O caso Lula e os direitos fundamentais no Brasil

Por Leonardo Isaac Yarochewsky, no Justificando

Na última terça-feira (06) foi lançado o livro: O caso Lula: a luta pela afirmação dos direitos fundamentais no Brasil. Coordenado por Cristiano Zanin Martins, Valeska Teixeira Zanin Martins e Rafael Valim, a obra com prefácio de Geoffrey Robertson Q.C. conta com dezoito artigos e foi editada pela Contracorrente.

Logo na apresentação, os coordenadores Cristiano Zanin Martin, Valeska Teixeira Zanin Martins (advogados do ex-presidente Lula) e Rafael Valim (professor da PUC-SP) já se referem ao momento sombrio e de uma ruptura da institucionalidade porque para o Brasil, que ocorre por “obra e graça de alguns magistrados, com apoio decisivo de segmentos da imprensa”. Sem dúvida, como dizem os coordenadores, “trata-se de uma aliança perversa, baseada na manipulação da realidade”.

Lamentavelmente, no Brasil de “tempos sombrios”, a presunção de inocência, como disse Geoffrey Robertson Q. C. (Conselheiro da Rainha) que representa Lula em seu comunicado ao Comitê de Direitos Humanos da ONU, não tem significado, pois a imprensa, em colaboração com o juiz e seus promotores, assiduamente cria uma expectativa em relação à culpa de Lula.[1]

Como bem asseverou Nilo Batista “a imprensa tem o formidável poder de apagar da Constituição o princípio de inocência, ou, o que é pior, de invertê-lo”. [2]

Gisele Cittadino e Luiz Moreira, coautores do livro, em artigo sobre “aliança política entre mídia e judiciário…” asseveram que:

A tentativa de criminalização do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva situa-se justamente no intercruzamento das ações da mídia e do judiciário. Essa associação produz uma narrativa contra o ex-presidente em que a tipificação penal de sua conduta assume papel subalterno, pois importa ao aparato persecutório do Estado puni-lo por método não jurídico, que pode ser designado como justiçamento, porque o ambiente de sua condenação é diuturnamente difundido pela mídia brasileira, sem que lhe seja assegurada possibilidade de defesa.

Para aniquilar aquele que foi eleito inimigo a realidade é mascarada e o sistema jurídico manipulado como tática de lawfare visando a deslegitimação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Referindo-se ao inimigo no direito penal, Zaffaroni assevera que:

O poder punitivo sempre discriminou os seres humanos e lhes conferiu um tratamento punitivo que não correspondia à condição de pessoas, dado que os considerava apenas como entes perigosos ou daninhos. Esses seres humanos são assinalados como inimigos da sociedade e, por conseguinte, a eles é negado o direito de terem suas infrações sancionadas dentro dos limites do direito penal liberal, isto é, das garantias que hoje o direito internacional dos direitos humanos estabelece universal e regionalmente.[3]

Em razão de violações aos direitos e garantias fundamentais, esgotado as vias legais no Brasil, que em julho de 2016 o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva protocolou petição no Comitê de Direitos Humanos da ONU, em Genebra.

Com bem observou o professor Marcelo Neves, um dos autores da coletiva obra,

No contexto de um judiciário extremamente parcial em relação a sua pessoa, só restou ao ex-Presidente Lula reclamar contra o Brasil em uma instância internacional por desrespeito às garantias processuais previstas no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, nos termos das disposições supracitadas na seção I. Não se trata de uma ação meramente política, sem amparo jurídico, como afirmou irresponsavelmente à imprensa, em 1º de agosto de 2016, um membro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Ferreira Mendes (…)

Mais adiante, conclui o mestre Marcelo Neves,

Contra a parcialidade do Juiz Sérgio Moro, em prejuízo dos seus direitos, só restou ao ex-Presidente invocar o Comitê de Direitos Humanos da ONU, que é competente para tratar de Reclamações contra a ofensa por Estados-partes aos direitos e garantias assegurados no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.

