Pesquisa do Fórum Justiça revela que só 8,9% dos casos de letalidade policial em SP e 3,6% no RJ resultam em denúncia

Nova edição do estudo “Quem Controla as Polícias?” amplia análise e inclui dados sobre a atuação dos ministérios públicos da Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo diante da letalidade policial

Fórum Justiça

A nova edição da pesquisa “Quem Controla as Polícias?“, realizada pelo Fórum Justiça em parceria com Conectas Direitos Humanos, Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos (GEVAC), IDEAS Assessoria Popular, Iniciativa Direito, Memória e Justiça Racial (IDMJR) e Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), revela um cenário preocupante sobre o papel dos Ministérios Públicos no controle externo da atividade policial. O estudo, que na primeira edição focou apenas o Rio de Janeiro, agora abrange também os estados da Bahia e de São Paulo, demonstrando que é impossível analisar a persistência do fenômeno da letalidade policial no Brasil sem examinar a atuação da instituição que tem o dever constitucional de exercer o controle externo das polícias.

Os dados revelam que a irresponsabilidade dos agentes de segurança que matam permanece a regra. Em São Paulo, apenas 8,9% dos procedimentos de investigação de mortes em decorrência de intervenção policial resultam em denúncia pelo Ministério Público, enquanto no Rio de Janeiro esse percentual é ainda menor, representando apenas 3,6% dos casos. No estado fluminense, um procedimento que investiga morte causada por policiais tem 13,8 vezes mais chances de ser arquivado do que denunciado. Em São Paulo, essa proporção é de 7,2 vezes.

“É impossível compreendermos a persistência da letalidade policial sem olharmos para a atuação do Ministério Público. Os dados evidenciam que o sistema de Justiça tem falhado sistematicamente em responsabilizar agentes de segurança pública, revelando um problema estrutural no exercício do controle externo da atividade policial”, afirma Paulo Malvezzi, Coordenador Executivo do Fórum Justiça.

Falta de Transparência e Engajamento Institucional

De partida, destaca-se a falta de transparência por parte dos Ministérios Públicos. O MPBA informou não utilizar a categoria “morte em decorrência de intervenção policial” em seus sistemas internos de classificação, impossibilitando o fornecimento de dados. Os MPs de São Paulo e Rio de Janeiro enviaram apenas informações sobre processos não-sigilosos, apesar da solicitação expressa para incluir todos os casos.

No caso da Bahia, estado com um dos maiores índices de letalidade do país, o MP estadual afirmou não segregar dados de mortes por intervenção policial em seus sistemas internos de classificação, tornando impossível avaliar com quais dados e evidências a instituição orienta seu trabalho sobre o tema.

Tempos Elevados e Possíveis Impactos Positivos

A pesquisa aponta que os MPs de São Paulo e Rio de Janeiro apresentam tempos médios elevados para a finalização dos casos. No MPSP, o tempo médio para arquivamento é de 735 dias (mais de dois anos), enquanto para denúncia, o prazo médio é de 605 dias (aproximadamente um ano e meio). Já no MPRJ, o tempo médio para arquivamento e denúncia ultrapassa os três anos.

Entre os estados pesquisados, São Paulo é o que ostenta a maior proporção de agentes públicos denunciados, ainda que os números sejam tímidos. É, também, o estado pesquisado com o menor índice de letalidade policial, o que sugere que uma atuação mais efetiva do Ministério Público para responsabilizar policiais que matam pode produzir impactos positivos.

Leia o relatório completo.

Déficit no Controle Concentrado

O estudo também analisou o controle concentrado da atividade policial, exercido por meio de órgãos especializados nos Ministérios Públicos. Um mapeamento nacional revela que ainda existem dois estados brasileiros sem qualquer estrutura especializada para esse fim, enquanto há uma diversidade de formatos e atribuições pelo país, sem uma padronização efetiva.

“Em contraste com os Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECOs), presentes em todos os MPs estaduais, os grupos especializados em controle externo da atividade policial ainda não recebem a mesma prioridade institucional”, observa Paulo Malvezzi.

A pesquisa aponta ainda diferenças significativas entre as estruturas especializadas dos três estados analisados. O GAESP do MPSP, criado em 2022, tem sua atuação limitada à capital paulista, apesar das operações policiais mais letais da história do estado terem ocorrido na Baixada Santista. No Rio de Janeiro, o MPRJ ficou quatro anos sem um grupo especializado, tendo recriado o GAESP apenas em fevereiro de 2025. Já o GEOSP do MPBA possui a normativa mais antiga dentre as analisadas, mas com atuação restrita a casos específicos.

Questionamentos sobre Cumprimento de Normas

A pesquisa traz indícios preocupantes de descumprimento da Resolução CNMP nº 279/2023, do Conselho Nacional do Ministério Público, e lança dúvidas sobre o real engajamento do Ministério Público em sua missão constitucional de controle externo das polícias, tanto em sua dimensão difusa como concentrada.

O estudo “Quem Controla as Polícias?” contribui para o debate sobre o controle democrático das forças de segurança e a necessidade urgente de políticas efetivas para redução da letalidade policial no Brasil, tema que ganha ainda mais relevância diante dos dados que evidenciam o caráter racializado desta violência e a necessidade de discussão pública e transparente com ampla participação da sociedade civil.

Sobre o Fórum Justiça

O Fórum Justiça é uma organização criada em 2011, no Rio de Janeiro, em uma iniciativa promovida por integrantes do sistema de Justiça, movimentos sociais e academia. A articulação visa contribuir para a construção de uma Justiça democrática, comprometida com a realização dos direitos humanos e orientada pelas demandas dos grupos historicamente vulnerabilizados em nossa sociedade.

Com representantes em diversos estados do país, o Fórum Justiça tem como visão ser um espaço plural e apartidário de articulação, formação e referência na produção de pesquisas, avaliações e propostas de políticas públicas de Justiça.

Foto: Fernando Frazão | Agência Brasil

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