento do cartão de crescimento e o combate à desnutrição infantil”, diz a pesquisadora da Fiocruz Brasília Denise Oliveira e Silva, que coordenou o sistema e participou da criação da política.

Outra iniciativa relevante é a Política Nacional de Saúde Integral da População do Campo, das Florestas e da Águas (PNSIPCFA), que começou a ser elaborada em 2004, foi aprovada no Conselho Nacional de Saúde em 2008 mas só foi publicada como política do SUS em 2011, com uma última atualização em 2014. O texto não traz o termo ‘agroecologia’, mas trata da agricultura familiar, produção sustentável e preocupação com a contaminação dessas populações por agrotóxicos. “Essa política é a principal avenida de relação entre saúde e agroecologia, porque essas populações têm capacidade de fazer a produção de alimentos limpos e saudáveis”, avalia o coordenador da área de Saúde e Ambiente da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde e representante da Fiocruz no Grupo da Terra, Guilherme Franco Netto. O texto parte da constatação de que o acesso integral à saúde se capilarizou principalmente nas grandes cidades, mas precisa ainda ser fortalecido nos territórios do campo, florestas e das águas. Prevê também iniciativas que visam diminuir os acidentes de trabalho no campo e a intoxicação por agrotóxico, além de acolher novas demandas de saúde que partam dessas populações. “A característica central da atuação do SUS nos territórios de campo, floresta e água é de um Sistema fragmentado e limitado. Embora haja a presença de agentes comunitários de saúde em quase todos os territórios, muitas vezes são apenas eles que estão lá, e isso não é suficiente para fazer e assegurar as ações básicas de saúde”, diz Franco Netto. Ao longo desses mais de dez anos, foram elaborados dois planos operativos para a política, mas pouca coisa saiu do papel, a ponto de ele falar em “década perdida”. Com a reativação do Grupo da Terra, que funciona como um conselho de participação social para a política coordenado pelo Ministério da Saúde, um terceiro plano está sendo construído neste momento e a expectativa de Franco Netto é de que seja lançado ainda este ano. Entre as mudanças esperadas, está a explicitação da agroecologia para a promoção da saúde dessas populações.

Uma Política com ‘Agroecologia’ no nome

A grande novidade na relação entre essas áreas veio em outubro de 2024, com a inserção de um eixo sobre saúde na última edição do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), que é o instrumento operativo de uma Política Nacional que leva o mesmo nome, a Pnapo. Criada em 2012, a iniciativa prevê a promoção da qualidade e da segurança alimentar por meio de uma produção justa e sustentável que preserve os ecossistemas e biodiversidade. “A inclusão deste eixo é resultado de uma grande mobilização do Ministério da Saúde e da articulação de várias secretarias e do gabinete da [então] ministra Nísia [Trindade]. A aproximação entre saúde e agroecologia tem ganhado cada vez mais relevância, mas continua sendo um grande desafio conseguir efetivar nas políticas públicas a inserção da agroecologia como estratégia de manejo da natureza e de promoção da saúde”, diz André Burigo.

A Pnapo reuniu acúmulos de movimentos sociais e entidades da sociedade civil na área e iniciativas que estavam espalhadas por diversos ministérios. “A Pnapo criou um grande guarda-chuva e deu um direcionamento estratégico comum às diferentes ações que já existiam, além de trazer a perspectiva de aprimoramento e criação de ações e programas”, diz Flávia Londres, integrante da secretaria executiva da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).

Já o plano operativo dessa política, que organiza ações e metas, está em sua terceira edição, com vigência até 2027. A primeira versão vigorou entre 2013 e 2015 e teve um orçamento de R$ 8,8 bilhões. A segunda estava prevista para 2016 a 2019, mas foi praticamente inviabilizada quando o governo de Michel Temer limitou os recursos a R$ 2 milhões. O terceiro Plano, portanto, só foi lançado cinco anos após o fim do anterior. Entre as ações previstas estão o estímulo à transição agroecológica para a conservação da biodiversidade e proteção dos recursos naturais, capacitação para acesso ao crédito, apoio à criação e ao fortalecimento de redes de comercialização que favoreçam a venda de produtos agroecológicos, incluindo feiras, mercados e reforço nos programas de compras públicas, bem como o fortalecimento da assistência técnica a agricultores familiares para a melhoria da gestão da propriedade e da sustentabilidade da produção agrícola. O texto fala ainda em “promover a qualificação das equipes de atenção primária à saúde para a promoção da alimentação adequada e saudável, considerando a importância do consumo de alimentos orgânicos e agroecológicos e os riscos dos agrotóxicos”. Já para as populações do campo, das florestas e das águas, há, por exemplo, a preocupação de “fortalecer os Centros de Referência de Saúde do Trabalhador”, com foco nos espaços rurais, para que promovam ações de saúde do trabalhador.

