Por Mônica Raouf El Bayeh, em Um dedo de prosa/Extra
“Quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher, fique à vontade”, disse Bolsonaro, o presidente (AQUI). Fui conferir, incrédula, e era isso mesmo. Com a alma enojada preciso desabafar.
Sr Presidente,
Não sei se é do seu conhecimento, mas ser mulher, no Brasil, já era difícil o suficiente sem a sua ajuda.
Somos o quinto país em mortes violentas de mulheres no mundo. A cada duas horas, uma mulher é assassinada. Fora o crescimento da quantidade de casos de estupro.
Um total de onze mil novecentos e cinquenta casos por ano. Pelo menos trinta e dois casos de estupro por dia, fora as mulheres que, por vergonha, não procuram a delegacia.
A gente tem medo. Medo de não voltar. Medo de andar na rua. Medo dos transportes lotados. Medo dos olhares invasivos e das atitudes abusivas dos homens sem noção.
Já somos olhadas como objeto. Como seres inferiores com a única função de servir. Simples objeto de prazer deles. Somos vistas como corpos sem dono. Eles acham que podem falar o que quiserem, apalpar o que decidirem, gozar se tiverem vontade. Sem nosso consentimento.
Agora, como se a realidade já não fosse perigosa o suficiente, para piorar, vem o presidente com essa frase.
– Quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher, fique à vontade.
Fique à vontade? Que isso? O país foi transformado num imenso puteiro? É um claro incentivo à prostituição. A gente é o quê para ser oferecida dessa forma? Sua fala é nojenta. É constrangedora. Apesar desse tipo de declaração sua não me surpreender, sinto vergonha alheia da sua pessoa.
Sou mulher. Sou brasileira. Estudei. Trabalhei e trabalho pelo meu sustento. Eduquei meus filhos para que sejam honestos e sem preconceitos. Não estou à disposição de homem nenhum que queira fazer sexo. A não ser que eu assim decida e escolha.
Meu corpo, meu desejo, meus direitos. Fique à vontade? Fique à vontade uma pinoia. Fique à vontade coisa nenhuma. Não sei com que tipo de mulheres o senhor convive, mas certamente, não faço parte desse cardápio. Como mulher e como ser humano, exijo respeito.
O Brasil não pode ser conhecido como turismo gay? E como país de prostituição pode? Está nos oferecendo em troca de que? Quando foi que meu corpo virou moeda de troca?
Turismo gay, presidente, é dinheiro garantido entrando no país. Gays são criativos, divertidos, animados . Qual é o seu problema?
Não quer turismo gay porque” temos famílias”? Só para esclarecer, rapidinho, todo mundo tem família. Homens, mulheres, gays, trans, ricos e pobres, de toda cor. Ninguém nasceu de chocadeira. Família todo mundo tem.
Falando sobre famílias, olhe bem para a sua antes de julgar a dos outros. Quantas mulheres já teve? Quantos filhos de cada casamento? Brigas, traições, processos, fraquejada. Só porque é sua, serve? Isso é a família tradicional? Seu histórico depõe contra sua pessoa.
Família é ninho. É quem acolhe. Onde se chega quando a asa cansa. Onde se chora e recebe abraço para confortar. Família é isso. Como é formada? Como puder. Como cada um quiser. Duas mães, dois pais, uma mãe solo, uma mãe e uma avó. Sei lá. Não importa e não é da sua conta.
A massa quer uma tendência tradicional, o senhor diz. Grande engano. A massa está se lixando para isso. A massa quer trabalho digno. Quer ser respeitada em seus direitos. Quer comer sem ser envenenada com agrotóxicos.
A massa quer segurança. Quer o direito de pensar, questionar. Quer saúde. A massa quer respeito. Que não metam a mão ao dinheiro dos seus impostos. Que parem de usar laranjas, funcionários fantasmas e empregar amigos e parentes.
A massa está de saco cheio da destruição da educação pública. Dessa corrupção que corre solta e dessa justiça injusta na qual ela já não acredita mais. Das ameaças de acabar com faculdades importantíssimas como filosofia e sociologia. Do descaso com tudo o que é público.
Sem falar no fim do EJA( educação para jovens adultos que trabalham durante o dia e só podem estudar de noite). A massa enxerga essa tentativa de emburrecimento da população. A massa está calejada de só perder direitos.
Fiquem à vontade? Incentivar, de cara limpa, o turismo sexual no país é de uma falta de ética, de moral e de senso sem tamanho.
Não é à toa que as taxas de criminalidade com a mulher aumentaram este ano. Parece haver um certo ar de agora pode tudo. Não pode, não. Não estamos à disposição de quem quiser vir. E merecemos, sim, desculpas.
Porque um presidente tem que ter postura e respeito a TODA a população. Tem que saber o que fala. E as consequências que isso pode causar. O povo espera desculpas. É o mínimo que pode acontecer.
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Mônica é carioca, professora e psicóloga clínica. Especialista em atendimento a crianças, adolescentes, adultos, casais e famílias. Perita judicial.
Enviada para Combate Racismo Ambiental por Zelik Trajber.
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