Representantes do governo brasileiro ignoram denúncias de violação de direito à autodeterminação dos povos indígenas isolados e atacam críticos
Por Michelle Calazans, no Cimi
O Diálogo Interativo em grupo com o Relator Especial sobre os direitos dos povos indígenas e o Mecanismo de Especialistas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (EMRIP) abordou nessa quarta-feira, dia 19 de setembro, em evento da Organização das Nações Unidas (ONU), na Suíça, a dramática situação vivida no Brasil pelos povos indígenas em situação de isolamento voluntário. Apesar de os dados apresentados denunciarem a total fragilidade na proteção desses povos, representantes do Estado brasileiro não se pronunciaram sobre o assunto e ainda criticaram as publicações do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e o trabalho da relatora Especial da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz.
Em declaração conjunta, o Cimi e a Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam), ressaltaram a necessidade de garantir o direito à autodeterminação dos povos indígenas isolados, pelo respeito à sua livre decisão e ao tipo de relações que desejam estabelecer com outros grupos, bem como na defesa e garantia dos territórios que habitam: “As notícias sobre o assassinato de pessoas, ou massacres no Vale do Javari e na Terra Yanomami, no Brasil, mostram a grave violência a que estão expostos, mesmo dentro de áreas protegidas”.
O Cimi e a Repam afirmam que as atuais políticas voltadas a esses povos isolados são absolutamente insuficientes para garantir suas vida e seu futuro. Para as entidades, é essencial redobrar os esforços dos Estados e organizações internacionais para: reconhecer oficialmente a existência de povos isolados; garantir a proteção territorial e a adoção do princípio da precaução, tanto como obrigações inalienáveis; estabelecer mecanismos de cooperação bilateral nos lugares onde os territórios são transfronteiriços; estabelecer um diálogo transparente com as comunidades envolvidas, organizações indígenas e sociedade civil.
O Secretário Executivo do Cimi, Cleber César Buzatto, questionou a postura do governo brasileiro e de seus representantes. Para Buzatto, em vez de somar esforços para responder as denúncias feitas por organizações da sociedade civil junto a instâncias multilaterais de direitos humanos, o Estado brasileiro deveria se preocupar com a situação dos povos indígenas do Brasil, que sofrem intenso e violento ataque de setores vinculados aos interesses do agronegócio.
“O Cimi reitera as denúncias feitas junto ao Conselho de Direitos Humanos da ONU e exige providências efetivas do governo brasileiro para revogar o Parecer 001/17 da AGU/Temer, destravar os procedimentos de demarcação das terras indígenas e proteger as terras demarcadas contra o ilegal esbulho possessório cada vez mais flagrante país afora”.
A fala conjunta do Cimi e do Repam também reiterou o posicionamento do Papa Francisco ao advertir que a presença de povos isolados “nos lembra que não podemos dispor dos bens comuns ao ritmo da ganância do consumo”, destacando que a defesa da vida desses povos é também a defesa do futuro da Amazônia e de tudo o que representa para a Humanidade e para o Planeta.
“Esse estudo faz uma revisão crítica dessas práticas, encorajando todos os atores a adotar uma interpretação substantiva dos direitos humanos”.
A presidente-relatora do Mecanismo de Especialistas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, Erika Yamada, apresentou o estudo “Consentimento Livre, Prévio e Informado: Uma abordagem baseada em direitos humanos”, bem como o relatório anual do mecanismo ao Conselho de Direitos Humanos, referente ao período de agosto de 2017 a julho de 2018. “Nosso estudo destaca a base dos direitos humanos para o Consentimento Livre, Prévio e Informado, amplamente fundamentado no direito à autodeterminação e discriminação racial”.
Segundo Erika Yamada, a falha em levar em conta os próprios modos dos povos indígenas de gerir seus territórios mina o direito de autodeterminação. “Estamos todos cientes das muitas práticas de Consentimento Livre, Prévio e Informado, que existem nos setores privado e financeiro, nos Estados, dentro da ONU e de suas agências. Os próprios povos indígenas têm seus próprios protocolos sobre consentimento livre, prévio e informado. Este estudo faz uma revisão crítica dessas práticas, encorajando todos os atores a adotar uma interpretação substantiva dos direitos humanos. Tal interpretação evitaria um foco estreito em etapas processuais, em vez de uma participação genuína dos povos indígenas afetados”, esclareceu.
O estudo conclui, explica a presidente-relatora do Mecanismo de Especialistas, com conselhos de medidas que os Estados, povos indígenas e outras partes interessadas podem tomar para implementar o Consentimento Livre, Prévio e Informado. Esse aconselhamento inclui: o estabelecimento de um mecanismo regulador a nível nacional, que deve ser consultado em si; o estabelecimento de pré-condições para obter consentimento livre, prévio e informado, como a criação de confiança e métodos de negociação culturalmente apropriados; e, principalmente, garantir que o consentimento seja sempre o objetivo das consultas.
A relatora Especial da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, destacou que, no exercício de seu mandato, observado a escalada preocupante nos ataques, criminalização e ameaças contra os povos indígenas que estão defendendo seus direitos de proteger suas terras, territórios e recursos, decidiu dedicar o relatório temático ao Conselho sobre este assunto. “Essas violações estão ocorrendo no contexto da competição intensificada e exploração de recursos naturais. Grandes projetos de desenvolvimento estão causando danos irreparáveis ao nosso meio ambiente e aos recursos naturais dos quais os povos indígenas dependem para sua sobrevivência”, concluiu.
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Foto: Funai