O Brasil foi constituído historicamente com as marcas da violência colonial: o genocídio indígena, a escravidão, a desigualdade e a exclusão social, a submissão à metrópole portuguesa e ao império britânico.
Este padrão histórico fez de nosso país um dos mais desiguais e injustos do mundo; fez de nossas elites uma das mais cruéis e predadoras; fez de nosso povo um dos mais explorados e excluídos. Neste sentido, a República e a democracia foram aqui constituídas de costas para a sociedade e golpeadas por ditaduras sempre que, ao ver das elites, excediam os limites por elas impostos.
Esta realidade foi vivida de maneira trágica durante a última ditadura militar, de 1964 a 1985, quando a tortura foi o centro do sistema político; centenas de cidadãs e cidadãos foram assassinados e desaparecidos; milhares foram presos, torturados e exilados. O crescimento econômico no período deu-se com base no arrocho salarial, na exclusão social e na exploração do trabalho escravo nas áreas rurais e urbanas.
Nosso povo não tardou em reagir: a partir das lutas no campo; das greves operárias; das manifestações dos estudantes; dos movimentos das mulheres; do movimento negro e das periferias urbanas, o povo brasileiro derrotou a ditadura e restaurou a democracia. A partir desta intensa experiência de participação social, o povo tornou-se um sujeito ativo na elaboração da Constituição de 1988, criando as bases de uma nova democracia, na qual os Direitos Humanos foram reconhecidos e políticas públicas definidas de maneira inovadora. Sobre tais alicerces constitucionais, os governos que se seguiram foram beneficiados por ampla parceria com a sociedade civil organizada, na construção de sistemas inclusivos de políticas públicas, democratizantes e indutoras de justiça social.
Este processo político foi acelerado e aprofundado nos governos do Presidente Luis Inácio Lula da Silva e da Presidenta Dilma Vana Rousseff, período que vem conhecendo a ascensão social de mais de 40 milhões de famílias; a redução das desigualdades sociais e regionais; a democratização da saúde e da educação; o reconhecimento da nossa vasta diversidade étnico-racial, territorial e cultural; a superação da fome e da miséria; a construção de políticas públicas para mulheres; para a população LGBT; para crianças e adolescentes e para as pessoas com deficiência e a inclusão social de populações vulneráveis e historicamente excluídas. No âmbito externo, os governos Lula e Dilma se pautaram pela soberania e pela independência na construção de novos espaços de cooperação internacional, na América Latina, na África e no mundo todo.
O povo brasileiro vem, pois, há decadas, construindo uma nova sociedade mais inclusiva e mais solidária, superando a antiga, de matriz injusta e excludente. A reeleição da Presidenta Dilma, em 2014, revelou que as elites não suportaram mais o caminho de deixarmos de ser uma democracia declaratória para sermos uma democracia substantiva; de deixarmos de ser uma democracia representativa para sermos também uma democracia participativa. Para as elites, era urgente voltar à velha ordem; era necessário voltar à matriz colonial.
Passaram, então, a conspirar às escondidas e à luz do dia, em segmentos dos três poderes e com amplo suporte dos meios de comunicação. Para a consecução deste golpe de novo tipo foi estabelecido umtiming e um rigoroso planejamento, seguido à risca até agora pelos participantes – implacáveis na sua execução – utilizando-se de uma narrativa fraudulenta para justificar-se, como, aliás, o fizeram todos os golpistas ao longo de nossa história.
O governo interino ocupa-se, a cada dia, e com urgência vingativa, de suprimir direitos e eliminar políticas públicas; de reorientar a recente inclusão social para a antiga exclusão; de concentrar a terra e permitir sua venda aos estrangeiros; de entregar nosso petróleo aos grandes grupos econômicos; de esvaziar o conceito de trabalho escravo; de reconduzir os setores e militantes populares à invisibilidade e à criminalização. No âmbito externo, a soberania volta rapidamente a transmudar-se em obediência aos poderes globais.
Estamos voltando, assim, a ter um Estado a serviço exclusivo das elites: uma ferramenta novamente dedicada a anular os Direitos Humanos e a promover a desigualdade. Está sendo implementada a decisão tomada de voltarmos, de maneira programada, para a velha matriz colonial. Um Brasil, novamente colonizado e injusto com seu próprio povo, está sendo reconstituído e projetado para o futuro.
Neste contexto, uma secretaria de Direitos Humanos não pode passar de uma instituição feita para iludir e enganar a sociedade civil nacional e internacional – e para legitimar a barbárie. As elites estão golpeando, mais uma vez, nossa democracia e, com ela, os sonhos de gerações por um país menos injusto. No lugar da busca da igualdade, reinstala-se a velha ordem, baseada no egoísmo de classe como programa de governo.
Apesar de tudo afirmamos, fazendo coro com os múltiplos setores democráticos e populares, que na forma de milhares de cidadãs e cidadãos tomam as ruas de nosso país, insurgindo-se contra este retrocesso brutal: “Não vai ter golpe, vai ter luta”.
Brasília, 6 de junho de 2016
Assinam esta carta os seguintes servidores e servidoras da SDH:
Paulo Roberto Martins Maldos, secretário nacional de promoção e defesa dos direitos humanos
Antonio José do Nascimento Ferreira, secretário nacional de promoção dos direitos da pessoa com deficiência
Laerte Dornelles Meliga, diretor do departamento de políticas temáticas dos direitos da pessoa com deficiência
Christiana Galvão Ferreira de Freitas, diretora do departamento de promoção dos direitos humanos
Fernando Antonio dos Santos Matos, diretor do departamento de defesa dos direitos humanos
Paulo Roberto Leboutte, chefe de gabinete da secretaria executiva
Laurenice Alves de Castro, chefe de gabinete da secretaria nacional de promoção dos direitos da criança e do adolescente
Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca, coordenador-geral de segurança, cidadania e direitos humanos
Ana Lúcia de Lima Starling, coordenadora-geral do observatório nacional de direitos da criança e do adolescente
Claudio Augusto Vieira da Silva, coordenador-geral do sistema nacional de medidas socioeducativas
Itajai Oliveira de Albuquerque, coordenador-geral dos direitos do idoso
Ivan Akselrud de Seixas, coordenador-geral do projeto direito à memória e à verdade
Raimundo Nonato Soares Lima, coordenador-geral de centros de referência em direitos humanos
Ricardo Collar, coordenador-geral de planejamento e orçamento
Silvio Silva Brasil, coordenador-geral da comissão nacional de combate ao trabalho escravo
Sueli de Paula Dias, coordenadora-geral da comissão de avaliação
Symmy Larrat, coordenadora-geral de promoção dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais
Thiago Almeida Garcia, coordenador-geral de promoção do registro civil de nascimento
Francisco das Chagas Santos do Nascimento, coordenador da coordenação-geral dos direitos da população em situação de rua
Clarice Gosse, coordenadora da coordenação-geral de educação em direitos humanos
Thais Maria Lemos Ribeiro, coordenadora da coordenação-geral de educação em direitos humanos
Adilson Carvalho, especialista em políticas públicas e gestão governamental
Mariana Bertol Carpanezzi, servidora
Ana Cláudia Beserra Macedo, servidora
Isadora Carvalho de Oliveira, servidora
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Imagem rperoduzida do site da KNH Brasil SECO.
Enviada para Combate Racismo Ambiental por Marcos Albuquerque.