Na Folha
O Brasil está sendo cobrado pela ONU por pretender, com “reformas” das leis trabalhistas e de aposentadoria, transgredir o compromisso internacional, do qual é signatário, de não fazer qualquer retrocesso em legislação de fins sociais e em direitos da pessoa. Já sob cobranças por violação de direitos humanos, o Brasil curva-se à nova desonra com uma peculiaridade: a transgressão vem de um governo sob acusações de delinquência que incluem, além de grande parte do Congresso, o próprio ocupante da Presidência da República. Tudo muito coerente.
Michel Temer conta com as duas “reformas” para receber do poder empresarial o apoio que o mantenha no Planalto até o fim de 2018. Até agora, nenhuma das gravações e acusações abalou esse apoio. É o que o PSDB, na condição de representante político das classes mais favorecidas, confirma com sua recente decisão de continuar aliado a Temer e integrante do governo.
Falada inúmeras vezes, a pressa governista de aprovar as “reformas” é falsa. O Planalto não se move para isso. E seus parlamentares, ou se referem a dificuldades na bancada governista, ou tapeiam com uma atividade inócua. Esticar no tempo é esticar o apoio do poder privado.
Quem pensar a sério na relação entre essas “reformas” e a situação atual do país, não pode fugir à obviedade simples e forte: Temer não tem condições de conduzir reformas nem “reformas”. Sejam condições intelectuais, políticas, morais, e quaisquer outras. É só um fantoche. À espera de que alguém conte os seus feitos ou os silencie por dinheiro.
O Congresso, com mais de uma centena de deputados e senadores pendurados na Lava Jato, não tem condições de examinar, discutir, aprimorar e votar projeto algum que tenha implicações mais do que superficiais. Está demonstrado na combinação do projeto do governo com as contribuições de parlamentares. Coisas assim: acordos entre o patronato e empregados poderiam desrespeitar e sobrepor-se às leis.
Isso é tão ilegal, obtuso e de tamanha sem-vergonhice, que dificulta imaginar-se sua origem em gente de governo e do Congresso. E não é um, não são dois, ou poucos, comprometidos com a criação delirante. Com cada uma delas. São muitos.
No plano da intenção desumana, mesmo a mais simplória das medidas propostas representa o conjunto numeroso. É a redução do tempo vago a título de almoço, de uma para meia hora. Ninguém leva uma hora comendo. O desatino dos proponentes da redução desconhece que a hora é também para descanso, ao fim de quatro horas de trabalho e antes de mais quatro. Não é preciso lembrar do trabalho operário: as quatro horas de pé dos vendedores de lojas fala de uma exaustão que centenas de deputados e senadores jamais sentiram. E se o expediente total não se altera, seja o das atuais oito horas ou das doze propostas, retirar meia hora de descanso não muda o tempo de atividade laboral. A redução do alegado almoço é só uma manifestação a mais da nostalgia escravocrata.
O projeto governamental de “reforma” da Previdência, por sua vez, estava tão carregado de arbitrariedades e desprezo por seres humanos, no original do ministro da Fazenda, que foi estraçalhado por cortes – sem, no entanto, tornar-se inteligente e com alguma sensatez.
Não é preciso acrescentar leviandade alguma às que mantêm a crise. E a agravam a cada dia. Os dois temas das “reformas” não interessam só ao governo e à visão patronal. Revolvem a vida de uns 150 milhões de brasileiros. Ou mais. E isso não é coisa para ser manipulada por Michel Temer e seu grupo de políticos, laranjas, intermediários, corruptores e corrompidos.
–
Imagem: ALAI