Tem dinheiro para isso?

Paulo Petersen avalia positivamente as proposições dessa terceira edição do Planapo, mas entende que a capacidade de ação está limitada por um orçamento restrito e majoritariamente vinculado ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, o Pronaf. De fato, segundo o MDA, R$ 9,8 bilhões estão previstos para a execução do Plano entre 2024 e 2027, mas a maior parte desse valor, R$ 6 bilhões, será destinada a créditos agrícolas por meio do Pronaf. O que sobra desse orçamento financia programas como o Ecoforte, Quintais Produtivos e Terra à Mesa, em que há menor exigência de contrapartidas e uma flexibilidade maior do uso de recursos. “A perspectiva é que essas iniciativas tenham impacto no aumento na geração de renda e também contribuam com segurança alimentar e nutricional e estimulem o empoderamento feminino. Então [esses programas] trazem também esse olhar em torno da agroecologia”, diz a diretora de Inovação para a Produção Familiar e Transição Agroecológica da Secretaria de Agricultura Familiar e Agroecologia (SAF/MDA), Vivian Libório. Juntos, o Terra à Mesa – que é destinado à contratação de assistência técnica para contribuir na transição agroecológica – e o Quintais Produtivos – que visa destina recursos para equipamentos e utensílio para mulheres produzirem alimentos in natura – terão um total de R$ 115 milhões, de acordo com o MDA. Já o Ecoforte, que financia a produção agroecológica em rede, tem previsão orçamentária de R$ 100 milhões. Para Petersen, esses programas são fundamentais e é preciso expandi-los. “Precisamos de recursos de fomento para financiar grupos de mulheres, grupos de jovens, sem que haja necessidade de contrapartida para alavancar, sobretudo, a agricultura familiar mais descapitalizada. Porque essa tem um potencial rápido de aumentar a sua produtividade, produção de alimentos saudáveis e tudo, geração de renda, emancipação social”, analisa.

Atenta às demandas da sociedade civil organizada e dos movimentos sociais, Libório diz que o diálogo por mais recursos está aberto e a secretaria tem se posicionado sobre isso dentro da Câmara Interministerial de Agricultura e Produção Orgânica (Ciapo), mas argumenta que as decisões relativas a orçamento não dependem apenas da vontade do poder executivo.

Movimentos criticam a ‘lógica’ de alguns programas e elogiam outros

Considerado uma importante conquista do movimento agroecológico, o Ecoforte, que está na sua terceira edição, é o principal programa governamental destinado exclusivamente à produção agroecológica. Entre as características mais comemoradas dessa iniciativa estão a maior flexibilidade do uso dos recursos e o incentivo à produção a partir do fortalecimento de ações desde uma rede territorial, uma vez que o edital prevê um mínimo de três organizações produtivas (cooperativa ou associação de produtores) por proposta. O programa permite não só a compra de máquinas e equipamentos, serviços para realização de obras, mas também o pagamento de salários, deslocamentos e regularização de documentos. “Esse modelo faz muito mais sentido, porque olha o território e o sistema econômico como um todo. O Ecoforte é uma política que a gente quer muito ampliar”, avalia Londres.

A vice-presidente da Aapssé testemunha a importância do programa para o desenvolvimento da cooperativa: “Além da compra de equipamentos para a Casa de Mel e conservação das polpas de frutas, tivemos muita assessoria técnica para beneficiamento dos produtos e sem assessoria não conseguiríamos cumprir os objetivos do projeto”, conta Landislau.

