por José Tadeu Arantes, em Agência FAPESP
Em contraste com exposições sobre temas matemáticos altamente abstratos, uma palestra focada na questão social de gênero destacou-se no Congresso Internacional de Matemáticos (International Congress of Mathematicians 2018 – ICM 2018), que se realiza até 9 de agosto no Rio de Janeiro. Foi a fala de Marie Françoise Ouedraogo, professora do Departamento de Matemática da Université de Ouagadougou, em Burkina Faso, e presidente da African Women in Mathematics Association (AWMA).
Doutorada pela Université de Ouagadougou, na capital de Burkina Faso, com tese sobre as superálgebras de Lie, Ouedraogo fez pós-doutorado sobre operadores pseudodiferenciais na Université Blaise Pascal, na França. Dedica, atualmente, grande parte de seu tempo e energia para motivar e encorajar as mulheres africanas no estudo da matemática, confrontando toda uma pressão social em sentido contrário.
“Fui a primeira e, durante muito tempo, a única mulher no Departamento de Matemática da Université de Ouagadougou, onde ensino. Por isso, a African Mathematical Union convidou-me a criar e dirigir uma comissão com o objetivo de contatar as outras mulheres matemáticas dos vários países da África”, disse Ouedraogo à Agência FAPESP.
A tarefa era grande e, para poder executá-la, a comissão decidiu promover workshops nas cinco regiões africanas. “No primeiro, realizado em 2012 na Université de Ouagadougou, surgiu a ideia de criar uma associação, que foi efetivamente criada um ano depois, no segundo workshop, na Cidade do Cabo, África do Sul. Foi assim que nasceu a AWMA”, disse
A pesquisadora explicou que as mulheres matemáticas africanas estavam muito isoladas, inclusive com pouco acesso à internet. E que a AWMA se tornou o canal por meio do qual elas puderam se conhecer e compartilhar experiências.
“Ainda não nos conhecemos todas, mas temos atualmente mais de 300 mulheres matemáticas associadas, de 30 países diferentes, tanto da África Subsaariana quanto da África do Norte [a África é composta por 54 países]. Agora, por exemplo, em função da realização do ICM 2018, enviamos informes a todas as associadas, para que elas pudessem se inscrever e participar”, disse.
Além de conectar as associadas por meio de informes e de seu website, a AWMA organiza seminários, conferências e workshops em várias instituições de ensino e pesquisa africanas. Mas, principalmente, promove ações nas escolas de ensino fundamental e médio para motivar e encorajar as jovens alunas para a matemática.
“Existe uma grande oposição dos pais. Eles não compreendem por que suas filhas deveriam se interessar pela matemática. Para eles, o destino da mulher é casar, ter filhos e cuidar da casa. Poderia, quando muito, dedicar-se a estudos de curta duração, para ter uma profissão e um emprego. Mas não a estudos de longa duração, cuja finalidade escapa ao seu entendimento”, disse.
Ouedraogo contou que, mesmo entre os meninos e jovens do ensino fundamental e médio, existe a ideia de que as meninas não deveriam se dedicar à matemática. “Eles acham que a matemática é para os homens, que, na sua opinião, são mais inteligentes. Existe toda uma pressão social destinada a desencorajar e minimizar as mulheres”, afirmou.
“Várias matemáticas da África Oriental me disseram que, em um dado momento, tiveram que interromper seus estudos para atender à expectativa social, casar e ter filhos. Depois de alguns anos, por terem maridos compreensivos, puderam retomar os estudos e a carreira em matemática. Mas isso as deixou bastante defasadas em comparação com os homens, que continuaram estudando”, disse.
Ouedraogo afirmou que o maior empenho da AWMA é para desmontar esse padrão social adverso. Paralelamente aos seminários, conferências e workshops, a associação está preparando atualmente um material informativo sobre mulheres-modelo em matemática com o objetivo de inspirar as meninas e jovens alunas.
Além de seu trabalho na pesquisa e promoção da matemática, ela exerceu um cargo público entre 2005 e 2008, como secretária permanente da Política Nacional de Boa Governança, dedicada a combater a corrupção em Burkina Faso, especialmente no domínio dos transportes públicos.
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Marie Françoise Ouedraogo, presidente da African Women in Mathematics Association, fala das pressões sociais enfrentadas por mulheres africanas que decidem se dedicar à matemática (foto: José Tadeu Arante | Agência FAPESP)