Em sua página no Facebook, Isadora Shutte descreve violências sofridas, como xingamentos e cusparadas, e lamenta a ignorância política dos manifestantes contrários ao governo
A jovem Isadora Shutte, agredida durante a manifestação desta quarta-feira (16/03) na Avenida Paulista, postou, nesta quinta-feira (17/03), uma carta aberta em seu Facebook denunciando a intolerância vivenciada por ela e o companheiro ao tentar atravessar a principal avenida de São Paulo de bicicleta. Leia o relato:
“Bom dia,
Gostaria de expressar o asco e decepção que eu senti na noite de ontem e contar como as coisas realmente aconteceram.
Às 18h30, eu saí do meu trabalho próximo à Rua Da Consolação como todos os dias. E o Lucas, meu companheiro, foi me buscar de surpresa. Eu estava de bike, e ele estava de skate. Quando nos aproximamos do Masp vimos a via da ciclo-faixa congestionada de pessoas carregando bandeiras do Brasil e com cartazes contra a posse do Lula no ministério da Casa Civil etc.
Eu sou contra essas manifestações, acho realmente uma palhaçada, mas respeito o direito de opinião política de qualquer pessoa, esquerda, direita, ou o que seja. Quando nos aproximamos, eu gritei “Sai da frente, vocês estão congestionando a via”. Ninguém se moveu, apenas olharam pra gente e começaram a gritar seus discursos de ódio ao PT. Um homem muito mal educado veio com um alto-falante e gritou no meu ouvido “Lula ladrão”, enquanto eu insisti em pedir para descongestionar a via.
Nesse momento eu e o Lucas já éramos o centro da atenção dos “manifestantes”, antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, expressar qualquer opinião política ou simplesmente dar um jeito de passar por ali para voltar pra minha casa. Já ouvíamos coisas do tipo “eles têm cara de comunista ladrão”, “a bicicleta é vermelha, vai pra Cuba”, E um bando de gente ignorante, sem educação, sem noção de civilidade soltando merda pela boca, afinal eu não comprei uma bicicleta vermelha pra homenagear o PT.
Quando eu me dei conta do que estava ouvindo, fiquei nervosa, e as pessoas já estavam nos rodeando e xingando sem motivos. Eu mostrei o dedo do meio pra um babaca que estava gritando do meu lado e tentamos nos retirar dali quando um animal sem noção me empurrou da bicicleta e eu caí no chão. Nesse momento, as coisas já estavam fora de controle, muitas pessoas acertavam o cano das bandeiras na nossa cabeça, nos empurravam, puxavam minha bicicleta e gritavam com força discursos de ódio absurdos… Ouvi tantas coisas que nem consigo citar tudo, mas lembro bem de vários rostos e das vozes “putinha comunista”, “vadia”, “vai pra Cuba filha da puta”, “petista ladrão”, “não vou deixar você destruir o meu Brasil”.
Eu não tenho medo de playboy ignorante, e de início não me dei conta de que eles eram muitos. As pessoas viam a confusão de longe e já colavam gritando e nos xingando, sem nem saber o que estava acontecendo. Eu tentava me defender, segurava as bandeiras que eles estavam nos acertando e procurava um jeito de sair dali. O Lucas tentava me proteger dos vândalos, enquanto puxava minha bike porque os animais estavam tentando roubar do outro lado. Nessa hora vi várias pessoas começando a gravar, e fomos sendo empurrados para dentro do vão do Masp.
O Lucas estava preocupado, querendo sair logo dali, e eu estava muito exaltada e desacreditada daquela situação toda, tentando exigir o meu direito de passar na rua, de ter uma bicicleta vermelha, de ter minha opinião política e não ser linchada por isso.
De repente vi o Lucas olhando no olho de um idiota que agredia a gente com tapas na cabeça e falando “Meu, para com isso, você tá batendo em uma mina, a gente só está tentando voltar pra casa”. Segundos depois o imbecil, olhando no fundo dos olhos dele, deu uma cabeçada nele. Não foi nenhum ferimento grave, mas na hora ele estava com o rosto sangrando muito, e nesse momento eu fiquei apavorada, gritava pra alguém chamar a polícia, afinal estávamos na frente de uma base policial.
Nessa hora já tinham muitas e muitas pessoas nos ofendendo e tentando nos agredir e uns três homens, que eu acredito que também eram manifestantes, porém civilizados, tentavam barrar as agressões e falavam repetitivamente que a gente tinha que sair dali rápido, para pularmos do vão onde estávamos para a rua de baixo.