Esse leque variado de finalidades contrasta com as regras estabelecidas pelo Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, que tem concentrado boa parte dos recursos disponíveis também para a agroecologia. O Pronaf é uma iniciativa de crédito em que cada subprograma negocia as garantias de pagamento que serão dadas pelo agricultor individualmente. Especificamente no subprograma de agroecologia, os financiamentos coletivos estão restritos à “construção, reforma ou ampliação de benfeitorias e instalações permanentes, máquinas, equipamentos, inclusive de irrigação, e implementos agropecuários e estruturas de armazenagem, de uso comum”, como informa a página do BNDES, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. “O problema do Pronaf é que ele não foi concebido para financiar sistemas diversificados, na lógica de sistema de abastecimento local. O agricultor vai ao banco tomar esse recurso e não consegue. Ele tem uma lógica de financiamento de atividades específicas, na forma de cadeias verticais e produção de commodities”, analisa Petersen.

Um estudo publicado em 2025 na Revista de Economia e Sociologia Rural por pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA) ajuda a ilustrar esses dilemas. O trabalho ‘O dendê como um sonho: agricultores familiares e rupturas com as agroindústrias de dendê no Pará’, estudou os motivos pelos quais 15 produtores que aderiram à cadeia de produção de óleo de dendê acabaram desistindo dessa produção. De forma geral, explica o artigo, os produtores são atraídos pela ideia de que terão mercado garantido, assistência técnica e acesso ao crédito facilitado – metade deles teve acesso ao crédito do Pronaf pela primeira vez ao entrar nessa cadeia de produção. “Vislumbraram manter, simultaneamente, culturas anuais, mas também de ciclo longo, além de permanecerem nas suas comunidades de pertencimento”, escrevem os pesquisadores. No entanto, com o passar do tempo, essa esperança não se confirmou e os produtores tiveram dificuldades para cumprir todas as recomendações técnicas de cultivo diante da falta de assistência técnica e recursos financeiros. Reconhecendo essas dificuldades, a terceira edição do Planapo prevê a criação de um grupo de trabalho para requalificação das políticas de crédito rural e monitoramento, de modo a atingir projetos “relacionadas aos projetos de produção orgânica e as práticas e processos agroecológicos”, incluindo a capacitação de agentes financeiros e técnicos de ATER para melhor atender os produtores.

Universalização das chamadas

Mas as dificuldades nas concessões de crédito – e no reconhecimento do trabalho coletivo que caracteriza a agroecologia – não estão limitadas ao Pronaf. São várias as iniciativas em que, diante da quantidade de documentos e certidões que devem ser entregues para acessar determinados programas, a vice-presidente da Aapssé diz que nem sempre vale a pena ‘concorrer’ enquanto associação.

Essa dificuldade foi enfrentada, por exemplo, na inscrição da entidade no Programa de Aquisição de Alimentos, o PAA. A vice-presidente da Aapssé explica que a associação optou por inserir os produtores individualmente no programa porque a exigência de documentos é menor. Nesse caso, bastam documentos pessoais e o Cadastro de Agricultor Familiar (CAF), enquanto a inscrição como associação exige estatuto, cadastro de pessoa jurídica, certidões e algumas declarações que tornam o processo mais trabalhoso. Outro obstáculo encontrado foi com relação ao PNAE em âmbito municipal, uma vez que as compras previstas em edital eram em quantidade muito superior ao que de fato era adquirido pelo poder público. Atualmente a associação atende a duas escolas estaduais pelo programa para as quais entrega frutas, variados tipos de feijão, mandioca, hortaliças e ovos caipiras.

Mesmo em um programa como o Ecoforte, entendido como modelo de edital para a agroecologia, e redigido em forte articulação com entidades da sociedade civil, parte dos produtores ainda tem dificuldade de participar. Paulo Petersen destaca que a necessidade de simplificação do processo ainda é um gargalo e que a capacidade de se adequar ao edital só será possível para as redes mais estruturadas.

Vivian Libório afirma que a Secretaria de Agricultura Familiar e Agroecologia do MDA está em constante diálogo com a sociedade civil e que tem feito um esforço de simplificação dos editais e realização de oficinas que ajudem a universalizar a participação dos interessados, mas entende que ainda é preciso realizar mais ações. “Após sete anos sem iniciativas voltadas para o fortalecimento das organizações da sociedade civil, entendemos que houve um processo de esvaziamento da política pública para esse segmento. E esse retrato também nos aponta horizontes para incluir cada vez mais os que estão historicamente excluídos da política pública”, conclui.

Imagem: Governo realiza relançamento do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), em março de 2023 – Foto: Ricardo Stuckert/PR

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