Três pessoas morreram em São Paulo por conta das chuvas que caíram nesta terça (20). Uma mulher de 85 anos, no bairro do Limão, após um desabamento de casa; uma menina de menos de um ano e nove meses, que teve a residência arrastada por uma enchente na Água Branca; um homem de 43 anos, atingido por uma árvore em Pinheiros.
Desde então, o quase ex-prefeito, João Doria, não teve atividades externas, segundo a Folha de S.Paulo. Ele que gosta de se fantasiar de gari, pintor e afins, dessa vez evitou o constrangimento.
Nada de se vestir de bombeiro e ir visitar as áreas problemáticas na capital paulista. Ou de assistente social e conversar com as centenas de pessoas afetadas. Ou ainda de bombeiro e ajudar a vistoriar as residências em áreas de risco.
Dizem que continua travestido de político tradicional, fantasia que não tirou desde que assumiu a administração municipal, por mais que tente se vender como o ”novo” na política. E, como tal, não mudou o cenário de caos em São Paulo.
De acordo com apuração da Folha, João Doria não tem utilizado a maior parte do dinheiro previsto para obras e manutenção antienchente na capital. No ano passado, a administração Doria gastou apenas 33% do orçado em ação contra enchentes: R$ 275 milhões de R$ 825 milhões. A tendência se repete neste ano: os gastos do tucano com programas de drenagem ficaram bem abaixo do que foi pago até do que com publicidade.
Durante a campanha eleitoral, o atual prefeito não detalhou como faria para evitar deslizamentos, soterramentos, enchentes, inundações dentro, é claro, da competência de sua esfera municipal. Também não tratou de como iria erguer residências em número suficiente para ajudar a reduzir os déficits qualitativos e quantitativos de habitação. Informação que provavelmente é relevante para quem mora em casas que se desfazem e matam quando chove.
Desgraça é desgraça, descaso é descaso, tragédia é tragédia.
Desgraças acontecem, mas parte delas poderia ser prevenida, planejada, antecipada, informada, discutida, pitacada, pois não são novidade. Quando a desgraça poderia ser evitada ou mitigada, ela vira descaso e pode, inclusive, ser alvo de responsabilização judicial. Ou, ao menos, eleitoral. Se a nossa cidadania fosse exercida de fato.
Mas tragédia mesmo é o fato de um homem nu, em uma performance artística dentro do Museu de Arte Moderna, gerar mais atenção por parte do prefeito de São Paulo do que as três mortes de moradores causadas pelas chuvas.
Um pinto vale mais dos que três mortos por aqui.
Em setembro do ano passado, em um vídeo que divulgou sobre a performance, João Doria disse que ”tudo deve obedecer um limite”.
Concordo. Por exemplo, a paciência de parte dos paulistanos que, ao contrário de mim e do prefeito, vivem em residências ou em áreas de risco, já deve ter ultrapassado o tal limite.
Para além dos problemas ocorridos em residências e áreas precárias na região do centro expandido da cidade, a periferia é quem mais sofre com as chuvas. Ao longo do tempo, a especulação imobiliária foi expulsando os mais pobres para regiões cada vez mais arriscadas e sem o mínimo de infraestrutura, como encostas de morros e nascentes de rios. E, por lá, eles sofrem quando a falta de planejamento e de efetivação de direitos desaba sobre eles. Especulação imobiliária que não foi combatida pela atual administração, pelo contrário, foi sua aliada.
Em 2012, diante a da previsão de chuvas fortes, um profissional do Instituto Nacional de Metereologia ouvido em uma matéria da Folha de S.Paulo afirmou: ”Colocam a culpa na meteorologia, mas nós avisamos com antecedência. Se os governantes não tomarem providências, todo ano vai ser a mesma coisa: enchentes, carros boiando, deslizamentos”.
Providências que não incluem apenas um sistemas de alerta decente, para fazer circular informação rápida e efetivamente horas, dias ou semanas antes de um fenômeno natural – o que já existe em muitos países. Mas também a execução de políticas decentes de habitação, saneamento, contenção de encostas, dragagem de rios, limpeza de vias, campanhas de conscientização quanto ao lixo.
Ao mesmo tempo, o Brasil tem ignorado, há anos, em seus planejamentos os estudos e relatórios internos que mostram que as mudanças climáticas já afetaram, de forma definitiva, nosso regime hídrico. E o poder público joga para a população o preço, econômico e social, dessa incompetência ou cara de pau.
Em nota, a gestão João Doria afirmou que as chuvas “foram consideradas muito acima da média”. Mas, como me disse um especialista em mudança climática do governo federal, a média não é mais aquela que temos como referência.
Não precisamos de governantes otimistas, que acreditam na possibilidade de chover menos, ou de administradores religiosos, que rezam por uma trégua dos céus, terceirizando a responsabilidade para Deus. E sim de gente realista, que tem o perfil de alguém que espera sempre o pior e age preventivamente, não culpando as forças do universo pelo ocorrido, muitos menos a estatística e a meteorologia.
E, principalmente: alguém que está presente quando a população precisa dele.
João Doria em São Paulo, assim como Marcelo Crivella, no Rio (outro que foi criticado por estar longe enquanto a cidade virava mingau), assumiram há pouco mais de um ano. Sejamos justos, o problema não surgiu com eles, também deve entrar na conta dos que vieram antes – Fernando Haddad, Eduardo Paes e seus antecessores. Mas o que os atuais ”gestores” poderiam ter feito, não fizeram, pelo menos não de forma correta e suficiente. Tornam-se, assim, tão responsáveis quanto seus antecessores.
Deveríamos trocar a data das eleições municipais, pelo menos no Sudeste do país, para o primeiro trimestre de cada ano – quando as chuvas são mais frequentes. Dessa forma, os eleitores se lembrariam que a cidade deles se transforma, anualmente, em uma tigela de lama, água ou esgoto.
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Ponto de alagamento na região central de São Paulo. Foto: Nelson Antoine/Folhapress