Foi assustador, um homem cuspiu no meu rosto, ouvíamos muitos xingamentos e eu não queria fugir dali e deixar esse bando de retardados impunes. Quando eu me dei conta que não tínhamos escolha, pulamos e atravessamos a rua.
Alguns repórteres foram falar com a gente, disseram que a gente tinha que fazer um boletim de ocorrência, falaram que havia tudo filmado e que nos mandariam o vídeo. Atravessamos a avenida até a base policial, eu ainda estava nervosa, tremendo, assustada com a situação inteira, e tentei explicar para o policial o que havia acontecido.
Ele nos disse “Acho melhor vocês fazerem um B.O. online”. O Lucas estava sangrando, o agressor estava do outro lado da rua, e o policial militar me diz isso? Começamos a fazer um escândalo. Falei que isso era um absurdo e que ele tinha que ir lá com a gente pegar o cara porque a gente queria ir pra delegacia. Tinha um repórter com tudo gravado com a gente, e ele mostrou o vídeo para o PM, que pediu que aguardássemos o superior dele chegar.
Quando ele chegou fomos atrás do indivíduo da cabeçada acompanhados da Polícia Militar, que pediu que não respondêssemos às provocações e apenas mostrássemos quem a gente conseguia identificar como agressor. Encontramos ele, e a polícia pediu que ele nos acompanhasse porque ele foi acusado de agressão. O filho da **** teve a cara de pau de dizer que ele queria me denunciar por roubar a bandeira dele, que por acaso era a bandeira que ele acertava na minha cabeça. Seguimos para a delegacia, enquanto ele ria da nossa cara, mandava beijinhos e espalhava seu veneno de coxa escroto.
Na delegacia, depois de duas horas, conseguimos ser ouvidos e dar nosso depoimento. O animal de nome Marcelo alegou que nós o agredimos, mostrou arranhões nos braços e nos acusou de agressores, o que fica claro no vídeo que é mentira. Primeiro porque é muito óbvio quem está sendo agredido, e segundo porque o imbecil usava um casaco na hora da confusão que torna impossível que eu tenha o arranhado nos braços. Depois de três horas, saímos os três, Lucas, eu e o delinquente como “autores-vítimas” do caso, que vai ser julgado em tempo indeterminado.
Gostaria de expressar que, sim, eu sou de esquerda. Sim, eu respeito a democracia e acredito que a Dilma tem que terminar o mandato dela a menos que tenham provas criminais contra ela, que no caso NÃO TEM. Sim, eu acho um absurdo o que a mídia golpista está fazendo, acho um absurdo a forma como tratam o Lula e não fazem o mesmo com outros políticos que têm acusações bem mais sérias. Sim, eu acho um absurdo pessoas pedindo o impeachment, sendo que o vice é um imbecil que pertence ao partido mais corrupto do país. Sim, eu acho um absurdo a classe privilegiada querer destruir um partido que fez grandes avanços sociais apenas porque não querem dividir seus ambientes. Sim, eu acho ridículo playboy que sempre teve tudo na vida com cartazes contra o Bolsa Família, cotas, Fies etc. Sim, eu acho o cúmulo do absurdo a classe média branca e reaça pedindo intervenção militar depois do período assustador de 64. Também gostaria de dizer que eu não sou petista, e que eu jamais agrediria uma pessoa só por ter opinião política diferente da minha – ainda que eu sinta vontade, eu nunca faria isso.
Eu fico triste pela situação que temos hoje no Brasil em que eu não sei quem é mais doente, o governo, a oposição ou a população. Fico triste pela ignorância das pessoas, pelo desconhecimento político das pessoas, pelos discursos falidos de quem nem sabe o que está fazendo ali. Sinto muito pela ingenuidade deles em acreditar que uma pessoa é responsável por todo um sistema de corrupção que existe há anos, sinto muito pela intolerância, pelo ódio que nos divide, sinto muito em ver que essas manifestações da direita são mais uma festinha pra postar foto no Instagram do que realmente a defesa de uma ideologia ou causa. Me sinto responsável e protagonista, assim como todos que acharam um absurdo tal nível de violência, de combater isso. Devemos agradecer a democracia e preservá-la, independente do lado em que estamos.
Agradeço de coração mesmo a todos que se solidarizaram, professores, amigos, familiares, e desconhecidos, alguns pró, outros contra governo, que acharam um absurdo tal nível de violência. Não vamos aceitar fascismo, agressão e intolerância política, afinal vivemos em um país livre e democrático.
E, por último, eu sinceramente adoraria ir pra Cuba.