Previdência: três verdades que o governo esconde

Estado brasileiro contribui muito menos, com a Seguridade, que outros. Há vasto espaço para elevar a parcela dos empresários. E desequilíbrios relevantes foram sanados em mudanças anteriores, que já começaram a surtir efeito

por Róber Iturriet Avila, em Outras Palavras

O debate sobre previdência sempre suscita paixões e ideologias. No afã de ganhar no grito, vários números são jogados de maneira distorcida e desonesta. Abaixo são elencados alguns pingos nos is.

É preciso reconhecer que os gastos previdenciários vêm crescendo acima da variação do PIB desde 1997 e essa trajetória não é sustentável. Além disso, é verdade que a partir de 2024 haverá um aumento da população dependente derivada da ampliação da expectativa de vida e do envelhecimento populacional. Também é fato que gastamos mais em previdência do que alguns países que possuem mais idosos do que há aqui.

Entretanto, diz a Constituição que cabe ao Estado uma parte do financiamento da previdência, o que não é uma peculiaridade do Brasil. França, Alemanha, Bélgica, Espanha e Portugal, por exemplo, têm contribuições estatais muito superiores ao Brasil para financiar a previdência. Atualmente, a União entra com aproximadamente 22% da despesa. Essa fatia passa de 50% na Suécia, na Irlanda, na Dinamarca e no Reino Unido.

Não é honesto que nos documentos oficiais do governo sobre a reforma esteja o resultado negativo atual para justificá-la. Desde 2015, o País está em um período de recessão ou estagnação econômica, isso quer dizer que as receitas fiscais e previdenciárias caíram muito, ao passo que despesas, como seguro-desemprego, aumentaram. São fatores conjunturais e o debate sobre previdência deve ser de longo prazo.

Há que considerar que atualmente 30% das receitas da União são desvinculadas. Parte delas é para financiar a previdência e está sendo distribuída para outros fins. Adicionalmente, no governo Dilma, o executivo enviou propostas de desonerações e o Congresso Nacional as ampliou a diversos setores, o que contribuiu para a redução das receitas previdenciárias. Tal fato torna ainda mais desonesto o debate a partir do quadro atual da Previdência, que apresenta números muito ruins.

Parte da desonestidade no discurso oficial diz respeito aos argumentos sobre os servidores públicos. O Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), de fato, foi origem de ampliação de desigualdades e garantia de privilégios. Entretanto, já houve seis alterações constitucionais na previdência desde 1988. Em 2003, aqueles servidores públicos que recebem acima do teto do INSS, passaram a contribuir perpetuamente com uma alíquota de 11%, mesmo após a aposentaria (E.C 41/03). Essa contribuição foi fundamental para corrigir distorções, além de gerar receitas para a União. As propostas de ampliação desta alíquota para 14% e o estabelecimento de alíquotas progressivas são razoáveis. Além disso, os servidores públicos federais que entraram após 2003 não se aposentam com a integralidade de seus salários e não há mais paridade entre os servidores ativos e inativos. Dessa forma, é falsa a afirmação que acabarão com a integralidade.

Já os servidores de todos os poderes que ingressaram após 2012, com exceção dos militares, estão limitados ao teto do INSS, tal qual o setor privado (E.C. 70/2012). Isso é válido inclusive para Ministros do STF. Caso queiram obter uma aposentadoria maior, devem contribuir separadamente. Essa última alteração, ocorrida no governo Dilma, foi muito relevante no sentido de equalizar os regimes previdenciários no Brasil.

Dessa maneira, há um ajuste de longo prazo em curso na previdência dos servidores públicos e a despesa desses em percentual do PIB é declinante desde 2003. A partir de 2024 alguns resultados mais expressivos devem aparecer, haja vista que a parcela de servidores que se aposentaram no sistema antigo vai diminuir. No que toca aos estados e municípios, muitos já aderiram a esse sistema e aqueles que não aderiram, devem fazê-lo.

Temos um problema mais sério nos militares. Eles contribuem com um percentual menor, por menos tempo e se aposentam com salários maiores. Há paridade e integralidade e a proposta na mesa não busca acabar com esses direitos que os demais servidores não possuem há 16 anos. Há propostas de ampliação do tempo de contribuição e também de alíquotas previdenciárias, que continuariam mais vantajosas do que são para todos os demais cidadãos. Eles são poucos, mas a participação nas despesas é muito mais do que proporcional. De toda forma, o famoso direito a pensão de filhas solteiras deixou de valer para quem entrou após 2001. Há previsão de cobrança de alíquotas sobre tais pensionistas, que são bem-vindas.

Tínhamos excessos no sistema de pensões, que precisam mesmo de correção. Entretanto, mais uma vez, já houve reformas e seu resultado virá em longo prazo. Em 2015, o direito a pensão vitalícia passou a ser apenas para quem possui mais de 44 anos de idade. Já para um dependente de 21 anos, por exemplo, a pensão dura apenas três anos.

A despesa com o Benefício de Prestação Continuada deve sair do debate previdenciário. Trata-se de uma política pública assistencial, sem contrapartida contributiva. É um pacto social que não deixemos os idosos morrer de fome, eles recebem um salário mínimo e somam hoje quase 5 milhões. A despesa deve ser coberta 100% com recursos da União e o “déficit” é de 100%.

A aposentadoria rural é também, em grande medida, uma política assistencial. Não há exigência de contribuição, apenas de comprovação de que houve atividade no campo. Trata-se de uma compensação histórica efetuada aos trabalhadores deste segmento, haja vista que eles não possuíam direitos trabalhistas e previdenciários até 1988. Mas temos quase 10 milhões de aposentados rurais atualmente, quase todos recebem um salário mínimo e não cabe falar em “déficit”. A despesa é quase integralmente coberta com recursos da União, porque assim foi pactuado no passado. Se há desejo da sociedade alterar esse direito, que seja discutido, mas que se tire da conta esse “déficit”.

Isso tudo posto, fica evidente que o aperto proposto nos trabalhadores urbanos é excessivo. Até pouco tempo atrás, o resultado previdenciário deste setor estava positivo. Eles compõem a esmagadora maioria da população brasileira e 2/3 desses se aposentam com um salário mínimo. Não é possível considerar “o déficit previdenciário” como um todo, dadas todas as informações expostas acima.

Estabelecer uma idade mínima de 65 anos para homens e 62 para as mulheres, com ampliação progressiva a partir de alterações demográficas é um absurdo em um país tão heterogêneo como o Brasil. Há regiões em que a expectativa de vida é próxima a isso e há outras regiões em que as pessoas vivem muito mais. Uma regra uniforme e um corte tão elevado de idade é perverso com aqueles que começam a trabalhar antes e com quem vive menos (os mais pobres).

A proposta de regime de capitalização é indizível. Representa um rebaixamento previdenciário muito expressivo para a grande maioria dos contribuintes. Possui um custo de transição extremamente elevado e 60% dos países que adotaram voltaram atrás.

O debate público precisa ser mais honesto e verdadeiro. É preciso considerar os ajustes já efetuados, separar mais as contas e os tipos de previdência, considerar as desonerações efetuadas, levar em conta o quadro conjuntural e estabelecer regras menos duras com alguns cidadãos. Os excessos do passado em pensões e nos servidores públicos já estão em correção. Não podemos punir as gerações presentes e futuras pelas regras anteriores, as quais já foram corrigidas, mas seus resultados contábeis ainda não são plenos.

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