Cresce número de animais ameaçados de extinção no Cerrado e Pantanal

Pesquisadores do Brasil, Portugal e Estados Unidos criticam metodologia da Lista Vermelha da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN) e incluem 141 espécies ameaçadas de extinção

Por Alexandre Kenji, Caroline Carvalho e Norbertor Liberator, em Primeira Notícia

O número de animais do Pantanal e do Cerrado que correm risco de extinção aumentou, de acordo com pesquisa de cientistas do Brasil, Portugal e Estados Unidos. O estudo, publicado em março deste ano, inclui 141 espécies à Lista Vermelha da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN). O Pantanal e o Cerrado são dois dos principais biomas de Mato Grosso do Sul.

O número de animais ameaçados de extinção nos dois biomas aumentou desde a última lista oficial, publicada em dezembro de 2014 pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), na qual constam 137 animais do Cerrado e 28 do Pantanal. A lista anterior, divulgada em 2008, incluía 27 espécies sul-mato-grossenses.

O estudo, realizado pelos pesquisadores Guarino Colli, da Universidade de Brasília (UNB),  Janalee Caldwell, da Universidade do Oklahoma (OU), Joana Ribeiro e Amadeu Soares, da Universidade de Aveiro (UA), afirma que a Lista Vermelha da IUCN, que classifica o risco de extinção de espécies ao redor do mundo, é “insuficiente” e que “fatores complementares são altamente recomendados” para desenvolver ações de conservação de espécies.

Segundo o artigo, publicado na revista Biological Conservation, os dados mais alarmantes estão no Cerrado e o grupo mais ameaçado é o dos anuros, correspondente aos sapos, rãs e pererecas, família menos estudada entre os vertebrados, e que possui papel importante no controle populacional de pequenos insetos transmissores de doenças, por tê-los como alimento.

De acordo com os pesquisadores, o desaparecimento das espécies pode contribuir para a migração de seus predadores a zonas urbanas. “Cerca de 70% dos anfíbios da região estão sujeitos a alto risco de extinção e somente 29 espécies estão protegidas”.

O Cerrado é a maior e mais diversificada savana do mundo. O bioma ocupa 25% do território sul-mato-grossense e apenas 6,48% de sua área são destinados à preservação. Na última Lista Oficial das Espécies da Fauna Brasileira Ameaçadas de Extinção, apenas três anfíbios eram considerados ameaçados, enquanto 22% permaneciam sem dados.

A bióloga e especialista em Ecologia, Maria Helena Andrade afirma que a região do Cerrado é, junto à Amazônia, a mais ameaçada do Brasil, com 72% das espécies em perigo. Segundo ela, um dos principais fatores que contribuem para a ameaça da fauna local é a expansão agrícola. “A expansão das áreas destinadas às agricultura, nos modelos mais comprometedores de produção [monocultura], promove a drástica fragmentação dos habitats, mantendo pequenos refúgios muitas vezes insignificantes para a garantia dos ciclos de vida de muitas espécies”.

A pesquisadora acredita que há pouca preocupação das autoridades com o tema. “A falta de compromisso com a efetiva aplicação das leis no que concerne às políticas ambientais por parte dos gestores públicos, como, por exemplo, a garantia da existência de corredores ecológicos, também acaba por contribuir para a piora das condições desses ambientes”.

Listas Oficiais

A Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN) das espécies ameaçadas foi criada em 1963 e constitui um dos inventários mais detalhados do mundo sobre o estado de conservação mundial de várias espécie de plantas, animais, fungos e protistas. A lista obedece a critérios precisos, para avaliar os riscos de extinção de milhares das espécies e subespécies, pertinentes a todas as espécies e em todas as regiões do mundo.

Na Lista Vermelha da IUCN, as espécies com pouco risco são classificadas como quase ameaçadas, Near Threatened (NT), ou pouco preocupantes, Least Concearn (LC). Se as evidências indicam que a ameaça é elevada, os animais são considerados vulneráveis, Vulnerable (VU). Quando há evidências de extinção em futuro próximo, a classificação dada é em perigo ou Endangered (EN).

A categoria de maior risco é ‘criticamente em perigo’ ou Critically Endangered (CR), que inclui as espécies em situação extremamente ameaçada. As que sobrevivem apenas em cativeiro ou fora de seu habitat são consideradas ‘extintas na natureza’ ou Extinct in the Wild (EW). Quando não há mais registros de uma espécie, ela é classificada como ‘extinta’ ou Extinct (EX).

A mesma metodologia é adotada na Lista Nacional das Espécies da Fauna Brasileira Ameaçadas de Extinção, criada em 1967 pelo Decreto  nº 62.018. O último estudo, realizado entre 2010 e 2014,  por cerca de 1.000 especialista e categorizou 1.173 espécies brasileiras ameaçados de extinção a partir de uma análise ampla de 12.256 animais. Os resultados estão listados nas Portarias nº 444 e nº 445 publicadas pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA).

Os animais em situação de maior vulnerabilidade no Pantanal são a onça-pintada, o cervo-do-pantanal, o jacu-de-barriga-listrada, a ariranha e a anta. No Cerrado, o tatu-bola, o lobo-guará, o tamanduá-bandeira e o macaco-prego.

De acordo com pesquisadores do ICMBio, os principais fatores que contribuem para a ameaça da fauna local são a expansão agropecuária, o elevado crescimento urbano, poluição, incêndios florestais e a caça preventiva e/ou esportiva de alguns animais.

Pantanal

No Pantanal, onde se encontra 25% do território sul-mato-grossense, cerca de 30 espécies de animais correm risco de extinção, de acordo com a lista do ICMBio. Maria Helena Andrade explica que a região tem o ambiente relativamente conservado, com focos de devastação nas áreas de planalto adjacentes ao ecossistema, onde há atividade agropecuária.

