Censura e ameaças atingem jornalistas que criticam Bolsonaro

PH Amorim foi afastado do “Domingo Espetacular” da Record; Sherazade, do SBT, teve a cabeça pedida pelo dono da Havan

Lu Sudré, Brasil de Fato

O afastamento do jornalista Paulo Henrique Amorim do programa Domingo Espetacular, noticiado nesta segunda-feira (24) pela Record TV, trouxe à tona discussões sobre perseguição e censura aos profissionais da imprensa. 

Crítico contundente de Jair Bolsonaro e Sérgio Moro, Amorim vem contrariando a linha editorial da emissora, próxima ao governo. Segundo o site Notícias da TV, com o acirramento da polarização política no país, desde 2014 o jornalista está na mira do veículo de propriedade do bispo Edir Macedo.

Em nota oficial, a Record afirmou que o afastamento do apresentador, que comandou a atração pelos últimos 14 anos, se deu por um “processo de reformulação do jornalismo” e que o profissional “permanece na emissora à disposição para novos projetos”. O contrato de Amorim vai até 2021. Patrícia Costa e Eduardo Ribeiro ficarão responsáveis pela apresentação do semanal a partir do próximo domingo (30).

Procurado pela reportagem do Brasil de Fato, Paulo Henrique Amorim não quis comentar a decisão da emissora. 

O jornalista não é o único profissional ameaçado. Rachel Sherazade, do SBT, também foi colocada na linha de tiro dos bolsonaristas. Pelo Twitter, Luciano Hang, proprietário das lojas Havan – que durante as últimas eleições coagiu trabalhadores a realizarem campanha para o então candidato do PSL – sugeriu que Silvio Santos demita a apresentadora e comentarista.

De acordo com o empresário, a profissional está “contaminada por ideologias comunistas”. Ela havia compartilhado uma reportagem sobre a redução de equipes e o desmonte do jornalismo no SBT. 

Apesar de ser conhecida por seus posicionamentos conservadores, nos últimos meses a âncora também tem tecido críticas ao governo Bolsonaro. Em resposta à sugestão de Hang, Sheherazade afirmou que irá processá-lo por chantagear a emissora, já que a Havan é uma das principais anunciantes do SBT. 

Também nesta segunda-feira (24), o comentarista político Marco Antonio Villa anunciou sua saída da rádio Jovem Pan após ser suspenso por 30 dias. 

Fábio Pannunzio, âncora da TV Bandeirantes, está entre as centenas de pessoas que prestaram solidariedade aos profissionais. “Não tenho nenhum apreço pelo jornalismo do Paulo Henrique Amorim, a quem tenho criticado nos últimos dez anos. Mas a demissão [sic] dele é brutal e inaceitável, produto do macartismo bolsonarista que já vitimou Marco Antonio Villa, Marcelo Madureira e ameaça Rachel Sheherazade”, escreveu o jornalista. 

O ator e humorista Gregório Duvivier também se manifestou. “Toda a solidariedade ao Paulo Henrique Amorim, e também ao Marco Antonio Villa e à Rachel Sherazade – mesmo discordando frequentemente dos 2 últimos, é inegável que também caíram pela sua coerência e coragem. Ao que parece, na Record, no SBT e na Jovem Pan só ficarão os covardes.”    

Censura explícita 

Relatório publicado pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) em 2018, registrou 10 casos de censura aos profissionais da imprensa. Durante o período eleitoral, por exemplo, a direção do jornal O Povo proibiu os jornalistas contratados de participarem do ato “Mulheres Unidas Contra Bolsonaro”. 

Em agosto do ano passado, trabalhadores da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) denunciaram, em dossiê, censura na empresa, com veto a reportagens, de um lado, e indução a coberturas favoráveis ao governo Temer. 

Um caso emblemático denunciado pelos jornalistas da EBC está relacionado ao assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Silva, no Rio de Janeiro, em março do ano passado. A cobertura foi diminuída após ser criticada por gerentes da Agência Brasil, que disseram estar “cansativa” e que estaria dando “palanque ao PSOL”. 

Na  mesma linha, Ruth Manus, ex-colunista do jornal O Estado de S. Paulo, foi demitida após fazer um artigo com críticas ao então candidato do PSL. 

Para José Carlos Torves, diretor executivo da Fenaj, a retaliação desnuda a falsa imparcialidade de parte da mídia, que sai em defesa do governo.

“Essa pressão já era exercida no interior das redações. Agora ela se externaliza porque o anunciante e uma parte da população que apoiou o atual governo também pressionam veículos de comunicação para tomar medidas como demissão e afastamento de jornalistas que ainda mantinham independência na sua opinião, para que sejam extirpados dos veículos”, afirma Torves. 

“A situação se agrava cada vez mais. Estamos vivendo em uma democracia precária e uma liberdade de expressão precária. Temos que parar de usar neologismos para qualificar o que de fato é uma censura escancarada”, denuncia o diretor da Fenaj. 

Edição: João Paulo Soares.

Imagem: Amorim, que mantém o blog Conversa Afiada, criticou decisões de Sérgio Moro e do governo Bolsonaro / (Foto: Divulgação)

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