Ilha Lorena: um sítio arqueológico de repressão e controle de territórios
Por Alenice Baeta, em Combate Racismo Ambiental
Situado em uma ilha no Médio Vale do Rio Doce, município de Aimorés, entre o imponente marco natural “Pedra Lorena” e a atual divisa com o Espírito Santo, este peculiar sítio arqueológico foi um lugar estratégico do ponto de vista da história, resistência Indígena e do processo de colonização do extremo leste mineiro.
Nessa ilha, foram encontrados por nossa equipe de arqueologia, no final dos anos noventa, vestígios de uma antiga base militar que pertencia à “Parada de Divisão de Cuyiethe”. Nessa ínsula foi instalada estrutura para controle de navegação e tráfego de mercadorias e viajantes no rio Doce, coibindo contrabandos em localidades ainda de litigio entre as províncias de Minas Gerais e Espírito Santo. Servia ainda como local de apoio à expansão de fronteiras e fixação de colonos, bem como, à repressão a indígenas que ocupavam as suas terras remanescentes situadas à margem esquerda (Norte) do Rio Doce. Na margem direita (Sul), por sua vez, surgiam os primeiros núcleos urbanos que deram origem a algumas cidades, como Aimorés e Itueta, tendo sido ainda destinada à implantação de fazendas, muitas delas abertas por imigrantes europeus, no caso, alemães e italianos, além de colonos brasileiros. A ilha era utilizada visando mediar e controlar os territórios dos grupos indígenas que ali resistiam. Buscava-se vigiar, assim, as travessias de uma margem à outra, evitando que os indígenas avançassem para o lado “civilizado”. No entanto, a guerra oficialmente declarada no rio Doce aos indígenas, a “Carnagem Brava” termo utilizado em um documento oitocentista, era permanente, ostensiva e cruel.
De acordo com documentos iconográficos, este entreposto funcionou na ilha durante parte do século XIX, tendo em suas zonas mais altas pontos de vigília que possibilitavam visadas para locais distintos do rio Doce. Foram identificados na ilha três focos principais de ocupação, onde havia indícios de rústicos alicerces de alvenaria de pedra, além de um conjunto considerável e representativo de cultura material que evidencia o uso militar, além de vestígios que indicavam que ainda houve redes comerciais e sociais ali estabelecidas, permitindo interpretar, ainda que parcialmente, o funcionamento do posto no contexto do processo de colonização dessa região.
Este é só um dos inúmeros sítios arqueológicos que existe ao longo da calha do rio Doce. Compreender de fato toda a diversidade cultural, étnica, histórica e territorial do rio Doce ajudará a propor, de fato, novas diretrizes de proteção do seu rico patrimônio ambiental e arqueológico, seja pré-colonial e ou ‘histórico’ frente ao desastre e lama que assolou recentemente este vale.
Bibliografia:
BAETA, A. A Memória Indígena no Médio Vale Rio Doce: arte rupestre e identidade Krenak. Dissertação de Mestrado. FAE/UFMG, Belo Horizonte, 1988.
BAETA, A. Grutas e abrigos arqueológicos encantados- Serra Takrukkrak, Vale do Rio Doce. In: O Carste, v. 12, n. 12, Belo Horizonte, 2000.
PILÓ, Henrique & BAETA, Alenice. “Ilha Lorena, um sítio militar de vigília e repressão no Rio Doce”. In: Anais do XIV Congresso da Sociedade de Arqueologia Brasileira-SAB: Florianópolis, SC, 2007.