Segundo dados do Programa de Monitoramento dos Biomas Brasileiros por Satélite (PMBBS), organismo vinculado ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o Pantanal mantém preservado 83,07% de sua cobertura vegetal nativa.

Apesar do baixo índice de desmatamento da flora pantaneira, a caça e a pesca ilegal, o contrabando de pele de jacarés, lobos-guará, onças-pintadas e ariranhas, o consumo da carne de veados, capivaras e baguás, a pesca predatória e o tráfico de aves, como tuiuiús e araras, são os fatores que mais ameaçam a fauna local.

O diretor-executivo do Instituto SOS Pantanal, Felipe Dias, explica que o Pantanal é um complexo formado pelos biomas da Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica e Chaco, e por isso é extremamente frágil. “A destruição da planície pantaneira, além de prejudicar a qualidade ambiental dos outros biomas, levará a efeitos muito maiores. Causará alterações importantes no clima da América do Sul e, por consequência, mudanças definitivas nas paisagens de maneira geral, afetando diretamente as atividades econômicas e sociais das diversas regiões”.

Consequências

De acordo com Maria Helena Andrade, as consequências de extinção de espécies vão além da perda de animais emblemáticos. Ela representa perigo de pragas, doenças, migração de predadores para regiões urbanas e impactos no solo, no clima e na ocorrência de chuvas. “Um dos efeitos mais imediatos e perceptíveis do desaparecimento de espécies animais é o aumento de suas presas, ou diminuição de seus predadores. Isto, numa determinada escala de tempo, poderá ser catastrófico para inúmeras populações, desequilibrando o ambiente.”.

A migração de espécies selvagens a ambientes urbanos também é uma consequência da degradação dos nichos ecológicos naturais desses animais. “Os centros urbanos acabam se tornando uma possibilidade de refúgio para muitas espécies, particularmente as aves, pela facilidade de locomoção. A fragmentação, a diminuição ou até o desaparecimento dos seus habitats, além da oferta de abrigo e alimento nas áreas urbanas, propiciam o deslocamento para as cidades”.

Para o biólogo da Organização Não Governamental (Ong) Ecologia e Ação (Ecoa), André Restel Camilo, a presença de alguns animais nos ambientes urbanos, como a arara-canindé, não representam migração, e sim que elas estavam naquela região antes dos humanos. “O que acontece é que uma determinada espécie tem uma flexibilidade para conviver com certos distúrbios, como o barulho e os prédios, que são uma estrutura diferente. As araras usam como ninho as palmeiras imperiais e se alimentam da castanha de bocaiuva, que são árvores que existem bastante em Campo Grande”.

O diretor-executivo do Instituto SOS Pantanal, Felipe Dias, explica que a presença de espécies selvagens nas cidades pode aumentar o risco de doenças em animais domésticos, como cães e gatos. A diminuição do habitat propicia a migração de predadores, que gera risco à população urbana, e cita como o exemplo a onça. “O resultado disso é que para os menos informados, passa a imagem que tem muita onça e que ela é um perigo para a população. Portanto, ‘se existe uma população muito grande, vamos caçar'”.

Fora da Lista

O ICMBio categorizou 1.173 espécies a partir de uma análise ampla de 12.256 animais do Brasil para compor a Lista Oficial das Espécies da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção. A partir da categorização, os profissionais descobriram que 88 animais saíram da lista. Entre eles, está a Arara-Azul do Pantanal.

O Instituto Arara Azul tem como objetivo preservar a espécie e promover a conservação da biodiversidade e do Pantanal. A Ong foi criada em 2003 a partir do Projeto Arara Azul, que existe desde 1989.

A diretora executiva do Centro de Sustentabilidade do instituto, Eliza Mense, explica que até a década de 80, estima-se que mais de 10 mil araras foram capturadas pelo tráfico de animais, que se beneficiava da demanda interna e, principalmente, de outros países.

Segundo ela, a situação da espécie se agravou também com a descaracterização de seu habitat. “A arara-azul é muito específica de seus habitats. Elas produzem os ninhos em apenas uma espécie de árvore, o manduvi, e se alimentam apenas de dois tipos de coquinhos específicos, o acuri e a bocaiúva”.

De acordo com a diretora, no início do projeto a população estimada de araras-azuis era de 1.500 indivíduos no Pantanal, e hoje a estimativa é de 6 mil. Uma das formas de conservação da espécie é a criação de ninhos artificiais. Atualmente, o projeto possui 242 ninhos artificiais instalados e 413 ninhos naturais cadastrados.

André Restel Camilo explica que pesquisadores podem reverter o processo de extinção das espécies ameaçadas a partir de dois métodos diferentes. O primeiro consiste em identificar a forma como a espécie vive e sua interação com o meio ambiente no qual está inserido. “Com uma parte desses dados você consegue identificar as características do ambiente que aquela espécie consegue sobreviver, ou pelo menos quais os processos que precisam existir para manter aqueles animais”.

O segundo método é a modelagem, que é uma forma de mapear ou refinar a distribuição de onde o animal está. “Você coleta dados a partir de fórmulas matemáticas, algoritmos que ajudam no estudo das necessidades desses animais. Então você tem as áreas onde a espécie está vivendo melhor e as áreas onde ela está se retraindo. Com isso, você pode melhorar o ambiente ou segurar a devastação. Por exemplo, escolher melhor um lugar para fazer uma estrada, ou fazer uma hidrelétrica, ou para fazer qualquer coisa”.

Anta é um dos 278 animais do cerrado ameaçados de extinção  (Foto: Caroline Carvalho)

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