Questão será debatida pelo Supremo Tribunal na tarde desta quinta-feira (28). Julgamento trata da validade de lei do RS sobre sacrifício de animais em ritos das religiões de matriz africana
Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC/MPF)
A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal, encaminhou a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) exemplares da publicação “Livre Exercício dos Cultos e Liturgias das Religiões de Matriz Africana”.
O material foi lançado hoje (28) durante a audiência pública “Tradição Alimenta Não Violenta”, promovida pela na Câmara dos Deputados. A publicação reúne notas técnicas, portarias e levantamentos realizados pela PFDC acerca da laicidade do Estado e do combate à violência religiosa – matéria que será debatida pelo plenário do STF na tarde desta quinta-feira, durante a análise do Recurso Extraordinário 494.601/RS.
O recurso foi apresentado ao Supremo pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) se posicionando contrariamente a mudanças na lei estadual de proteção animal. A legislação garante às comunidades tradicionais a manutenção de seus cultos e liturgias envolvendo o abate de animais. Para o MP/RS, entretanto, o texto ofenderia o princípio da isonomia, ao tratar como exceção apenas cultos de matriz africana. Em 2005, a ação foi julgada improcedente pelo Tribunal de Justiça do estado, o que levou o MP/RS a apresentar o recurso que está na pauta de hoje do STF.
Na publicação elaborada pela PFDC há, entre outros materiais, a íntegra do estudo “Estado laico e combate à violência religiosa”. O levantamento foi produzido em 2018 e traz um mapeamento, em nível nacional, de casos de depredação e violência em terreiros de religião de matriz africana.
“Apesar de a Constituição determinar que o Estado deve assegurar o livre exercício dos cultos religiosos, protegendo seus locais e liturgias, denúncias apontam que indivíduos e comunidades religiosas afro-brasileiras estão submetidos à sistemática perseguição”, destaca o texto, produzido no âmbito da Relatoria sobre Estado Laico e Combate à Violência Religiosa, da PFDC.
O documento aponta que, embora o Estado brasileiro seja signatário de compromissos como a Convenção Internacional sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial e a Convenção Sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, a violência contra religiões afro-brasileiras é sistemática e de crescimento progressivo.
“Ameaças, agressões morais e físicas, invasões de terreiros, incêndios, expulsões de comunidades, assim como homicídios fazem parte do cotidiano das comunidades religiosas de matriz afro-brasileira”, destaca o estudo.
O material revela que o estado do Rio de Janeiro, ao lado do estado de São Paulo, figura entre os líderes no ranking nacional de denúncias. Os dados coletados revelam que a violência praticada por motivos religiosos na localidade não para de crescer: em 2018, houve um aumento de 56% no número de casos de intolerância religiosa, em comparação aos quatro primeiros meses de 2017. Números coletados junto à Secretaria de Direitos Humanos e Políticas para Mulheres e Idosos (SEDHMI) do Rio de Janeiro revelam que, do início de 2017 até 20 de abril de 2018, foram contabilizados 112 casos. Ainda de acordo com a Secretaria, a capital carioca concentra 55% dos casos, seguida por Nova Iguaçu (12,5%) e Duque de Caxias (5,3%).
Relevância do debate no STF – Durante a audiência promovida pela Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados, a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, destacou a relevância do julgamento que acontece na tarde de hoje no STF. “É preciso estarmos atentos ao fato de que a religião não é um aspecto menor nesse julgamento. A religião é um fator extremamente importante de organização da vida coletiva, de territorialidade e de segurança nutricional”.
Para a PFDC, qualquer interferência externa, principalmente de um órgão de justiça, sobre o modo como se desenvolve essa religião é uma forma de desorganização potencial desses grupos e de práticas religiosas. “É muito importante, portanto, o Supremo Tribunal Federal ter a percepção da capacidade de influir na própria existência desses povos e comunidades”, ressaltou.
Também presente ao diálogo, o procurador da República Jaime Mitropoulos ressaltou a importância da temática: “é necessário que deixemos de olhar para essa questão com hipocrisia, sob risco de estarmos perpetuando o racismo estrutural que atravessou e continua atravessando nossa história”.
Mitropoulos é o responsável pelo estudo “Estado laico e combate à violência religiosa”, que, além de dados sobre violência religiosa, traz um balanço histórico sobre a questão, informações sobre políticas públicas na área e exemplos de boas práticas já implementadas por órgãos do poder público em diferentes regiões do país.