Por Eloísa Machado*, especial para o blog do Sakamoto
Veja a seguinte situação (hipotética, claro):
O presidente da República é apontado, em depoimentos obtidos por colaboração premiada, como integrante de organização criminosa instalada em partidos políticos, a partir da qual teria cometido crime de corrupção passiva e tentado obstruir Justiça.
Esses depoimentos, vindos de variadas pessoas de uma empresa, inclusive diretores e donos, são base de um pedido de investigação feito pelo chefe do Ministério Público. Na investigação, constam documentos, agendas e áudio de conversas em particular. O mais alto tribunal do país aceita o pedido de investigação, por vislumbrar indícios de prática criminosa.
Pessoas próximas ao presidente da República são presas, no âmbito de processos que cuidam dessa mesma acusação. Uma delas foi flagrada em vídeo correndo com uma mala cheia de dinheiro, fruto de eventual acerto com a organização criminosa.
O principal delator – e possivelmente testemunha de acusação contra o presidente – concede entrevista para uma revista semanal, repetindo as acusações já feitas em processo, agora na primeira página e em linguagem coloquial. Na entrevista, afirma que o presidente da República é chefe de organização criminosa, um chefe da quadrilha.
O presidente da República reage, dizendo que vai processar a testemunha, penal e civilmente.
Processar uma testemunha com intuito de constrange-la ou dissuadi-la de seu testemunho pode ser uma forma de coação ilegal, uma tentativa de frustrar ou impedir o curso de uma investigação criminal.
O Código de Processo Penal determina, nesses casos, que até pode ser determinada a prisão provisória do acusado, justamente para impedir que interfira nas investigações. Mas, um presidente da República, mesmo investigado, não pode ser preso provisoriamente. O ato, contudo, não deixa de ser uma tentativa de interferir nas investigações.
Isso não significa que as pessoas estão todas sujeitas a qualquer tipo de acusação pública. Aliás, em uma história como essa, ninguém está imune: o delator só mantém os benefícios negociados se não tiver mentido; uma falsa acusação de prática criminosa contra alguém pode ser um crime de calúnia; o envio às autoridades de informação falsa sobre prática criminosa pode ser denunciação caluniosa.
Entretanto, esse não parece ser o caso. O que parece, na verdade, é um presidente da República acusado da prática de graves crimes comuns tentando coagir uma testemunha (o delator), em cadeia nacional e, através de processos, usando seu poder, influência e aparato estatal para se defender pessoalmente.
Imagine quão terrível seria, para a população desse país, para a democracia e para a integridade das instituições, uma situação dessa.
Mas, veja, é apenas um caso hipotético.
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(*) Eloísa Machado é professora da FGV Direito SP, coordenadora do Centro de Pesquisa Supremo em Pauta e membro do Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos.
Ilustração: The Intercept Brasil
Quem vai processar o delator? O Temer (pessoa física) ou o Presidente?
A Presidência da República é uma instituição pública do Estado e não um patrimônio do seu ocupante temporário.
Temer repetirá a Dilma que usou o Ministro da Justiça e depois Advogado Geral da União, José Eduardo Cardozo, para processar o delator?