Tania Pacheco
Difícil escrever qualquer coisa ao terminar de ver o documentário de Andrés Sal.lari. Dói a alma, dói o corpo, os neurônios. Verdade que há também esperança e promessas de luta e resistência por parte de muitos jovens, na maioria negros. Com eles, há também o grito de Erundina, do alto de seus 85 anos, defendendo que valeu a pena.
Vale a pena. Valerá sempre. Mas como é doloroso acompanhar essa síntese dura dos nossos últimos anos…
São 71 minutos nos quais a construção do ódio é mostrada, em imagens precisas. Algumas belas, até, embora repugnantes. Me pergunto como se sentirão hoje alguns dos seres cujos corpos e opiniões foram registrados, se decidirem assistir ao trabalho do cineasta argentino. Talvez se orgulhem do que fizeram. Quanto aos outros, aos que participaram do #EleNão, da homenagem a Moa e a Marielle, com certeza são os mesmos com os quais saímos às ruas em maio e neste 14 de junho, lutando pelos nossos direitos.
Por mais que nos sintamos atingidos, é impossível parar de assistir. O filme nos penetra e mobiliza, nos atinge de uma forma que torna impossível sequer deixar para depois. E nos desafia.
Andrés Sal.lari nos traz até os primeiros dias deste 2019, à posse do novo presidente e de seu superministro da justiça. Para nós, que acompanhamos agora o belíssimo trabalho de desconstrução em elaboração por Glenn Greenwald e a turma do Intercept, impossível não fazer a ligação com a #VazaJato que nos realimenta desde o dia 9 de junho.
Sob o impacto do documentário, saio para almoçar, pensando no que vi e em como falar a respeito para inseri-lo neste blog. A tevê do restaurante, invariavelmente ligada em um noticiário da Globo, havia acabado de mostrar reportagem sobre alguém morto pela polícia. Distraída, não acompanhei. Mas ouvi, isso sim, o quase grito raivoso do homem bem vestido à minha frente: “Tem que matar! Tem que matar sim!”
Espero que reencontremos o nosso caminho. Mas entendo que não será fácil. E não acredito que esses seres contaminados pela hidrofobia tenham cura.
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