Com artigo intitulado “Luz, Câmera, Ação: A espetacularização da operação Lava Jato no caso Lula ou de como o direito foi predado pela moral”, o jurista Lenio Luiz Streck inaugura a obra que segue com artigos do procurador da República e ex-ministro da Justiça Eugênio José Guilherme de Aragão sobre “O risco dos castelos teóricos do Ministério Público em investigações complexas”. O processualista e professor Geraldo Prado com sua pena escreve: “Moro constrange e apequena o Supremo Tribunal Federal”. O coordenador Rafael Valim em coautoria com Pablo Ángel Gutiérrez Colantuono escreve sobre “O enfrentamento da corrupção nos limites do Estado de Direito”. “A aliança política entre mídia e judiciário (ou quando a perseguição torna-se implacável)” foi o tema tratado com maestria pela Professora Dra. Gisele Cittadino e pelo Professor Dr. Luiz Moreira.  Nilo Batista, exímio advogado e Professor titular de direito penal da UFRJ e da UERJ, escreve sobre “Advocacia em tempos sombrios”. Ao juiz Federal e ex-assessor da Comissão da Verdade, Manoel Lauro Volkmer de Castilho coube escrever sobre o “Direito fundamental ao processo justo”. Alvaro Augusto Ribeiro da Costa, ex-Subprocurador Geral da República, teceu “Consideração sobre a investigação criminal, a acusação e o processo penal em face da Constituição Federal”. “A guerra justa de Lula” foi tratado pelo advogado Fernando Tibúrcio Peña.

O jurista Celso Antonio Bandeira de Mello presenteia a todos com artigo sobre “Autonomia e imparcialidade do Poder Judiciário”. “A imparcialidade do Juiz” é tratada por Silvio Luís Ferreira da Rocha, juiz Federal em São Paulo e ex-Conselheiro do CNJ. O juiz de Direito no Rio de Janeiro e autor de vários livros e artigos sobre processo penal, Rubens Casara aborda dentro de uma perspectiva crítica e garantista o tema do “Juiz natural à luz do processo penal do espetáculo: os casos da ‘operação Lava Jato’ e ‘Mensalão’”. A Pós-Doutora e Professora da UFMG Mariah Brachado escreveu sobre “Presunção de inocência e verdade jurídica”. O mestre da criminologia e advogado Juarez Cirino dos Santos com precisão trata da “Utilização da obstrução da justiça como meio de ataque às garantias fundamentais”. Leonardo Isaac Yarochewsky, advogado e Doutor em pela UFMG, dedicou-se ao tema da “Delação premiada como substitutivo da atividade investigativa do Estado”. O genial Professor Marcelo Neves brinda os leitores com “Parcialidade de magistrados, ofensa a direitos humanos e transconstitucionalismo: por que é legítima a reclamação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva perante o Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas?”. Antonio Carlos Malheiros, Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e Professor de Direitos Humanos da PUC-SP e Gustavo Marinho, mestre em Direito Administrativo, escreveram “Considerações sobre o efeito vinculante das deliberações do Comitê de Direitos Humanos da ONU no Brasil”. Fechando, com brilhantismo a obra, Cristiano Zanin Martins e Valeska Teixeira Zanin Martins discorrem com singularidade sobre “O primeiro comunicado individual apresentado por Lula ao Comitê de Direitos Humanos da ONU: considerações acerca de sua admissibilidade”.

Com esta obra em mãos, fora de paixões e interesses políticos partidários, mais acima de tudo em nome da Legalidade Democrática e dos direitos e garantias fundamentais alicerces do Estado Democrático de Direito, o leitor despido de preconceito, atento e crítico poderá verificar o quanto o Estado de direito vem sendo afrontado em nome de um insano e imaginável combate ao crime, notadamente, a corrupção. Não é despiciendo salientar que no Estado de direito os fins não podem, em hipótese alguma, justificar os meios. Fora do Estado Democrático de Direito só há lugar para o Estado de Exceção e fascista.

O livro é sobre “O caso Lula”, mas poderia ser sobre “O caso José”, “O caso Maria”, “O caso João”, “O caso Clarice” ou “O caso…” de qualquer pessoa, na verdade, trata-se do “Caso da democracia brasileira”, trata-se do “Caso do Estado Democrático de Direito”, trata-se, por fim, do “Caso do respeito a dignidade da pessoa humana”.

*Dedico este artigo à advogada Valeska Teixeira Zanin Martins e ao advogado Cristiano Zanin Martins

Leonardo Isaac Yarochewsky é advogado e Doutor em Ciências Penais pela UFMG (um dos autores do Livro “O Caso Lula”)

[1] Em prefácio da obra “O caso Lula”.

[2] BATISTA, Nilo. Punidos e mal pagos: violência, justiça, segurança pública e direitos humanos no Brasil de hoje. Rio de Janeiro: Revan, 1990.

[3] ZAFFARONI, Eugenio Raùl. O inimigo no direito penal. Tradução de Sérgio Lamarão. Rio de Janeiro: Revan, 2007, p. 11.

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