Por Cristiane Prizibisczki (O Eco) / Amazônia.org
As críticas feitas na manhã desta sexta-feira (16) pelo Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ao Fundo Amazônia causaram perplexidade e indignação não só em ambientalistas, mas também nos envolvidos no próprio âmbito do Fundo.
Em coletiva realizada na sede do Ibama em São Paulo, Salles afirmou que, após análise realizada pela pasta em ¼ dos 103 projetos apoiados pelo Fundo Amazônia – cerca de 30 contratos –, foram encontradas “irregularidades” e “inconsistências”. “Há problemas em 100% dos contratos de ONGs”, disse o mandatário da pasta ambiental.
Entre as irregularidades elencadas por Salles estariam: alto percentual de contratos sem licitação, falta de comprovação das atividades, folhas de pagamento que consomem a maior parte do valor dos contratos, prestação de contas incompletas e contratos com entidades impedidas de fechar contratos com o estado. O ministro, no entanto, não citou quais são os contratos, nem os contratados, tampouco informou como foi realizada a análise e quem foi responsável pelo trabalho de verificação. ((o))eco solicitou ao MMA resposta a tais perguntas, mas não obteve retorno até o fechamento da matéria.
O Fundo Amazônia é gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e tem R$ 1,9 bilhão em projetos sobre redução de emissões de gases de efeito estufa provenientes do desmatamento e da degradação florestal. Noruega e Alemanha são os maiores doadores do Fundo. Na coletiva, Salles afirmou que já se reuniu com os embaixadores destes países e que eles concordaram em realizar mudanças na gestão do Fundo. “Todos entendem que as mudanças são necessárias”, disse o ministro.
Procurada por ((o))eco, a embaixada da Alemanha no Brasil, no entanto, negou que tenha sequer conversado com o MMA sobre o assunto e que, apesar de ter solicitado encontros com o Ministério, ainda não foi atendida. “A [embaixada da] Alemanha não tem sido envolvida, nem informada sobre os resultados da análise realizada pelo MMA. Ainda nem teve conversas sobre qual mudanças em detalhes o governo brasileiro está propondo, então não podíamos formar uma opinião sobre o assunto. Nós já solicitamos encontros com o MMA para obter mais informações, mas estamos ainda aguardando uma resposta”, disse a primeira secretária da embaixada, Damaris Jenne, por e-mail.
Quem também negou que tenha se envolvido na análise apresentada por Salles foi a Controladoria Geral da União (CGU). À Folha, o órgão afirmou: “A CGU não efetuou testes de auditoria sobre esses contratos ou avaliou os resultados que serão apresentados. As conclusões são de exclusiva responsabilidade do MMA”.
A embaixada da Noruega, maior doador do Fundo, publicou uma nota agora a tarde informando que o país está satisfeito “com a robusta estrutura de governança do Fundo Amazônia e os significativos resultados que as entidades apoiadas pelo Fundo alcançaram nos últimos 10 anos”. A embaixada nega que tenha recebido alguma proposta de autoridades brasileiras para alterar a estrutura de governança ou os critérios de alocação de recursos do Fundo.
“Estamos sempre abertos a discutir propostas que possam melhorar a eficiência e o impacto do Fundo, e esperamos receber informações sobre a avaliação do Fundo Amazônia pelo Ministério do Meio Ambiente, incluindo quais métodos e padrões técnicos a análise utilizou”, informaram.
Irresponsabilidade
Para a assessora do Instituto Socioambiental (ISA) e especialista em políticas públicas, Adriana Ramos, as declarações de Salles são irresponsáveis e “demonstram que o governo está em uma cruzada ideológica contra as ONGs e movimentos sociais que defendem o meio ambiente”. Ramos foi representante da sociedade civil no comitê gestor do Fundo Amazônia.
Segundo ela, nunca houve nenhum tipo de reclamação ou resultado negativo de avaliação do Fundo, seja por parte das avaliações independentes ou auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU). “O ministro faz ilações sem apresentar nada concreto, inclusive sem apresentar parecer da CGU ou metodologia de avaliação. O Comitê do Fundo também não foi [o responsável pela análise apresentada], porque ele sequer foi reunido depois que o ministro chegou, ele nunca convocou o Comitê”, disse Adriana.
De acordo com Adriana, alguns pontos que Salles identificou como irregulares – o custo com folha de pagamento, por exemplo – não são consideradas irregularidades sobre as regras do Fundo. “Projetos de assistência técnica aos Estados para implementação do Cadastro Ambiental Rural, por exemplo, são projetos feitos de pessoal, não tem outros custos envolvidos além de deslocamento e pessoal. Isto é, não são irregularidades formais, são interpretações dele de que aquilo é um problema”.
Como resposta ao que o governo Bolsonaro tem chamado de “farra das ONGs”, Salles também afirmou que estimulará a entrada de empresas privadas no Fundo. Sobre este posicionamento, a coordenadora do ISA declarou: “O Fundo nunca esteve fechado às instituições privadas, mas existem regras e uma delas é que as instituições deveriam estar prestando serviços, assim como faz a sociedade civil, então não me parece que tenha havido interesse do setor privado em apresentar projetos até hoje. Mas a questão é que, um mecanismo que é de recursos de fundo perdido, tem que apoiar iniciativas que sejam de benefício público, ele não está ali para beneficiar empresas privadas”.
Fundo Amazônia
O Fundo Amazônia foi anunciado durante a Conferência do Clima em Bali (COP 13), em 2007, e criado no ano seguinte. Seus principais doadores são Noruega e Alemanha, com 93% e 6% respectivamente, do banco de desenvolvimento da Alemanha, KfW, e da Petrobras. O ministro do Meio Ambiente comanda o Comitê Orientador do Fundo Amazônia (COFA), que tem como função estabelecer as diretrizes e critérios para aplicação dos recursos do Fundo Amazônia, acompanhar as informações sobre a aplicação dos recursos e aprovar o Relatório de Atividades do Fundo Amazônia. O comitê é formado por representantes do governo federal, governos estaduais amazônicos e sociedade civil. Cada membro tem mandato de dois anos e possui direito a um voto dentro de seu bloco.
Pelas regras atuais, qualquer mudança nas diretrizes do Fundo Amazônia precisa ser discutida dentro do COFA.
Considerado o principal mecanismo internacional de pagamentos por resultados de REDD+ (redução de emissões de gases de efeito estufa provenientes do desmatamento e da degradação florestal), o Fundo tem em carteira 103 projetos, no valor total de aproximadamente R$ 1,9 bilhão.
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Foto: Reprodução/Twitter.